quarta-feira, 18 de abril de 2018

A BAINHA DA SAIA AMARELA


Ele queria que eu o amasse como amo as peças de Shakespeare. Sem meias conversas, sem ressalvas, sem teorias, sem pudores. Assim... Só amando. Mas eu não pude. Eu nunca soube como ser flor dentro de um jardim.
Ele dizia que eu deveria usar batom de vez em quando, que iria ficar mais bela; Dizia que eu deveria usar saltos e pintar os olhos, e vestir aqueles vestidos colados que segundo ele valorizam o corpo; Dizia que escrevo bem, e que poderia escrever sobre qualquer coisa, até sobre o atual cenário político, que isso seria oportuno e me traria ganhos. Ele dizia essas coisas enquanto franzia a testa e passava o dedo médio na sobrancelha esquerda ou enquanto olhava as minhas curvas com ar de propriedade. Mas cada vez que ele tentava me mudar, eu perdia um pouco da respiração, é que eu queria tanto que ele fizesse ideia do quanto era importante ser eu, porque eu era tudo que eu tinha quando não tinha mais nada, e sair por aí maquiada, de salto e com uma roupa provocante, e escrever sobre atualidades seria me fantasiar pra um mundo que assim como ele não compreendia a minha face limpa, os meus vestidos largos, as minhas sandálias rasteiras, os meus contos e crônicas sobre coisas não palpáveis, ainda que palpáveis.
Eu ficava esperando ele sentada na garagem, mas quando ele chegava e me olhava com aquele olhar crítico de quem esperava alguém mais comum, mais presa a tradições, hábitos e costumes, uma mulher mais lapidada, de formas e modos e sonhos mais delineados pela sociedade, eu pensava que enquanto esperava por ele, ele buscava alguém que supunha que eu poderia ser, mas que não era.
Ele não entendia porque no fim da tarde eu dirigia minutos e mais minutos até a praia só pra sentar a beira mar, nem porque eu preferia batata frita e Milk Shake a Sushi, nem porque todas as noites eu esperava pelas noites seguintes, nem mesmo o que eu via nele, não entendia e não queria entender, e eu passava a maior parte do tempo entendendo por nós, e quando cansava, escrevia sobre a bainha de uma saia amarela que ele detestava, porque nela tinha umas miçangas que ele sempre dizia que eram meio bregas e que não me favoreciam, e essas miçangas que ornamentavam a bainha de repende se tornaram a tradução perfeita do abismo que éramos nós, porque eram essas miçangas a minha parte favorita daquela saia.
Eu não queria que ele gostasse de mim exatamente como eu sou, eu queria era dizer a ele que eu sentava a beira mar nos fins de tarde porque há um mar para cada tarde, e que o meu paladar infantil é que sustenta a minha alma quando ela tá ferida, e que esperar todas as noites pelas noites seguintes é meu modo torto e desajeitado de saber sonhar e que o que via nele era o que ele nunca tinha ousado enxergar em mim, eu via o mais tarde. Mas eu calava, porque o olhar dele quase que exigia o meu silencio, e me entregava a ele como se cada célula do corpo dele fossem sagradas enquanto profanas, me entregava porque de tudo que ele não entendia, a minha pele implorava.
Ele queria que eu o amasse como amo as peças de Shakeaspeare, sem meias conversas, sem ressalvas, sem teorias. Assim... Só amando. Mas ele não compreendia que amar uma tragédia era menos trágico que amá-lo, porque eu só queria que ele amasse a bainha da saia amarela. E ele não pôde. Tiara Sousa