domingo, 26 de janeiro de 2014

MEU POVO

Direitos da imagem: Portal da cultura
“Maranhão
Meu tesouro, meu torrão
Fiz esta toada
Pra ti Maranhão.
Terra do babaçu
Que a natureza cultiva
Esta palmeira nativa
É que me dá inspiração...”
(Boi do Maracanã)

Meu povo é preto, mesmo quando é branco, mesmo quando tem olhos azuis e cabelos loiros, meu povo é preto.
Meu povo chora e ri ao mesmo tempo, meu povo goza e anestesia a realidade, meu povo sonha desafiando as estatísticas, meu povo ocupa favelas e sepulta filhos, meu povo vê TV pra esquecer o que é furtado de viver.
Meu povo é alegre, mesmo quando é triste, mesmo com fome, e cansado, e humilhado, e só, mesmo com a barriga encostada na pia de lavar louças, mesmo carregando tijolos, mesmo assim. Meu povo come feijão e arroz todos os dias que tem comida, e todos os dias agradece a Deus pelo mesmo feijão, pelo mesmo arroz.
Meu povo assisti á novela, pega coletivo, compra filme pirata e fala alto, pra que os ouçam, se habituaram a falar bem alto, somente pra que os ouvissem. Meu povo acredita em quase tudo que passa no Jornal Nacional.
Meu povo vai á cultos e missas, faz novena e reza terços, paga promessa e chora baixinho por ter alcançado uma graça, que pra alguns não é nada. Meu povo come com colher, se embala em redes e cobre os espelhos com medo de trovões.
Meu povo é preto, em Universidades ou embaixo de pontes, de terno ou sem camisa. Meu povo é preto, como o passado tão presente, como o suor, como a noite. Meu povo é preto, mesmo quando nãe é povo, mesmo quando não é preto, mesmo sem documento, sem conhecimento, sem comida, sem justiça, sem segurança, sem direitos. Meu povo é preto, mesmo quando é negro, mesmo quando é índio, mesmo quando é branco, mesmo quando esquece que é preto, ainda assim meu povo continua povo, e continua preto, e continua meu. Tiara Sousa
Na voz de Alcione, aos que quiserem ouvir a música, eis o link: Maranhão meu tesouro, meu torrão

sábado, 18 de janeiro de 2014

COMO SE EU PENSASSE ALTO ou NUM BARZINHO

Era umas 22h40, eu estava num desses barzinhos charmosos, no lado “nobre” da cidade, numa mesa com cinco pessoas, seis a contar comigo, duas eu conhecia bem, são minhas amigas, as outras três (dois homens e uma mulher), eram conhecidos de uma delas. O garçom se aproximou, o pessoal tinha pedido mais uma cerveja, eu aproveitei pra pedir um suco de laranja, eu queria uma Coca-Cola, mas fui falar e acabou saindo a palavra suco, uma das minhas amigas perguntou se tinha drink sem álcool, o garçom disse que sim e falou um nome lá, ela acabou pedindo uma coca, não sei porque isso fez eu me sentir uma idiota.
Um dos caras na mesa, uns vinte e nove anos, Marcos é o nome dele, bonito e comum como todos os caras ali, começou a falar de música, disse que gostava de MPB, mas amava rock, e não sei porque ele passou ainda uns 10 minutos falando sobre isso, e eu não ouvia mais nada. Inclinei a cabeça para a esquerda e havia um casal numa mesa, achei que deviam estar juntos há pouco tempo, deviam ter menos de vinte anos, deviam estar apaixonados, imaginei que aquele chopp naquele barzinho era pra eles um jantar a luz de velas, pois o que faz um jantar a luz de velas ser romântico não são as velas, nem a comida, nem o lugar, é o sentimento. Eu já jantei a luz de velas, sem velas, sem jantar, sem lugar...
Do pouco que ouvi da conversa que acontecia na minha mesa, percebi que a mulher ao lado do Marcos, Marina, concordava com tudo o que ele dizia, concluí que ou ela gostava de tudo o que ele gostava, ou ela gostava dele e se gostava pouco. Ele então me olhou como se não tivesse percebido que eu não ouvi a maior parte das coisas que ele falou e perguntou: - E você o que acha? A Marina então também me olhou, só que com uma cara de despeito (e não sei porque isso me divertiu, talvez por vaidade, talvez porque eu não tenha ido com a cara dela), e eu respondi, olhando bem nos olhos dele, que não sabia, porque não prestava atenção na conversa, que eu sou assim mesmo, distraída, e ele sorriu. A Marina então me explicou tudo o que ele falou, do rock, da história, da música no Brasil, do que era, e disse o que achava, eu então disse que lembrei da minha vizinha, uma mulher por volta de seus sessenta anos, que dividi a casa com gatos, móveis e flores, que não recebe visitas dias de semana, nem dias de fim de semana, que escuta música espanhola, aprecia comida italiana, tem descendência francesa, e é claro, é brasileira, que pensava não sei porque que ela fosse mais infeliz do que o resto da humanidade, mas passando pela casa dela a tarde vi as flores que tem lá e me senti mais infeliz do que o resto da humanidade por pensar assim, e que era isso o que eu achava sobre todo aquele papo. O rapaz ao lado do Marcos, esse eu não lembro o nome, mas deve ter uns 25 anos, virou para as minhas amigas e perguntou: _Ela é sempre assim? (com um ar de desaprovação), como se eu não estivesse ali ou não fosse capaz de responder. Uma delas retrucou: Assim como? E ele disse: _Assim... subjetiva? (ainda com um ar de desaprovação), no que a minha outra amiga, que não tem papas na língua, respondeu: _ Como já é de costume, meu caro, ela só foi educada, pois o que quis dizer foi que “gosto é como cu, cada um tem o seu”. Nessa hora todos sorriram e eu também, pois foi exatamente o que quis dizer, e devo acrescentar, depois dessa o tal do rapaz ficou enlouquecido pela minha amiga.
O tempo passou e o garçom trouxe mais uma, duas, três cervejas, eu finalmente pedi uma coca. Na mesa já haviam tido conversas sobre Redes Sociais, estudo, e eles começavam a falar de sonhos, eu levantei para ir ao banheiro lembrando que tive um sonho muito bom, não sei dizer ao certo com o que sonhei, mas foi apenas um sonho e eu acordei como quem foge de si mesmo, a espera de um buque de flores que nunca brotaram. Ser um sonhador é tão difícil quanto ser um realista, e às vezes eu espero o dia inteiro por uma realidade que só participa dos meus sonhos...
Quando retornei a mesa, o tal Marcos, não sei como, estava sentado na cadeira bem ao lado da minha, onde antes estava a minha amiga, eu só compreendi o porque quando a vi sentada ao lado do tal cara de 25. O Marcos se aproximou ainda mais e disse sussurrando: _Meu amigo pediu para eu trocar de lugar, parece que ele gostou da sua amiga, eu achei ótimo, porque há um tempo queria perguntar se você é aquela tal do Blog. Eu respondi que sim, e ele disse que sempre lê e que gosta muito dos meus textos, eu sorri de lado, olhei para os outros que conversam animados sobre política, olhei pra tal da Marina que fingia participar da conversa enquanto nos observava e sem nenhum sentido lembrei da pizza que comi na quinta passada e que me fez mal, mas o mal que ela me fez não chegou nem perto do prazer que senti em comê-la, então respondi: _Que bom que gosta! Obrigada. Ele então sorriu e disse que eu deveria me soltar mais, e me ofereceu uma bebida, eu falei que não bebia e lembrei de um ex namorado meu que sempre abusava da vodca, mas não sei porque eu olhava seus olhos tristes e contraditoriamente vibrantes  e achava que era a vodca que abusava dele. O Marcos então interrompeu meus pensamentos e perguntou se eu sou tudo aquilo que os meus textos dizem, eu pensei em dizer que ele nem imagina, mas que toda primavera eu espero o outono, que todo verão eu espero o outono, que todo inverno eu espero o outono, mais o que mais me dói, é que todo outono eu espero o outono ,então numa tentativa de não parecer louca ou deixa-lo confuso acabei não dizendo nada disso e respondendo que não, que ás vezes eu só queria ir pra bem longe, onde ninguém soubesse nada sobre mim, e sei lá, passar umas duas semanas fazendo de conta que era eu, e ele então disse que já fez muito isso mais jovem, hoje menos, que já deixou a mãe muito louca de preocupação e que até hoje ela ainda se preocupa como antes, e então perguntou: É assim com a sua mãe? E eu respondi (dessa vez sem me preocupar se pareceria louca e o deixaria confuso): _Minha mãe sempre diz que enlouqueceria se eu morresse, será que ela faz ideia de quantas vezes eu já morri. Depois dessa minha pérola depressiva, ele passou uns dois minutos calado, então mudou de assunto e conversamos mais uns momentos entre nós, depois voltamos a participar da conversa de todos, que elogiavam o bar, normalmente eu falaria algo engraçado nesse momento, mas não tava no clima.
Já era quase 1 hora e eu tava bem afim de ir embora, tava cansada daquela conversa toda, daquela alegria toda, daquela gente toda, de mim ali no meio. Eu e minhas amigas nos despedimos dos demais, uma delas trocou número de celular com o tal rapaz de 25 e ele deu um selinho nela, achei aquilo tão bonitinho. O Marcos, mesmo visivelmente intimidado por mim (não sei porque, sou tão comum quanto todos ali), se inspirou e se encorajou e então disse que gostaria de me ver novamente e pediu o número do meu celular, eu então disse que não uso celular e quando pretendia pedir o número dele, fui interrompida por ele dizendo que eu não precisava mentir, que bastava dizer que não queria dar meu número a ele. Eu nem estava mentindo, mas acabei por não justificar e disse thial.
Ao caminhar até a saída, lembrei da minha mãe falando que meu avô sempre dizia que a vida é boa, eu gostaria mesmo de ter conhecido o meu avô, talvez ele conseguisse me explicar porque na maioria das vezes eu me sinto tão sozinha em lugares cheios e animados. Um dia eu mando todo mundo pra longe e chego perto de mim, passo um tempo me fazendo companhia... Tiara Sousa

sábado, 11 de janeiro de 2014

LONELY GUY

Direitos da imagem: postsabeiramar.blogspot.com
Eu sou um cara solitário baby, meus risos são fingidos, meus olhares são todos iguais. Eu sou um cara solitário, trepando ou fazendo amor, eu sou só um cara solitário.
Eu penso demais, muitas vezes cuspo no prato que como, sou solicito e educado, mas não se engane, eu sou só isso e nada disso e tudo isso. Eu sou apenas um cara solitário, em meio a quatro paredes e o topo do mundo que me dizem tudo, mas não significa porra nenhuma.
Eu não posso te oferecer o paraíso, nunca cheguei nem perto dele, e eu me cubro de falsas regalias pra fingir que estou bem, eu quase demonstro carinho, mas aí eu me olho no espelho e ele me lembra que eu sou um cara solitário, de imaginação extensa e desejos vorazes ou oprimidos, chame como quiser baby.
Você pensa que pode me mudar e eu quase acredito, eu diminuo na sua presença e eu quase a amo por isso, você chama atenção e eu quase a odeio por isso, mas eu sou só isso e nada disso e tudo isso, e a solidão se acostumou comigo e eu meio que quero fugir de você, sem nunca sair de você, e a consciência de que isso não é possível me atormenta.
Você sobe em mim e pensa que é minha, mas eu não acredito, a merda da minha cabeça é criativa demais pra acreditar em qualquer coisa, mesmo na verdade. Eu gozo em você e você pensa que sou seu baby, e eu quase acredito, mas então eu a beijo e tão logo nossos lábios separam me sinto sozinho, e nem todo o amor do mundo me convence do contrário.
Eu quero mesmo você, acredite, eu quero ser o que espera que eu seja, seja lá o que você espera que eu seja, mas não posso, já tentei outras vezes e nunca consegui. Eu sou um cara solitário baby, tenho gostos refinados mas vivo no fundo do poço de mim, e não acredito na sorte desde a primeira vez que cai do que achava que era o céu.
Então me abandone, faça como as mulheres do passado e caia fora da droga da minha tristeza. Não tente me entender, eu já tentei e falhei. Mas se resolver ficar, fique pra sempre, que o seu sorriso é a minha página preferida do meu livro preferido, que o seu corpo é a minha cena favorita do meu filme favorito, que tê-la conhecido baby, é o mais perto que cheguei de me sentir acompanhado.
E lembre-se, eu avisei, meus risos são fingidos, meus olhares são todos iguais, eu sou um cara solitário baby, trepando ou fazendo amor, eu sou só um cara solitário.

Ela (baby) escuta a tudo o que ele diz atentamente e responde: - É Lonely Guy, então parece que vamos ser solitários juntos. E então como de costume, sobe nele pensando que é dele. Tiara Sousa

sábado, 4 de janeiro de 2014

FELIZ ANO NOVO! Eu lhes desejo... Alegria! Alegria!

Quando a cidade termina há algumas casas numa estrada de terra. Por algum motivo que finjo desconhecer, tudo muda, da minha capacidade de sentir até as tecnologias dos aparelhos eletrônicos, mudam as estações, o ano, o mês, o dia, mudam as redes sociais da moda, a capacidade dos celulares, surgem novos conceitos, reescrevem velhos romances, mas aquelas casinhas, naquela estrada de terra continuam feitas de barro e areia e taipa, com alguns metros quadrados de largura e comprimento, e eu nunca soube quem mora ali.
Tem alguma coisa diferente, desde que o ópio deixou de ser um hábito social as pessoas passaram a busca-lo nos espaços vazios dos seus corações, e o mais triste, o mais triste de tudo o que é triste é que encontraram.
Vou até a pia do banheiro, ligo a torneira, molho as mãos, mas é o rosto que lavo, miro o espelho, lavo o rosto novamente, miro o espelho uma vez mais, e outra, e outra, e outra... Mas nada mudou, os meus olhos ainda são os mais tristes que vi nas últimas horas.
A tristeza é uma filha da puta, não é a puta, a puta não é mais nada desde que se deitou pela primeira vez com alguém por dinheiro. A filha da puta é que é julgada e condenada antes mesmo de sair do útero, e se a tristeza tivesse uma forma humana, certamente seria a dela.
Caminho pela rua, gostaria de saber para onde estou indo, mas já não sou a mesma de ontem e sou aquela do ano passado, que foi ontem. E ser aquela é sempre mais doloroso do que ser essa, porque aquela é o que fui pela primeira vez e que não serei pela última.
A tristeza é uma ordinária, que intimida qualquer esperança e cria qualquer fé, que simula crenças até que elas pareçam reais em cada aspecto da sua irrealidade, não quer companhia, quer súditos, é rainha em sua crueldade e diverte-se com a desgraça alheia, não tem moral nem bons costumes, furta sorrisos e assombra sonhos.
O tempo é como um ressaca de whisky baleado, sei disso, porque há tempos que não espero sentir dores, aprendi a tomar analgésicos e a fugir antes mesmo de senti-las, e tantas vezes não é suficiente. Os anos nos ensinam a temer desde gentilezas até a maneira familiar com que os móveis estão dispostos em casa, eu sempre acabo mudando todos de lugar, só os meus sapatos velhos é que permanecem embaixo da minha cama, a espera dos meus pés, e de mais caminhos.
A tristeza é o fim da música, é o fim da rua, é fim da fase, é fim da frase, é o falso começo. É a conspiração, é a vaidade, é a impressão de que se é superior, é a dobradiça da porta que dá para o quintal mas não para a rua, é o soluço guardado, é o fardo, é um fardo, é a constatação, a fuga do crime nunca cometido, mas temido, é nunca caber-se em si de tanta dor.
Feliz Ano Novo! Que os seus sonhos se realizem, que as suas paixões sejam correspondidas, que as suas contas estejam cheias, suas mesas fartas e suas saúdes ótimas. E que vocês possam ir aos domingos na igreja para agradecer por suas felicidades e pedirem por si e pelos seus, e que cada vez que chegarem em casa continuem erroneamente sentindo-se superiores aos homens boêmios nos botequins.
Feliz Ano Novo! Que o Brasil ganhe a Copa e ganhe as guerras, é tudo por isso mesmo não é? Uma questão de território. Que vocês tenham sempre tempo de se acharem muito cultos e inteligentes e conhecedores, enquanto são ignorantes o suficiente para supor que os textos políticos, filosóficos e sociais que leem os tornam mais sábios que a lavadora num povoado do Piauí.
Feliz Ano Novo! Que vocês continuem a comer bem e a votar em interesse próprio, que continuem a se importar demais consigo mesmos e a nunca admitirem um erro ou um equivoco, que não ouçam, e façam tipo pra parecerem melhores do que são, sem nunca dar-se conta que fazer tipo é coisa pra quem se gosta pouco. Que mintam e traiam e iludam e comovam com a mesma singeleza com que beijam a testa de alguém. Que se cubram de joias, e roupas caras, e regalias pra esconderem a humanidade que supõem os fazerem fraquejar, que permaneçam submetendo as pessoas as suas crueldades travestidas de sinceridades.
Feliz Ano Novo! Que as suas capacidades de fazerem sexo sem nenhuma estima permaneçam intactas, e que vocês nunca percebam que essa falta de estima os atingem também. Que seus olhos continuem a contemplar as mais belas paisagens e as suas cegueiras continuem imperceptíveis para os que lhe rodeiam como é para os que passam por vocês.
A tristeza é pior do que estar a sete palmos da terra, é nunca estar onde se está, e não somente, mas também por isso, diferente dos meus olhos, eu nem estou triste hoje, que hoje é o dia 1º de Janeiro, e a minha obrigação é achar tudo lindo, enquanto na rua atrás da minha um garoto é torturado pelo pai, e a mãe é tão mais filha da puta do que própria tristeza que sente, que deita-se todas as noites ao lado desse homem, o chama “bem”, e abre as pernas para ele sempre que ele quer.

Portanto... Feliz Ano Novo! Peço perdão pela lucidez melancólica de considerar cada diversão dessas datas festivas de fim de ano, solitárias como a esperança que carregam. Espero que vocês nunca se deem conta que quando a cidade termina há algumas casas numa estrada de terra, e que enquanto tudo muda elas continuam feitas de barro e areia e taipa, e que mesmo que vocês as percebam um dia, continuem sem saber quem mora ali. É essa a minha maneira de dizer que lhes desejo Alegria! Alegria! Tiara Sousa