domingo, 24 de março de 2013

Deve ter sido amor

É infinito, o que mora entre os meus olhos e as mãos dele, e o que não cabe em mim, nem nele, nem em ninguém, é estúpido esperar que passe, é estúpido querer descrever, e ainda assim eu tento...
Algumas vezes ele colocava as mãos sob a testa, e eu fazia de conta que não via, só pra ele não perceber o quanto aquele gesto me tocava e ficar convencido, éramos dois convencidos. Ele falava que ia pra longe e eu falava que ia ficar, e entre o que ele e eu falávamos o que não era dito era o que havia de mais bonito no mundo todo.
É quente, o que transita entre a minha mente e desejo dele, e que eu desejo tanto quanto ele, e doía só de pensar em não ter mais, e dói só de pensar em voltar a ter e perder novamente... Ele me beijava como se eu fosse uma santa, e eu o beijava como se eu fosse uma puta, e eu não era nenhuma, nem a santa, nem a puta, e o que eu não era passava a ser preenchido pelo o que ele era e até pelo que ele gostaria de ser, e isso era tão intimo, singelamente intimo.
É estranha a lembrança de como ele caminhava até a porta e sorria com uma felicidade triste, feliz pela noite que passou, triste por que acabou. Era tão compatível eu esperando que ele saísse, pra ficar eufórica e passar o dia inteiro de bom humor, e hoje é tão solitário saber que posso ter outras noites, aquelas noites nunca mais... Ele sorria do meu riso, eu sorria de tudo quando ele estava por perto, é que tudo tinha graça, hoje só o que tem graça é a lembrança das frases que ele deixou soltas ao vento e que o vento faz questão de sempre trazer pra mim.
Era tão coerente a incoerência com que vivíamos, nós tínhamos quase a mesma idade, quase a mesma insanidade, quase os mesmos sonhos e fazíamos amor carregando a idade, a insanidade e os sonhos, e isso era tão raro, e ainda é. Ele contava das coisas que viveu, dos romances, das aventuras, eu contava o que doeu e o que não doía mais. Éramos cumplices, e ciumentos, e tolos, e jovens, e ainda somos.
Um dia ele fez o que tinha dito, foi pra longe, e eu fiz o que tinha dito, fiquei, mas antes de ir ele falou “se tiver que ser, vai ser, creio muito nisso” e continuou “o que aconteceu com a gente, só acontece uma vez na vida” e machucou tanto saber que ele estava certo.
Se foi amor? Deve ter sido. Mas o que eu amei mesmo é como eu era quando estava com ele. É disso que mais sinto falta. E eu sei que lá onde ele está, n’outra cidade e há quilômetros de distancia é exatamente disso que ele mais sente falta também, de como ele era quando estava comigo.
E é por isso que é infinito, o que mora entre os meus olhos e as mãos dele, é por isso que não cabe em mim, nem nele, nem em ninguém, é por isso que é estúpido esperar que passe, é por isso que deve ter sido amor. Tiara Sousa

sábado, 9 de março de 2013

Vinte e oito

Daqui do alto, dá pra ver o povo caminhando, e é tão bonito e solitário ver o caminho que esses pés cansados trilham. É como se esses pés ainda fossem os meus.
Daqui do alto, dá pra sentir como os poetas sentem, e é tão triste e íntimo ter a poesia dos becos e esquinas da cidade no coração. É como se essa cidade ainda fosse a minha.
Daqui do alto, dá pra compreender como os pedreiros unem os tijolos nas construções que um dia chamaremos lar, e é tão encantador e injusto entender que eles erguem paredes que não serão deles. É como se esse lar ainda fosse o meu.
Daqui do alto, dá pra ouvir os sussurros dos amantes, e é tão físico e emocional ouvir no libidinoso, o sentimental. É como se essa libido ainda fosse a minha.
Daqui do alto, dá pra observar os jovens de dezoito anos se acometerem de erros semelhantes aos que eu já cometi. E é tão constrangedor e estranho só poder observar. É como se erros ainda fossem os meus.
Mas não são. Daqui do alto, eu vejo tanto, eu sinto tanto, eu compreendo tanto, eu ouço tanto, que tantas vezes só vejo, sinto, compreendo e ouço o que eu quero, que tantas vezes não sou nada, além de tudo o que já vivi.
Daqui do alto, o tempo importa, os dias correm, as situações ensinam, as experiências contam, há menos acasos e mais coerência.
E às vezes é tudo tão natural e familiar, que mesmo do alto, sinto como se eu fosse completar dezoito anos, não vinte e oito. Como se eu fosse perder as minhas memórias, e perdendo-as, reencontrar a inocência que essa última década tirou de mim. Sinto como se eu fosse todos os mais jovens, que de muitas maneiras e apesar de tudo, ainda vivem em mim. Tiara Sousa