sábado, 30 de novembro de 2013

MEU FEMININO DISCURSO FEMINISTA

__ E é por crer que nos desvirginar de influencias machistas, não nos torna menos femininas e sentimentais, não nos furta a essência e não nos descaracteriza, é que reprovo tanto a ideia de superioridade masculina (machismo), quanto a ideia de superioridade feminina (femismo). E é por sonhar com uma sociedade que aceite libido e intelecto nas mulheres, e sentimento e emoção nos homens, e com um mundo que enxergue as diferenças entre os gêneros sem deixar de trata-los como iguais, que assumo de salto alto, batom vermelho, cabelos soltos e vestido cor de rosa que aprovo a luta por igualdade de gênero (feminismo).
Todas nós, mulheres, já ouvimos frases do tipo: _ Comporte-se como uma moça! _Sente-se direito! _ Vista-se adequadamente! _ Não fale palavrões! _ Guarde-se para o homem da sua vida! _ Aja descentemente! Ainda que em orações separadas, já ouvimos isso, e isso é só isso, é pequeno, superficial, inatingível e extremamente machista, embora dito e redito pelas próprias mulheres.
Crescemos brincando com bonecas, de casinha, de cozinheira, e que natural, não é? Afinal, muitas vezes é da essência feminina a evidencia de certas disposições, eu nem seria tola a ponto de dizer que não há nada de voluntário nessas brincadeiras, que nelas não estão envolvidas o instinto materno e os alcances líricos, emocionais e instáveis próprios do gênero feminino. Porém, crescemos assim, não apenas realizando a nossa essência, mas principalmente obedecendo às ideias machistas da sociedade, que desde sempre nos treina para embalar crianças e cuidar dos afazeres domésticos, para calar e consentir, para não ousar, ou ousar apenas para satisfazer as fantasias do marido.
Alguns discursos são uma junção dos contos de fadas, em que as princesas são inocentes e intocáveis até encontrarem seus príncipes (o idealizado grande amor), com as interpretações bíblicas e a imagem cristã da bondosa mulher Maria, que com todo o respeito, devo acrescentar, não bastasse ser bondosa, tinha que ser eternamente virgem, e que nem grandes figuras históricas femininas foram capazes de sucumbir a tal adoração e efeito psicológico. Tais discursos são inseridos em nossas mentes desde cedo, partem de uma sociedade despreparada para uma igualdade de gênero, e são reproduzidos nas crianças, pelas próprias famílias, incluindo as mães. Sim, mães! Pois uma parcela considerável das mulheres é machista e nem percebe que é. Somos deseducadas para os relacionamentos de natureza romântica, pois de tanto ouvir sobre príncipes e princesas, buscamos uma história de enredo perfeito (que não existe), e nos perdemos de nós mesmas na tentativa de firmar nosso papel na sociedade, nós nos idealizamos de tal maneira que o sexo, algo tão natural, passa a ser motivo de intermináveis questionamentos e visto como um problema moral e ético.
A questão, é que o tempo passou, e uniram-se aos velhos discursos puritanos, os discursos da liberdade sexual feminina, instaurando nas mulheres contemporâneas a ideia de “posso tudo o que o homem pode” (o que não deixa de ser verdade). O problema é que quando se parte de ideias tão puritanas para ideias tão inovadoras, há um conflito interpretativo, levando as mulheres a desconsiderar o fato de que assim como nós os homens também são deseducados desde meninos, que crescem sob os mesmos velhos conceitos machistas, que os fazem assimilar suas libidos a algo quase animal, numa busca infundada e errônea de auto afirmação heterossexual, que lhes habituam a fazer sexo considerando o prazer antes de reais encantamentos, desejos e expectativas, muitas vezes tratando e reduzindo as mulheres a um corpo, sem cérebro, sentimentos e intelecto ou a um ser submisso. E é na tentativa frustrada de alcançar a igualdade, que muitas mulheres passam a fazer o que muitos homens fazem desmedidamente, friamente e com quase ou nenhum apego, e com isso, a maior forma de comunicação do mundo (o sexo), comunica errado, tornando habitual desconsiderar que nossos impulsos não nos torna irracionais, e sim ainda mais humanos.
Além de todos os percalços que já enfrentamos diariamente e cotidianamente nos relacionamentos, na vida social, no mercado de trabalho e até mesmo intimamente, a mídia apelativa e oportunista ainda aproveita-se da ideia (mais machista do que real) do desejo voraz, ilimitado e até poligâmico de homens desde cedo deseducados para serem “muito homens”, e passa a transmitir imagens de bundas e seios, erotizando seminudez e nudez supostamente femininas, de celebridades instantâneas que denegrem cada vez mais a real imagem das mulheres e nos vitimiza a um padrão de beleza escandaloso e apelativo, nos tornando reféns do reflexo de um intelecto reduzido, aparentando da mais degradante e superficial forma possível, a ideia de liberdade feminina e dificultando a nossa conquista de sermos enfim verdadeiramente valorizadas.
E entre um discurso e outro, entre os resquícios de um passado de prisão, de um presente de liberdade fantasiosa e desmedida, e da esperança de um futuro de igualdade, ficamos nós, mulheres, perdidas entre o que dizem nossos pais e entre o que vemos na TV, entre as nossas sensações físicas e emocionais e o que nos dizem que é imoral e impróprio, entre a nossa condição humana e as nossas referencias extremas e depreciativas. A questão torna-se ainda mais degradante, quando os dois ideais expressivos de mulher querida e desejada pelos homens são o da submissa, caricata e machista Amélia (aquela que dizem, era mulher de verdade) ou da também (não enganem-se com as aparências), submissa, caricata e machista Sex symbol (aquela que dizem, é a mulher de verdade).
Com isso, ainda que desejosas de que sermos nós e inteiramente, seja o melhor que podemos fazer por nós mesmas, somos afetadas e influenciadas pela sociedade, pela mídia e pelas ideias cristãs, o que torna mais difícil exercermos o papel de seres sociais participativos, conscientes dos nossos alcances emocionais e livres de qualquer expectativa de uma virgem Maria, a nos simular assexuadas e a nos indispor a uma santidade que não nos cabe enquanto humanas.
E mesclando as minhas palavras com as da cantora e compositora Rita Lee, na música Pagu, que revelo que sou feminista sim, por tudo o que já foi conquistado, por tudo o que é considerado equivocadamente conquista, por tudo o que ainda necessitamos conquistar, e principalmente “porque nem toda feiticeira é corcunda”, porque “nem toda brasileira é bunda”, porque “o meu peito não é de silicone”, e porque embora heterossexual, feminina, frágil e sensível, ainda consigo ser “mais macho que muito homem”. Tiara Sousa

sábado, 23 de novembro de 2013

SINTO TANTO

Saí do útero, não sou mais um feto, foi covarde ter retornado pra lá depois de todos esses anos. Quando fui gerada desconhecia tudo, agora é estranho, porque já sei que o mundo é um lugar bonito, mas um lugar bonito nunca é só bonito, nunca é só um lugar, e isso ainda me assusta.
Eu amadureci, meus sentimentos não. Quando sinto sou um recém nascido, sem nenhuma bagagem, exposto a coisas novas, tudo é novo, até o que não é mais. No útero é escuro, e estreito, e pequeno, mas aqui eu sinto tanto, que estar lá parecia mais confortável do que existir no meu próprio corpo, com centímetros vulgares entre o meu coração e a minha boca, eu sinto tanto, que na maioria das vezes esses centímetros desaparecem, e tudo o que eu aprendi desaparece junto.
Sentir é se desconhecer nos próprios hábitos, e olha que sentir pra mim é tão habitual quanto comprar vestidos novos e discos antigos, é mais solitário do que reler os romances de Albert Camus na companhia das lembranças míticas da menina que fui um dia, e que volto a ser todas as vezes que deixo de controlar as minhas emoções, e todas às vezes são vezes demais.
Estou cansada de infringir a minha saúde mental em interseções de tudo, ou de instintivamente tudo, ou de estrategicamente tudo, ou de loucamente tudo, ou de tudo ou nada. Eu necessito tanto de um meio termo, mas o meio termo não arrepia o meu corpo, não acelera os meus batimentos cardíacos, não me causa oscilações de humor, o meio termo é só mais uma das minhas fantasias criativas que não diminuem em nada os meus temores infantis, as minhas expectativas adolescentes, as minhas sensações adultas.
Eu sei bem o que não devo querer, já vivi o suficiente pra saber muito bem o que definitivamente não devo querer, não sou Hamlet nem quando leio Hamlet, comigo não cola essa história de “Ser ou não ser”, essa nunca foi a minha questão. O problema, o grande, infinito, estúpido, incomodo e desconfortável problema é que eu sinto e volto a ser a menina que é beijada pela primeira vez, a garota que é amada pela primeira vez, a mulher que é magoada pela droga da primeira vez, talvez Hamlet não fosse tão complexo se soubesse que pra mim o mais difícil é “Ser”, que essa é a minha questão.
É que ser é existir, e existir é sentir, e sentir é sonhar de corpo aberto, de queixo caído, de coração escancarado e de olhos fechados. Sentir é o mais satisfatório dos orgasmos passeando de mãos dadas com o mais aterrorizante dos pesadelos, é romântico e instável; Sentir é o que há de mais humano no ego agindo desumanamente com o ego, é o ego na favela comendo restos, bebendo lama, cuspindo sangue e simulando dignidade, é humano ao quadrado, é desumano ao cubo, é divisível, porém sempre inexato.
Eu sinto, mas não me conformo, e o inconformismo é um quadro expressionista pintado por um artista plástico contemporâneo, é oco. E eu não me conformo com esse desconforto adolescente que é sentir, mas de que adianta todo esse meu inconformismo quando tudo o que me incomoda, me estraçalha, me invade e me enlouquece me faz sentir tão viva a ponto de sorrir sem precisar simular nada, a ponto de chorar sem precisar de histórias, que não as minhas?
Sinto tanto, que as minhas próprias possibilidades emocionais me assombram, a ponto de eu cultivar a ilusão de que ser um ser humano menos humano seria mais humano comigo, mas não seria, pois é quando eu sinto tanto que eu me sinto viva, pois é quando eu sou um recém nascido sem nenhuma bagagem, exposto a coisas novas, onde tudo é novo, mesmo o que não é mais, que eu sou o melhor que posso ser. Tiara Sousa

sábado, 16 de novembro de 2013

NEGRA – O Conto de fadas que ninguém contou

- Eu nunca fui a princesa. - Nunca trajei os vestidos glamorosos e cheios de brilho. - Meu príncipe nunca chegou. - O final feliz nunca foi pra mim. - Nenhuma fada visitou o meu conto, porque ninguém o contou.
Entre tantos entretantos, cresci, sem participar dos contos de fadas da minha infância, sem me enxergar nas mocinhas das novelas, sem arrasar os corações nos bailes dos filmes que me faziam delirar. Cresci, no equivoco de não povoar a imaginação de ninguém, nem a minha. Eu só me enxergava nas mulheres seminuas nos desfiles das escolas de samba, nas jogadoras de futebol e de basquete e em manifestações artísticas, populares e culturais, que mesmo com extrema importância e beleza, não deveriam ser as minhas únicas melhores opções, mas o mundo afirmava que eram, porque o mundo também cresceu e crescia sem me ver nas histórias das suas infâncias, e nem da minha.
Entre tantos entretantos, cresci, sem nunca protagonizar as histórias dos autores renomados, ou sendo no mínimo a que enxugava o chão da sala e esquentava a barriga no fogão e no máximo tratada como categoria alegórica e superficial, ou na melhor das hipóteses sendo um artigo de resgate cultural ou um signo de esclarecimento histórico-social. Eu estava por todos os lados, nas ruas, nas praças, nas praias, nas escolas, nos lazeres, nos empregos, portanto não haviam possibilidades reais de eu não povoar todos os lados da imaginação dos autores, eu apenas permanecia arraigada a um universo subterrâneo  de exclusão, e nunca coloria as ilustrações e as imagens, e nunca preenchia as linhas e as falas, mas existia, inspirava, acomodava e incomodava tanto quanto as outras, as que se tornavam publicações e exibições e que invadiam as fantasias do mundo.
Embasada pelo que li, vi e vivi, mas sobretudo pelo que não pude ler, nem ver, nem viver, desmascarei os interesses e a estupidez de manter as sociedades na ignorância, e compreendi que as histórias que tanto contavam, e que não me incluíam, alienavam mais do que instruíam, furtavam mais do que entrertiam, figuravam mais do que protagonizavam, eram ilusões comedidas e medidas, e que no fundo, eu, que tanto as quis, nunca as realmente precisei.
Nos contos que não pude ler, nas coisas que não pude assistir, aqueles em que todos, de todos os modos, e preferências, e gêneros, e condições, e classes, e cores, e faces, e corpos, e lugares, e alma, e sedes, e fomes, e etnias povoam, percebi que era meu direito ser tudo o que desejasse, fazer parte de todas as histórias, então, não desfilei seminua em escolas de samba, nem joguei futebol ou basquete, nada escrachadamente contra, apenas nunca foi o que eu queria, e eu não o faria apenas pra ser maquiagem pra estatística sugestiva que impulsiona um povo aos pedaços pra uma ignorância inteira, elevada a desumanidades, intolerâncias, preconceitos e interesses, e que afirmavam que essas eram as minhas únicas melhores opções.
E evidenciando todo o meu respeito e apreço a todas as etnias, pois embora orgulhosamente e predominantemente Negra, sou antes de tudo, miscigenada, parte de um povo, de uma cultura e de uma família miscigenados, é que hoje mando, por tudo que me foi aos tantos furtado e aos poucos revelado, a Cinderela para o Espaço, a Rapunzel á merda, a Bela Adormecida pra puta que pariu, a Pequena Sereia ir tomar naquele lugar e a Branca de Neve ir se foder, porque entre inúmeros, difíceis, pesados, dolorosos, injustos, tantos entretantos, eu sempre fui a princesa, o final feliz sempre foi pra mim, eu sempre trajei os vestidos glamorosos e cheios de brilho, o meu príncipe chega, e todas as fadas me visitam, e eu só levei um tempo pra descobrir isso, porque ninguém, absolutamente ninguém contou. Tiara Sousa


sábado, 9 de novembro de 2013

UM FALSO GOSTO POR SOLIDÃO ou PORQUE PREFIRO FICAR EM CASA NUM SÁBADO Á NOITE

Eu sempre falo que gosto de solidão, é tudo mentira, é que eu não gosto da mediocridade de um espaço cheio de pessoas vazias, e às vezes estou extremamente vazia, a ponto de me achar boa demais pra contar estrelas acompanhada.
Porque prefiro ficar em casa num sábado à noite, enquanto as pessoas da minha idade saem para as baladas, para os bares, para as festas, eu penso que tenho um mundo particular, que vivo numa constante ilusão, alimentando a minha fantasia em meio a livros, filmes, discos, internet e TV, e que um dia posso me arrepender de não estar fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante. Então, finalmente é sábado á noite, e eu desolada pela ideia de estar deixando a vida passar, me arrumo, ponho o que a geração anos 80 chama de uma roupa descolada, numa tentativa esperançosa de quando sair fazer coisas não fúteis com gente de fato interessante.
A noite começa com uma Coca-Cola, uma garrafa de água, dois cigarros mentolados, duas tentativas de amizade com conhecidas de amigas, de amigas minhas, que em minutos de conversa só sabem falar de como tal cara é gatinho, de como o outro é galinha, de como o som é dez, sendo que ele é no máximo sete, enfim... eu ando meio sem saco pra ser normal, então acho tudo um saco, e achar tudo um saco é ser cem vezes mais triste do que o resto do mundo, além de impedir o inicio natural de amizades.
Mas a noite só está começando, eu ainda irei dançar oito vezes com quatro rapazes diferentes. O primeiro desiste logo na primeira dança, porque tem baixa autoestima e quando percebe que eu não bebo, logo conclui ser mínima a chance de acontecer sexo no fim da noite, e como isso é tudo o que ele quer, distancia-se de mim com mais de mil; O segundo é encantador para os meus padrões, tem uma cara de tonto e um jeito boêmio, vamos dançar algumas vezes e começar a conversar, e ele vai perceber que eu sou mais inteligente do que ele, e isso vai incomodá-lo, então vai passar uma mulher com dez centímetros a mais de bunda do que eu, e com quarenta por cento do quociente de inteligência inferior ao meu, e ele literalmente vai correr atrás dela; O terceiro, que nem me considera assim tão bonita e atraente, ao perceber que dois já dançaram comigo e que não aconteceu nada, supõe que eu seja difícil, e por se achar demais vai querer mostrar a si mesmo que consegue, mas eu tenho meus momentos de futilidade, então mesmo percebendo a situação, vou aceitar dançar com ele, por que ele é lindo para todos os padrões, só que ele se acha demais, ele se acha tanto, mas tanto, que ele não me deixa falar, que ele acha que eu tenho a obrigação de escutar todas as bobagens que ele diz e ainda ficar louca por ele, mas eu já deixei de ter dezessete anos há um bom tempo, e o meu momento fútil tem limite, então eu direi que vou ao banheiro e fugirei do cara mais gato da balada, com a convicção de que ele também é o mais idiota; O quarto é aquele que aparece no fim da noite, enquanto ele se aproxima, penso que ele não me acha nada demais, porque senão teria me convidado pra dançar antes, mas já que ele não ficou com ninguém, e observou que eu não fiquei com ninguém, ele me convida pra dançar, como eu sou educada e numa hora dessas a minha amiga muito menos seletiva, e menos chata, e menos romântica, e menos sensível já vai ter me deixado sozinha e vai estar beijando um cara há horas, vou dançar com ele, e ele até que é fofo, e tem um bom papo, e uma boa aparência, e é até meio inseguro, o que significa que eu posso estar enganada e ele pode não ter se aproximado antes por não saber como, e aí, talvez nos beijemos, e talvez troquemos contatos, e muito provavelmente ele tente transar comigo na mesma noite, mas tudo bem, afinal ele é hetero, jovem e tem hormônios, começa a ficar tudo mal quando ele insisti exaustivamente, como se a minha recusa fosse eu fazendo o tipo mocinha, ou como se eu apenas tentasse prolongar uma situação, e ao perceber que dentro do seu mundo rápido não cabem as minhas ilusões, e que dentro do meu mundo lento não cabem noites sem sentido que não sejam sentimentais, eu vou sair da balada sozinha, sem novos amores, sem novas promessas, sem novos amigos, e vou achar um desperdício de tempo ter saído de casa. Não que eu não tivesse me divertido nem um pouco, mas é que me divertiria muito mais no meu mundo particular.
E antevendo tudo isso, sei que se eu for, eu vou chegar em casa meio que completamente deprimida,  não só por ter passado a noite fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante, mas principalmente por saber que no exato momento em que entrar em casa, terei a percepção exata de que é demasiadamente difícil conhecer pessoas realmente interessantes nesses horários e lugares, porque assim como eu, elas devem preferir ficar em casa num sábado á noite, numa constante ilusão, alimentando a fantasia em meio a livros, filmes, discos, internet e TV, porque assim como eu, muitas vezes elas devem pensar que  um dia podem se arrepender de não estar fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante, porque assim como eu, muitas vezes elas devem ficar desoladas pela ideia de estar deixando a vida passar.
Então irei desistir de sair, me despirei do que a geração anos 80 chama de uma roupa descolada, vestirei a camisola, colocarei o óculos e aguardarei alguém me ligar pra perguntar porque mais uma vez eu irei preferir ficar em casa num sábado á noite, só para eu poder responder que é porque gosto de solidão, mas eu e muitos sabem, quem não sabe, fica sabendo agora, é tudo mentira, é que eu não gosto é da mediocridade de um espaço cheio de pessoas vazias, e às vezes estou extremamente vazia, a ponto de me achar boa demais pra contar estrelas acompanhada. Tiara Sousa

sábado, 2 de novembro de 2013

SOU EU QUEM SANGRA TODOS OS MESES

Há vezes, em que um canto da sala é a sala inteira, depende de como eu me sinto, e de como foi o meu dia. De repente, a mesa em que fomos tão superficialmente felizes já não significa nada, e admito, tenho um gosto incomum por coisas comuns.
Não gostava do teu sorriso, ele era encantador demais pra ser só meu, e do alto da minha insegurança isso me incomodava, mas gostava de vê-lo sorrir, e isso meu caro, soa tão falso quanto a última gota da tinta vermelha que um dia você usou pra pintar (e bordar) a minha paz.
É estranho que tenha se esforçado tanto pra continuar, a cidade inteira sabia o que eu também estava cansada de saber, e de não admitir, você não me amava, se amava demais pra amar alguém como eu, alguém que se encantava com o mar a ponto de querer levar as ondas pra casa, você não me amava nem quando tava me amando, era cínico, machista e narcisista, mesmo quando eu tava por cima, principalmente quando eu tava por cima.
Eu sei que eu também nunca fui perfeita, tenho total consciência de que não sou o paraíso, nada perto disso, nada que se meça entre o céu e o implícito pode me traduzir, mas mesmo assim, eu era bem mais do que você merecia, e te entregava bem mais do que você jamais cogitou me pedir.
Hoje, posso dizer com todas as palavras que chorei até não restar nenhum liquido no meu corpo, que deixar de querê-lo foi um processo árduo, eu passei dias e dias ressentindo pesadelos reais por horas a fio, esgotei a inesgotável cota de desilusões de uma vida, abdiquei das crenças mais confortantes, amadureci da maneira mais consciente e menos alegre, eu caminhei por um esgoto de lembranças mórbidas e flertei comigo mesma até me reconquistar.
Hoje, eu sento á mesa, a mesma mesa em que fomos tão superficialmente felizes, e só consigo pensar em como um dia tudo pôde mudar. Agora, não adianta dizer que gosta de mim do jeito que eu sou, eu não sou mais como aquela personagem sonhadora do filme, que quando escuta isso, entra num êxtase de encantamento e esperança, eu já velei minhas ilusões, me crucifiquei em lágrimas, me sepultei viva, já fui ao meu enterro a procura de um quinto de motivo pra ressuscitar, já fiquei tão triste que não consegui chorar, já li e reli livros de psicologia em busca da inexistente explicação dos sentimentos, ninguém se desconhece melhor que eu, meu caro, e por saber de tudo isso, é que agora sou eu quem gosta de mim do jeito que eu sou.
Se por algum momento me olhou nos olhos e viu o tamanho do meu encantamento por você, e supôs que eu não ia te superar, errou, posso ser frágil como uma flor, posso vislumbrar contos de fada em pleno século XXI, posso ter a sensibilidade de uma ferida aberta, posso doer como uma queimadura de terceiro grau, e pensar em casamento enquanto você libidinosamente observa as sápidas curvas do meu corpo, mas sou eu quem sangra todos os meses e permanece intacta, inteira, completa, meu caro, portanto olhe nos meus olhos novamente, e verá que superar você foi menos difícil do que escrever esse conto. Tiara Sousa