segunda-feira, 31 de agosto de 2015

ONDE MORAM OS ESTRANHOS...

Direitos da imagem: Anio Tales Carin
A última coisa que Laura precisa nesse momento é ser Laura, é ter os cabelos de Laura, e a voz de Laura, e os inesgotáveis questionamentos de Laura. A última coisa que Laura precisa é ser ela, porque há um tempo está cansada de ser ela. Então, Laura vai ao salão de beleza, e corta os cabelos, e pinta de roxo, um roxo assim meio lilás, meio marrom, meio adolescente, meio triste. Laura quer ser feliz pra sempre, mas a avó dela diz que pra sempre é muito tempo, é tanto tempo, mas tanto tempo, que o próprio tempo se encarrega de deixar isso pra lá. Laura perde quatro quilos, quatro, porque cinco é muito e três é muito pouco, e porque ela quer se parecer com aquela atriz que faz o maior sucesso na novela das onze. Laura sai do salão, mas ainda tem que fazer algumas coisas pra se convencer de vez que deixou de ser Laura, então ela vai ao shopping e compra uma dessas blusinhas de seda falsa que parecem uma peça de babydoll, mas que todo mundo anda usando ultimamente, porque no fundo ela acredita mesmo que ser todo mundo é melhor do que ser Laura.
Laura sai do shopping já vestida com a blusinha de seda falsa, a blusa é amarela e não combina com nova cor do cabelo dela, mas ela tá se lixando pra isso, ela vai até um desses barzinhos localizados na área nobre da cidade e pede uma dose de whisky, um dia antes ela jamais beberia sozinha, pintaria os cabelos de roxo, usaria uma blusa da moda, mas agora não, agora ela quer deixar de ser Laura, quer esquecer quem ela era antes.

Laura ainda não sabe, mas ali mesmo naquele barzinho ela vai conhecer um cara legal, vai se apaixonar, e vai ficar tão bem que vai deixar o cabelo crescer novamente e voltar ao seu tom natural, e voltar a usar as velhas e boas camisetas e a se preocupar com o combina e o que não combina, Laura vai voltar a ser Laura e a amar ser Laura, vai namorar uns três, quatro, cinco, seis meses com ele, juntos irão viajar até um desses paraísos naturais que tem espalhados pelo Brasil, depois eles irão voltar e tudo vai ficar meio estranho e Laura vai se sentir vazia e transar com um carinha que ela conheceu há muito tempo no curso de Artes, e que fazia anos que não via, daí ela vai contar pro namorado do deslize e ele não irá perdoar, e o namoro vai chegar ao fim. Então novamente Laura vai querer deixar de ser Laura e mudar um monte coisas, mas o vazio ainda vai estar ali, ela vai passar um tempo em São Paulo na casa da tia avó, mas o vazio ainda vai estar ali, ela vai voltar e fazer vestibular pra Arquitetura e vai passar, mas o vazio ainda vai estar ali, ela vai ler “O Príncipe”, de Maquiavel e ficar meio antipática, mas o vazio ainda vai estar ali. E quando ela finalmente deixar de fugir daquele vazio e até se habituar a ele, ele pouco a pouco irá desaparecer, até que não haja mais nenhum resquício dele pela casa, pelas ruas, por Laura. E contrariando a sua sábia, porém endurecida pelas experiências, avó, ela vai ser feliz pra sempre por alguns meses,ou ano, ou anos talvez, até o vazio voltar e ela desejar ser qualquer pessoa ou todo mundo, menos Laura, porque naquele momento ser Laura vai doer demais, e Laura não gosta da dor, ela não aceita a dor, ela não conversa com a dor, ela não quer a dor, ela não entende a dor, se ela entendesse saberia que alegrias ornamentam vidas, mas são as dores que constroem seres humanos. São as dores Laura! Seja lá quem você for, ou quantas(os) forem, ou onde moram, não se esqueça, nunca esqueçam... São as dores que constroem a humanidade. Tiara Sousa