Era
umas 22h40, eu estava num desses barzinhos charmosos, no lado “nobre” da
cidade, numa mesa com cinco pessoas, seis a contar comigo, duas eu conhecia
bem, são minhas amigas, as outras três (dois homens e uma mulher), eram
conhecidos de uma delas. O garçom se aproximou, o pessoal tinha pedido mais uma
cerveja, eu aproveitei pra pedir um suco de laranja, eu queria uma Coca-Cola,
mas fui falar e acabou saindo a palavra suco, uma das minhas amigas perguntou
se tinha drink sem álcool, o garçom disse que sim e falou um nome lá, ela
acabou pedindo uma coca, não sei porque isso fez eu me sentir uma idiota.
Um
dos caras na mesa, uns vinte e nove anos, Marcos é o nome dele, bonito e comum
como todos os caras ali, começou a falar de música, disse que gostava de MPB,
mas amava rock, e não sei porque ele passou ainda uns 10 minutos falando sobre
isso, e eu não ouvia mais nada. Inclinei a cabeça para a esquerda e havia um
casal numa mesa, achei que deviam estar juntos há pouco tempo, deviam ter menos
de vinte anos, deviam estar apaixonados, imaginei que aquele chopp naquele
barzinho era pra eles um jantar a luz de velas, pois o que faz um jantar a luz
de velas ser romântico não são as velas, nem a comida, nem o lugar, é o
sentimento. Eu já jantei a luz de velas, sem velas, sem jantar, sem lugar...
Do
pouco que ouvi da conversa que acontecia na minha mesa, percebi que a mulher ao
lado do Marcos, Marina, concordava com tudo o que ele dizia, concluí que ou ela
gostava de tudo o que ele gostava, ou ela gostava dele e se gostava pouco. Ele
então me olhou como se não tivesse percebido que eu não ouvi a maior parte das
coisas que ele falou e perguntou: - E você o que acha? A Marina então também me
olhou, só que com uma cara de despeito (e não sei porque isso me divertiu,
talvez por vaidade, talvez porque eu não tenha ido com a cara dela), e eu
respondi, olhando bem nos olhos dele, que não sabia, porque não prestava
atenção na conversa, que eu sou assim mesmo, distraída, e ele sorriu. A Marina
então me explicou tudo o que ele falou, do rock, da história, da música no Brasil,
do que era, e disse o que achava, eu então disse que lembrei da minha vizinha,
uma mulher por volta de seus sessenta anos, que dividi a casa com gatos, móveis
e flores, que não recebe visitas dias de semana, nem dias de fim de semana, que
escuta música espanhola, aprecia comida italiana, tem descendência francesa, e
é claro, é brasileira, que pensava não sei porque que ela fosse mais infeliz do
que o resto da humanidade, mas passando pela casa dela a tarde vi as flores que
tem lá e me senti mais infeliz do que o resto da humanidade por pensar assim, e
que era isso o que eu achava sobre todo aquele papo. O rapaz ao lado do Marcos,
esse eu não lembro o nome, mas deve ter uns 25 anos, virou para as minhas
amigas e perguntou: _Ela é sempre assim? (com um ar de desaprovação), como se
eu não estivesse ali ou não fosse capaz de responder. Uma delas retrucou: Assim
como? E ele disse: _Assim... subjetiva? (ainda com um ar de desaprovação), no
que a minha outra amiga, que não tem papas na língua, respondeu: _ Como já é de
costume, meu caro, ela só foi educada, pois o que quis dizer foi que “gosto é
como cu, cada um tem o seu”. Nessa hora todos sorriram e eu também, pois foi
exatamente o que quis dizer, e devo acrescentar, depois dessa o tal do rapaz
ficou enlouquecido pela minha amiga.
O
tempo passou e o garçom trouxe mais uma, duas, três cervejas, eu finalmente
pedi uma coca. Na mesa já haviam tido conversas sobre Redes Sociais, estudo, e
eles começavam a falar de sonhos, eu levantei para ir ao banheiro lembrando que
tive um sonho muito bom, não sei dizer ao certo com o que sonhei, mas foi apenas
um sonho e eu acordei como quem foge de si mesmo, a espera de um buque de
flores que nunca brotaram. Ser um sonhador é tão difícil quanto ser um
realista, e às vezes eu espero o dia inteiro por uma realidade que só participa
dos meus sonhos...
Quando
retornei a mesa, o tal Marcos, não sei como, estava sentado na cadeira bem ao
lado da minha, onde antes estava a minha amiga, eu só compreendi o porque
quando a vi sentada ao lado do tal cara de 25. O Marcos se aproximou ainda mais
e disse sussurrando: _Meu amigo pediu para eu trocar de lugar, parece que ele
gostou da sua amiga, eu achei ótimo, porque há um tempo queria perguntar se
você é aquela tal do Blog. Eu respondi que sim, e ele disse que sempre lê e que
gosta muito dos meus textos, eu sorri de lado, olhei para os outros que conversam
animados sobre política, olhei pra tal da Marina que fingia participar da
conversa enquanto nos observava e sem nenhum sentido lembrei da pizza que comi
na quinta passada e que me fez mal, mas o mal que ela me fez não chegou nem
perto do prazer que senti em comê-la, então respondi: _Que bom que gosta! Obrigada.
Ele então sorriu e disse que eu deveria me soltar mais, e me ofereceu uma
bebida, eu falei que não bebia e lembrei de um ex namorado meu que sempre
abusava da vodca, mas não sei porque eu olhava seus olhos tristes e
contraditoriamente vibrantes e achava que
era a vodca que abusava dele. O Marcos então interrompeu meus pensamentos e perguntou
se eu sou tudo aquilo que os meus textos dizem, eu pensei em dizer que ele nem
imagina, mas que toda primavera eu espero o outono, que todo verão eu espero o
outono, que todo inverno eu espero o outono, mais o que mais me dói, é que todo
outono eu espero o outono ,então numa tentativa de não parecer louca ou
deixa-lo confuso acabei não dizendo nada disso e respondendo que não, que ás
vezes eu só queria ir pra bem longe, onde ninguém soubesse nada sobre mim, e
sei lá, passar umas duas semanas fazendo de conta que era eu, e ele então disse
que já fez muito isso mais jovem, hoje menos, que já deixou a mãe muito louca
de preocupação e que até hoje ela ainda se preocupa como antes, e então
perguntou: É assim com a sua mãe? E eu respondi (dessa vez sem me preocupar se
pareceria louca e o deixaria confuso): _Minha mãe sempre diz que enlouqueceria
se eu morresse, será que ela faz ideia de quantas vezes eu já morri. Depois
dessa minha pérola depressiva, ele passou uns dois minutos calado, então mudou
de assunto e conversamos mais uns momentos entre nós, depois voltamos a
participar da conversa de todos, que elogiavam o bar, normalmente eu falaria
algo engraçado nesse momento, mas não tava no clima.
Já
era quase 1 hora e eu tava bem afim de ir embora, tava cansada daquela conversa
toda, daquela alegria toda, daquela gente toda, de mim ali no meio. Eu e minhas
amigas nos despedimos dos demais, uma delas trocou número de celular com o tal
rapaz de 25 e ele deu um selinho nela, achei aquilo tão bonitinho. O Marcos, mesmo
visivelmente intimidado por mim (não sei porque, sou tão comum quanto todos
ali), se inspirou e se encorajou e então disse que gostaria de me ver novamente
e pediu o número do meu celular, eu então disse que não uso celular e quando
pretendia pedir o número dele, fui interrompida por ele dizendo que eu não
precisava mentir, que bastava dizer que não queria dar meu número a ele. Eu nem
estava mentindo, mas acabei por não justificar e disse thial.
Ao caminhar até a
saída, lembrei da minha mãe falando que meu avô sempre dizia que a vida é boa,
eu gostaria mesmo de ter conhecido o meu avô, talvez ele conseguisse me
explicar porque na maioria das vezes eu me sinto tão sozinha em lugares cheios
e animados. Um dia eu mando todo mundo pra longe e chego perto de mim, passo um
tempo me fazendo companhia... Tiara Sousa