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E é por crer que nos desvirginar de influencias machistas, não nos torna menos
femininas e sentimentais, não nos furta a essência e não nos descaracteriza, é
que reprovo tanto a ideia de superioridade masculina (machismo), quanto a ideia
de superioridade feminina (femismo). E é por sonhar com uma sociedade que
aceite libido e intelecto nas mulheres, e sentimento e emoção nos homens, e com
um mundo que enxergue as diferenças entre os gêneros sem deixar de trata-los
como iguais, que assumo de salto alto, batom vermelho, cabelos soltos e vestido
cor de rosa que aprovo a luta por igualdade de gênero (feminismo).
Todas
nós, mulheres, já ouvimos frases do tipo: _ Comporte-se como uma moça!
_Sente-se direito! _ Vista-se adequadamente! _ Não fale palavrões! _ Guarde-se
para o homem da sua vida! _ Aja descentemente! Ainda que em orações separadas, já
ouvimos isso, e isso é só isso, é pequeno, superficial, inatingível e
extremamente machista, embora dito e redito pelas próprias mulheres.
Crescemos
brincando com bonecas, de casinha, de cozinheira, e que natural, não é? Afinal,
muitas vezes é da essência feminina a evidencia de certas disposições, eu nem
seria tola a ponto de dizer que não há nada de voluntário nessas brincadeiras, que
nelas não estão envolvidas o instinto materno e os alcances líricos, emocionais
e instáveis próprios do gênero feminino. Porém, crescemos assim, não apenas realizando
a nossa essência, mas principalmente obedecendo às ideias machistas da
sociedade, que desde sempre nos treina para embalar crianças e cuidar dos
afazeres domésticos, para calar e consentir, para não ousar, ou ousar apenas
para satisfazer as fantasias do marido.
Alguns
discursos são uma junção dos contos de fadas, em que as princesas são inocentes
e intocáveis até encontrarem seus príncipes (o idealizado grande amor), com as
interpretações bíblicas e a imagem cristã da bondosa mulher Maria, que com todo
o respeito, devo acrescentar, não bastasse ser bondosa, tinha que ser eternamente
virgem, e que nem grandes figuras históricas femininas foram capazes de
sucumbir a tal adoração e efeito psicológico. Tais discursos são inseridos em
nossas mentes desde cedo, partem de uma sociedade despreparada para uma
igualdade de gênero, e são reproduzidos nas crianças, pelas próprias famílias,
incluindo as mães. Sim, mães! Pois uma parcela considerável das mulheres é
machista e nem percebe que é. Somos deseducadas para os relacionamentos de
natureza romântica, pois de tanto ouvir sobre príncipes e princesas, buscamos uma
história de enredo perfeito (que não existe), e nos perdemos de nós mesmas na tentativa
de firmar nosso papel na sociedade, nós nos idealizamos de tal maneira que o
sexo, algo tão natural, passa a ser motivo de intermináveis questionamentos e
visto como um problema moral e ético.
A
questão, é que o tempo passou, e uniram-se aos velhos discursos puritanos, os
discursos da liberdade sexual feminina, instaurando nas mulheres contemporâneas
a ideia de “posso tudo o que o homem pode” (o que não deixa de ser verdade). O
problema é que quando se parte de ideias tão puritanas para ideias tão
inovadoras, há um conflito interpretativo, levando as mulheres a desconsiderar
o fato de que assim como nós os homens também são deseducados desde meninos,
que crescem sob os mesmos velhos conceitos machistas, que os fazem assimilar suas
libidos a algo quase animal, numa busca infundada e errônea de auto afirmação
heterossexual, que lhes habituam a fazer sexo considerando o prazer antes de
reais encantamentos, desejos e expectativas, muitas vezes tratando e reduzindo as
mulheres a um corpo, sem cérebro, sentimentos e intelecto ou a um ser submisso.
E é na tentativa frustrada de alcançar a igualdade, que muitas mulheres passam
a fazer o que muitos homens fazem desmedidamente, friamente e com quase ou nenhum
apego, e com isso, a maior forma de comunicação do mundo (o sexo), comunica
errado, tornando habitual desconsiderar que nossos impulsos não nos torna
irracionais, e sim ainda mais humanos.
Além
de todos os percalços que já enfrentamos diariamente e cotidianamente nos
relacionamentos, na vida social, no mercado de trabalho e até mesmo
intimamente, a mídia apelativa e oportunista ainda aproveita-se da ideia (mais
machista do que real) do desejo voraz, ilimitado e até poligâmico de homens
desde cedo deseducados para serem “muito homens”, e passa a transmitir imagens de
bundas e seios, erotizando seminudez e nudez supostamente femininas, de
celebridades instantâneas que denegrem cada vez mais a real imagem das mulheres
e nos vitimiza a um padrão de beleza escandaloso e apelativo, nos tornando
reféns do reflexo de um intelecto reduzido, aparentando da mais degradante e
superficial forma possível, a ideia de liberdade feminina e dificultando a
nossa conquista de sermos enfim verdadeiramente valorizadas.
E
entre um discurso e outro, entre os resquícios de um passado de prisão, de um presente
de liberdade fantasiosa e desmedida, e da esperança de um futuro de igualdade,
ficamos nós, mulheres, perdidas entre o que dizem nossos pais e entre o que vemos
na TV, entre as nossas sensações físicas e emocionais e o que nos dizem que é
imoral e impróprio, entre a nossa condição humana e as nossas referencias
extremas e depreciativas. A questão torna-se ainda mais degradante, quando os
dois ideais expressivos de mulher querida e desejada pelos homens são o da
submissa, caricata e machista Amélia (aquela que dizem, era mulher de verdade)
ou da também (não enganem-se com as aparências), submissa, caricata e machista Sex
symbol (aquela que dizem, é a mulher de verdade).
Com
isso, ainda que desejosas de que sermos nós e inteiramente, seja o melhor que
podemos fazer por nós mesmas, somos afetadas e influenciadas pela sociedade,
pela mídia e pelas ideias cristãs, o que torna mais difícil exercermos o papel
de seres sociais participativos, conscientes dos nossos alcances emocionais e
livres de qualquer expectativa de uma virgem Maria, a nos simular assexuadas e a
nos indispor a uma santidade que não nos cabe enquanto humanas.
E
mesclando as minhas palavras com as da cantora e compositora Rita Lee, na
música Pagu, que revelo que sou feminista sim, por tudo o que já foi
conquistado, por tudo o que é considerado equivocadamente conquista, por tudo o que
ainda necessitamos conquistar, e principalmente “porque nem toda feiticeira é
corcunda”, porque “nem toda brasileira é bunda”, porque “o meu peito não é de
silicone”, e porque embora heterossexual, feminina, frágil e sensível, ainda
consigo ser “mais macho que muito homem”. Tiara Sousa