domingo, 28 de setembro de 2014

TENTE NÃO ME AMAR

Não importa o quanto o eu me esforce, a alça dos meus vestidos e blusas sempre acaba caindo, e você não era suficientemente ciumento para levantá-las, então eu ficava assim, meio sensual, meio jogada, e daí você me olhava com aqueles olhos curiosos de quem pensava, vou desvendar esse corpo em breve.
Nunca falei detalhes de você pra ninguém, porque você era a linha mais exata dos meus dias mais estranhos, porque você sabia saber o que eu queria saber e não podia, e daí me mostrava tudo, e eu gostei de você. Era como ter uma cereja no bolo, ou um chantili no chocolate, doce, enjoativo e bonito, e eu odiava tanto isso, que acabei gostando.
Sempre que me olhava dizia: - Por que você não me encara? Ah se você soubesse, eu te encarava tanto quando os seus olhos estavam noutros olhos e o seu desejo concentrado em outras mulheres, mais gostosas, extrovertidas e autossuficientes que eu.
Daí finalmente passou aqueles primeiros encontros, não me leve a mal, eu amo o primeiro beijo e a primeira transa e a primeira conversa sincera, mais tudo isso me dá uma agonia doida, então quando chegamos a sua casa, pensei, vou terminar logo com isso, quero saber como ele me pega, como ele me vira, como ele me deixa, como ele me faz sentir.
Louca eu! Depois dessa noite constatei, era só isso, nada demais, você era mediano, tolo e convencido, pela sua cama, não sei, mas pela minha já tinham passado homens melhores, mais sábios e mais generosos, mais loucos e mais impulsivos, você era só bom, e eu nem gosto de admitir, mas esse bom era um bom cansativo.
Passou um tempo e parecia que era só brincadeira, você me queria pela metade, eu já era metade desde o primeiro cara, então, nenhum esforço. Mas de repente o que era só bom se tornou o meu dia, a minha noite, todos os meus pensamentos, droga, odeio e adoro quando isso acontece.
Então eu usei todo o meu charme, isso incluía o meu sorriso tímido, as minhas vesgas viradas de olhos, o meu cabelo ressecado, o meu corpo bonitinho e imperfeito. E contrariando todas as expectativas, você caiu, começou a me tratar melhor, me comprou bombons, me levou ao cinema, me pagou um jantar, transou comigo abandonando o “só bom” e aderindo o “extremamente ótimo”, daí disse, deitado em cima de mim, com aqueles olhos lindos: - Fazia tempo que eu tava procurando uma mulher assim, como você. E eu perguntei: - Assim como? E você respondeu: - Assim tonta, assim linda, assim triste, assim alegre, assim pura, assim sábia. Droga, você me leu inteira, e eu achei que tava disfarçando bem quem eu era, mas que nada, você me viu, e gostou, e eu me assustei.
Então no dia seguinte meu celular descarregou, e eu o deixei ali, desligado, e avisei em casa que eu não tava pra ninguém, e me escondi de mim. Daí dias depois eu fui beijar outra boca pra esquecer o gosto da tua. Desculpa pelo sumiço, pela fuga, por ter ferrado com tudo, espero que tenha compreendido... É um latifúndio meu coração, sempre a espera do fim. Perdoa se as estrelas da noite furtaram o meu brilho e a imagem meiga e sincera que você tinha de mim, mas é que é tão estranho alguém gostar da gente do jeito que a gente é, todos os caras de antes tentaram me mudar, você não, você me quis assim, assim tonta, assim linda, assim triste, assim alegre, assim pura, assim sábia. E eu quis te querer do mesmo jeito, mas acho que ainda não tô preparada, ainda preciso esquecer que todos os caras de antes tentaram me mudar, ainda preciso esquecer que todos os caras de antes me partiram o coração, ainda preciso lembrar que ser eu não é tão mau assim. Mas valeu te conhecer, foi melhor que bolo com cereja em cima e chocolate com chantili. Foi como sorvete de flocos com brigadeiro, meu favorito. Cê lembra né? Tiara Sousa

domingo, 21 de setembro de 2014

MOÇAS

Direitos da imagem: Blog Maaxpaiin
Certas palavras nos matam. Certos olhares nos partem ao meio. Certos desejos nos constrangem. Somos assim... Moças, em essência.
Aprendemos a fingir, fingir que estamos bem pra não incomodar, fingir alegria pra não entorpecer os ambientes, fingir orgasmos pra não insultar egos. Aprendemos a fingir pra parecer menos humanas pra humanidade, sempre tão desumana em seus julgamentos. E enquanto a lua desfila pelo céu, entregamos nossos corações.
Brigamos por nada, mas é que nada também sabe doer, nada é coisa demais. Nos habituamos a ser conduzidas, nos realizamos com olhares puros que não nos foram concedidos. A nossa cor é rosa, porque é assim que vemos o mundo. Cheio de borboletas e luzes e corações e flores... E duendes e fadas.
Sofremos, porque carregamos a força de todas as rochas e a fragilidade de todos os vasos de flores. Somos assim... Moças, em essência.
Choramos nos filmes românticos, caminhamos pelos poemas de Camões, nos inflamamos nos romances de Nicholas Sparks, nos envolvemos nas canções de Chico. Não temos meio termo, entramos inteiras nas histórias, nos despedaçamos nas desilusões.
Sabemos ser doces, e ter pele. Sabemos usar nossas curvas, e ter sonhos. Conhecemos o idealismo e tememos a realidade. Sabemos ter pureza fazendo amor e ter sede simulando infinitos.
Entendemos da dor, a dor é como um retrato em preto e branco, eternizado por um sorriso ou uma pose forçados, insuperável imagem, e depois dela a constatação triste e cínica de que nunca mais aquela pose, aquele sorriso forçado, aqueles traços e linhas e luzes. Somos assim... Moças, em essência.
Superamos os fins dos pra sempre. Superamos o adeus e o até logo. Mas guardamos as cicatrizes, relembramos as histórias, nos tornamos maiores depois das lágrimas. Porque enquanto choramos e sangramos decepções, arcamos com as fomes do mundo. Arcamos com o mundo. Arcamos com a fantasia.
Devolvemos em cuidados e recatos e graça toda a dor que recebemos. Porque somos sensíveis como as rebeldes cores de Frida Kahlo, e sentimos tanto, que conseguimos abrir os olhos e ver o mundo de um jeito que nem se vê mais, como um dia já viram as mulheres de Atenas.
Desacatamos o recato com bons modos, nos conformamos com menos do que sonhamos, sempre menos, nos perdemos em libidos sentidas no corpo e na alma. Mais na alma. Exageramos sempre ao amanhecer, reclusas a sorrisos que nunca são completos. Somos assim... Moças, em essência.
Rosas de aço, bonecas de vidro, paisagens vivas, tão vivas. E no fundo, por dentro do aço, além do encanto e do mistério, dos papos reveladores e feministas, das danças e da leveza, dos sussurros, insanidades, atos impensados, punições e gemidos, ainda somos, ainda sempre seremos aquelas meninas, aquelas belas e tolas e tontas meninas dos olhos dos nossos pais.
Mas nunca esqueçam rapazes, que mesmo quando já conhecemos o sofrimento, quando já estamos intimas da dor, quando já aceitamos a realidade, quando já fomos feridas em graus incomparáveis, quando já aprendemos a contestar os olhares julgadores. Mesmo assim, ainda somos moças, as quais certas palavras matam, certos olhares partem ao meio, certos desejos constrangem. E seremos assim, aos 8 ou aos 80... Moças. Em essência. Tiara Sousa.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O QUE AINDA NÃO FALEI...

Não falei que tive catapora quando criança, que não importa quantos defeitos tenham, os meus amigos ainda são escolhidos a dedo, e portanto as melhores pessoas que já conheci. Não falei que o meu primeiro beijo foi horrível e que nunca recebi uma carta de amor, mas já recebi alguns e-mails românticos, nunca tive a coragem de imprimi-los, nunca tive o desprendimento de apaga-los, e por vezes ainda os releio, não pelo que dizem, nem pelas histórias que passaram (sim, aprendi que tudo passa), os releio apenas pra lembrar de quem eu era quando eles me foram enviados.
Não falei da minha vizinha que casou há alguns anos, eu a vi em sua porta vestida de noiva com a felicidade estampada nos olhos, hoje ela anda de mãos dadas com as suas crianças e nunca mais a vi sorrir, não é assim a história que contam nos contos de fadas, e eu odeio admitir que sempre tive medo de ser como ela, o que por vezes é um sentimento contraditório, pois ser como eu ás vezes não me basta.
Não falei do senhor que vendia bombons na frente do prédio que a minha mãe trabalhava quando eu era criança, que ele ficava ali naquele sol torrencial, já idoso, e que eu sonhava um dia poder mudar a vida dele, que eu sonhava poder mudar muitas das coisas que via, tenho saudade daquela menina que sonhava sonhos assim, mas dela ainda tenho o bastante, mesmo o bastante sendo tão pouco quando a realidade está em toda a parte.
Não falei que na casa da minha avó todos gostam de conversar na cozinha, e que não importa aonde eu vá, ou por onde já passei, que lugares bonitos já conheci, ou ainda irei conhecer, é pra aquela cozinha que volto, sempre volto, sempre quero voltar, é ali que eu encontro a melhor parte de mim.
Não falei dos romances que li e que me devastaram só por serem romances, nem dos contos de Drummond que já tentei fugir. Acho que quando o tempo passa eu passo com o tempo e ninguém tem nada a ver com isso, infelizmente.
Não falei das flores que murcharam, dos amores que não amei, nem de nenhum dos meus caprichos. Não falei que já me apaixonei algumas vezes e já passei por todas aquelas fases pós romances traumáticos, o encantamento, a insanidade, a loucura, o ódio, a mágoa, a tristeza, o estranhamento, o nada, o desejo de que fosse feliz e de que eu fosse feliz.
Não falei que enquanto estranhos se cumprimentam pelas ruas, e meninos de onze anos consomem crack de madrugada nos bairro do subúrbio, e a ganancia está estampada nas manchetes de jornais, e os playboys e as patricinhas estão enchendo a cara nos barzinhos de ar condicionado forte, eu fico aqui, preocupada com a droga da minha dor de cólica, consumida pela minha TPM, pensando em como ser eu mais tarde, ou amanhã pela manhã.
Não falei que nunca disse “Eu te amo” a nenhum dos meus antigos e recentes, e efêmeros, e longevos, e simples e complicados romances, e que esperei a vida inteira pra falar isso a um homem que me olhasse com o mesmo olhar com que o meu avô olhava para a minha avó. Um olhar de encantamento e ternura, e desejo e alegria. Um olhar puro, como hoje em dia se vê pouco por aí. Tiara Sousa

domingo, 7 de setembro de 2014

BLUES DA ILUSÂO

Cresci entre marxistas, poetas, jornalistas, escritores, artistas, apreciadores da boa música e da boa literatura, e a minha família materna, gente comum, que escuta as rádios populares, assiste ao programa do Silvio Santos e faz Churrasco nas datas comemorativas.
Enquanto todas as crianças, influenciadas pelos discursos capitalistas queriam ser, ou eram levadas a pensar que queriam ser médicos, advogados, economistas ou qualquer coisa com status e grana no final do mês, eu quis ser muitas coisas... Na Alfabetização queria ser cantora de rock, depois quis ser hippie, depois Antropóloga (e na época eu nem sabia o que significava isso, só achava a palavra muito bonita). Já na adolescência eu quis ser artista plástica, depois pensei em ser letrista, depois queria ser Chico Buarque (como era ingênua, ninguém pode ser Chico Buarque), depois minha mãe atrasou a mensalidade da minha escola por problemas financeiros e então pela primeira vez eu pensei como todo mundo, quis ser médica, ou advogada, ou economista, ou qualquer coisa com status e grana no final do mês, só pra não passar por essas tais dificuldades.
Até que um dia peguei meus inúmeros cadernos, agendas e diários de uma vida inteira, pensei no porque de eu escrever tanto, era porque escrevendo eu era tudo isso, tudo o que queria ser, até eu mesma. Então depois de tantos poemas e textos e matérias e colunas e até algumas peças, eu finalmente consegui ser tudo o que quis ser, agora só me sobrou o mundo real, virei cronista. Mas confesso que fora desses cadernos, documentos de Word, letras de canções e diálogos românticos me sinto uma estranha no ninho, ou melhor, uma estranha sem ninho, ser ou fazer parte desse mundo é muito difícil pra algumas pessoas, pessoas que como eu preferem os finais felizes, onde tudo sempre termina como nos sonhos, pois na realidade só as pessoas que realmente o conhecem e gostam de você esperam que você seja você, o resto do mundo só quer que você seja simpático, educado, atencioso e descomplicado.
Então outro dia, na festa de aniversário da simpática amiga da minha amiga, olhei em volta, aquela gente legal e desencanada, que curtia diversos estilos de música e dizia boa noite com uma naturalidade ímpar, e falava do cotidiano com uma superficialidade cativante, e eu ali, no meio daquilo tudo sem saber o que falar, ou como sentar, ou como cumprimentar, ou como existir. Pela primeira vez em muito tempo, quis ser simpática, descomplicada e igual. Daí perguntei as minhas amigas como ser assim, e elas me ensinaram um sorriso estranho e amarelo e bobo e brilhante e tosco e programado, disseram que sempre dá certo, que todo mundo acredita mesmo quando olha aquele sorriso que a gente tá bem, achando tudo lindo e que pensa igual aos outros. Foram doze tentativas até eu conseguir dar um sorriso parecido, o problema é que junto com o sorriso veio também um tique nervoso, como um tremor na face, de quem tenta se encaixar, mas psicologicamente é lembrado o quão difícil é.
Agora, só pra variar eu virei a piada do mês entre os meus amigos com essa tal cara simpática, eu podia desanimar, fazer como sempre fiz e voltar correndo pro mundo da ilusão, onde eu sou a moça simpática, que curte blues e cita Nietzsche e ama os gatinhos desamparados, ao invés de ser a moça insociável, que curte reggae e cita Didi Mocó e sempre acaba se apaixonando pelos gatões desamparados, eu devia me convencer que essa tal realidade não é coisa pra quem carrega a poesia dos românticos e a esperança do povão dentro do mesmo peito. Mas não, não desanimo, por que no meio de todas as coisas que eu pensei em fazer e em ser, e que escrevendo transformei em fantasia, nenhuma é mais bonita do que a realidade de ver as pessoas que gosto e que gostam de mim sorrindo verdadeiramente da minha artificial cara de simpática. Eu dou o tal sorriso falso acompanhado do tique nervoso, eles sorriem e se divertem de verdade, e vendo o sorriso deles eu sorrio novamente, mas dessa vez um genuíno sorriso.
Acho que finalmente entendi porque a minha família materna, que escuta as rádios populares, assiste ao programa do Silvio Santos e faz Churrasco nas datas comemorativas sempre pareceu ser mais feliz do que os marxistas, poetas, jornalistas, escritores, artistas, apreciadores da boa música e da boa literatura; é porque antes de qualquer coisa, eles aprenderam a selecionar os mais simples e singelos e alegres e puros momentos da realidade, que por vezes é tão massacrante e dispendiosa, mas que em outras tem umas coisas assim tão bonitas, como as coisas da ilusão. Tiara Sousa