sábado, 29 de março de 2008

Declaração de raça


Declaro para os devidos fins que sou negra, conhecida por alcunha de mulata, termo dado a mistura da raça Negra com a raça Branca, derivado da palavra mula, forma como se tratavam os negros durante a escravidão e como muitos ainda são e se permitem ser tratados.
Declaro também que pelo fato de minha pele ser marrom, meus cabelos crespos cacheados, meus traços fugirem do padrão de beleza ditado pela sociedade, mídia e moda tenho plena autonomia para afirmar que o racismo ainda existe.
Diante de tal relato, afirmo também que esta declaração é prova que não me curvo diante do racismo, que não me julgo inferior, que assumo cada traço do meu rosto e da minha história.
Nos últimos anos, ser racista foi reconhecido como um defeito, se assumir racista é ter complicações com a justiça, que o considerou crime inafiançável, expor um negro a qualquer situação discriminatória é constrangimento infalível e recriminado de qualquer ciclo social, criou-se cotas para negros nas universidades, nos anúncios de emprego disfarçaram a discriminação racial com as palavras boa aparência, tais precauções só vem reforçar que o racismo é muito freqüente, e que os negros precisam da lei para protege-los de ofensas, precisam de cotas para vencer a concorrência desleal e classista nos vestibulares, precisam de escova progressiva para entrarem no quesito boa aparência.
O racismo era notório e designava-se adiante mórbidos ataques de rejeição, incompreensão e exclusão, hoje ele é faceiro, os negros podem entrar nos restaurantes chiques, mas não tem meios de pagar a conta, podem se hospedar em hotéis cinco estrelas, mas não dispõem de verbas para as diárias, podem estudar em boas escolas, mas não tem como pagar as mensalidades, podem aparecer na mídia, mas não podem ser o galã ou a mocinha da novela das nove. Até o conceito de autodiscriminação é racista, a grande massa considera chapinha e plástica no nariz embelezamento, porém diz ser o cúmulo do auto-racismo a paixão inter-racial, como se fosse possível escolher por quem se apaixonar.
O que dita a abominável condição de mais de 70% dos negros na sociedade é a não oportunidade, sem educação de qualidade, caríssima diga-se de passagem, o negro não tem condições financeiras para chegar a altos patamares e cargos, saímos das senzalas e fomos às favelas, precisamos “matar um boi por dia” para sobreviver e vencer a guerra contra o preconceito, que vem de berço, ou melhor, da falta dele.
Não costumo me curvar a estatísticas, pois as mesmas são desanimadoras; A exacerbada maioria, de alunos nas escolas públicas, é de negros, nos empregos assalariados, é de negros, nos bairros de periferia, é de negros, e isto não é demonstração de inferioridade intelectual, pois somos tão inteligentes e capazes quanto pessoas de qualquer raça.
Por fim, declaro que não aceito comentários mórbidos disfarçados pelo preconceito atual de “elogios”, como: “você é menos escura que tal pessoa”, “seu cabelo é melhor do que o de fulano”, “seus traços são mais finos do que o de cicrano”; Pois não defino sequer como elogio qualquer palavra e/ou atitude que menospreze e diminua a minha raça.
Este é o racismo contemporâneo, doença que vem se alastrando pela sociedade, e que todos os cidadãos munidos de conhecimento, dignidade e respeito deveriam combater independente da raça e da cor da pele.
Tiara Sousa