domingo, 29 de setembro de 2013

EU TE PROMETO NADA

Houve um tempo em que crianças eram crianças, e medos passageiros, e sonhos respeitáveis. Houve, não há mais, não há mais nada, só lustres em mansões, idosos em praças, conselhos em garrafas, gente doendo socialmente, intimamente, gente suportando o insuportável, gente esquecendo que é gente, e eu não posso dormir, nem mesmo ao seu lado.
E é por isso que te prometo nada, nenhum recato, nenhum laço, nenhuma vista, nada. Não posso te dar o que não é meu, eu.
Então fujo do que me faz delirar, e do que o encanta, e do que não o encanta, e do que um dia já nos encantou, e até do vento.
Entre beijos e respirações ofegantes nada é verdadeiro, que não passageiro, nada é tudo, embora pareça. Eu sei, eu vi, eu senti! Gozamos um inferno de sentimentos nobres, gozamos um céu de sensações torpes, onde tudo de bonito se resume a duas doses de sede e uma tragada de fome.
Eu vejo o mundo, e a nossa dor se completa, por que eu conheço quando uma dor é inteira, porque eu conheço o último riso, o último choro, eu conheço até o que ignoro, até o que não me cerca.
E é por isso que te prometo nada, nenhuma aventura, nenhum risco, nenhum orgasmo, nada. Não posso te dar o que não é meu, eu.
Houve um tempo em que crianças eram crianças, e medos passageiros, e sonhos respeitáveis... E eu não posso dormir, se não for ao seu lado... E é por isso que te prometo nada... Não posso te furtar o que sempre foi teu, eu. Tiara Sousa


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

SEXO VERBAL FAZ MEU ESTILO

Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros, e os erros são seus

Não quero lembrar que eu erro também”
Trecho da música “Eu sei” de Renato Russo

Com todo o respeito ao genial Renato Russo, devo admitir, sexo verbal faz meu estilo, ainda que palavras sejam erros e os erros sejam todos meus, eu gosto de palavras. Palavras tem gosto e sabor, tem forma e movimentos, tem escrúpulos e novidades, tem condescendência e péssimas maneiras.
Palavras são infinitas, caminham pelos corpos, caminham pelos olhos, são o principio do meio da saliva, são o meio do final das histórias mal contadas, porém bem vividas.
As palavras são o antes, a paquera, a cantada, o investimento. As palavras são o depois, a troca, a conversa, os risos. As palavras são o durante, os sussurros mudos, roucos, estridentes, imponentes, sem linguagem certa, mas ainda assim, palavras, mesmo que só pensadas e nunca ditas.
Gosto do som da palavra saudade, da entonação da palavra desejo, da tristeza da palavra Adeus, da beleza da palavra bonita, da propriedade da palavra gostosa, eu gosto da pureza do silencio e das inúmeras palavras explicitas implícitas nele.
Sexo é comunicação, a palavra é o romance da comunicação, eu sou romântica, e quem não é? E por que não é? Quem é tão frio que deseje mudo em pensamentos, se o pensamento grita o que as mãos percorrem e o corpo escreve.
Sexo verbal faz meu estilo, eu gosto de erros sentimentais e com propriedade, impróprios. Acho broxante primeiro beijo em festinhas de música alta sem conseguir ouvir o que outro fala, não considero excitante músculos vazios de intelecto, não precipito momentos, não admiro futilidades que não sejam poéticas e ilusórias. Aprendi a gostar de lembrar que eu erro também. Tiara Sousa


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Antes da vez passada

Conheço esse olhar, é o mesmo de antes, antes de mais tarde, antes de agora, antes de quando me permitia doer, antes da vez passada. Conheço tudo e mais um pouco, por isso voltei, por isso sempre volto, é confortável, é ocioso, é cômodo, é ingênuo.
Ontem já passou, se foram os coloridos diversos do céu, se foi o mar do Pacífico, se foram as diferentes linguagens e os finitos infinitos vieram. O Sol por aqui está bonito como sempre, e como sempre eu calço sandálias e uso saias, e como sempre eu leio romances e choro, e como sempre eu me alimento da nudez das paisagens as quais já sou habituada, e ainda me surpreendem.
Minha avó rezou pelo abrandar do inverno, mesmo sentindo o verão no seu corpo, porque ela sabe que eu desconheço orações, e porque no meu corpo eu sentia frio, e porque ela sempre pede por mim antes de pedir por ela. Hoje eu sorri antes de deitar, porque a minha cama ainda é a mesma e meus olhos também, pensei que todos deveriam sentir-se felizes como eu, resquícios da minha criação comunista, ou um velho gosto por gente, ou sei lá.
Voltei pra entrar em casa e perceber que eu também sou egoísta, compreender a dor de alguém não é saudável, saudável é nunca compreender uma dor, ainda que em lugares distantes, em momentos solitários, em palavras duras, em dias nublados, bom é nunca ser infeliz, mas nada é tão simples.
É verdade, eu passeei pelos lugares, porém eu viajei as pessoas, mas eu sempre viajo pessoas, cada um é um mundo e eu aprecio o conhecimento, eu sempre viajo... Fui educada para ouvir nos olhares, talvez por isso guarde poucas palavras e no entanto seja tão capaz de reconhecer uma dor só de ver como alguém caminha.
Voltei, com uma crise de enxaqueca e cinco quilos a menos, mas sei que cada hora somou, mesmo as subtraídas. Eu senti tudo... Cada folha, cada ritmo, cada verso, cada cor, cada gosto, cada encontro, cada despedida. Eu senti cada oração da minha avó.

Conheço esse olhar, é o mesmo de antes, antes de mais tarde, antes de agora, antes de quando me permitia doer, antes da vez passada. É o meu olhar. Tiara Sousa

terça-feira, 3 de setembro de 2013

As cores quentes estão geladas


Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu. Chico Buarque


Está frio. As cores quentes estão geladas, os versos estão gelados, meu corpo está gelado, e meus cobertores são tão frágeis quanto eu, nem posso chamar ninguém para baixo deles, não posso... Quase não me reconheço trajando bota e casaco, até perceber que as paisagens mudam, eu não, eu continuo a mesma, escrevo como de costume para não pirar, ao som de Ray Charles, fumando Marlboro. Ainda choro na terceira estrofe de Pedaço de mim, ainda prefiro as bobas comédias romanticas americanas aos filmes de arte franceses, ainda considero vazias promiscuidades, ainda me emociono com o mar, ainda acredito em finais felizes e valorizo humanidades.
Está frio. E eu nem gosto de café, nem de despedidas, talvez por isso eu entre nos lugares sociável e alegre e saia deles discreta e triste, deixando lá pessoas que conheci, mas não sei se verei novamente, não sei... Aqui é distante de casa, e ninguém me olha como a minha mãe, mães nos olham como se fôssemos o mundo inteiro, e a gente acredita que é, até descobrir que o mundo é bem maior que as nossas lamentações e bem menor que os nossos sorrisos.
Está frio. Mas daqui consigo ver o Sol, então sei que tudo está bem, que há poetas prosando a minha cidade, que o samba ainda arrasta multidões, que a minha família se reúne aos domingos e Ian dorme como um anjo, que meus amigos continuam especiais, e minhas ilusões permanecem, elas permanecem... Sou uma criança com sonhos de cenário cor-de-rosa, sou o fundo de um armário antigo à espera de reforma, sou uma louça segregada do conjunto, uma intimidade verdadeira, e sóbria, e quente e outra vez verdadeira, e sóbria, e quente. E ébria.
Está frio. Sou um machucado que não sara nunca... Está frio. E enquanto estiver frio, todas as cores quentes estarão geladas... Todas. Tiara Sousa