quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

A técnica do artista

Sem dó nem piedade o artista chega, assim de mansinho, miudinho demais pra falar coisa qualquer.
Ele sabe direitinho como fazer o que nasceu pra fazer, mas tem ritmo demais pra entender a imensidão modesta e tocante da sua arte.
Ele não é pontual, diz que a pontualidade não é o forte do artista, diz que o artista gosta mesmo é do descompromisso, da boemia, da natureza, da poesia.
E o artista começa a executar a sua arte impura, ele enxerga além do público, ele enxerga as emoções, ele sente as energias, ele desfruta os gestos, ele sabe o que dói, e o que dói é a sua arte.
O artista não tem nada além de manias, mania de amar, mania de beber, mania de chorar, mania de sofrer, mania de viver, ele é mesmo cheio de manias.
O artista sabe muito pra citar Nitschie, ama muito pra ler Shakeaspeare, sofre muito pra recitar Camões, ele somente encanta, que encantar é mesmo humano e transcendental e às vezes até um tanto providencial.
Como todos os que têm paz, ele odeia violência, abuso, moralismo, preconceito, odeia a ponto de fantasiar um mundo onde nem ele mesmo com a sua inocência quase que infantil se encaixaria.
Mas o artista não é bobo, até costuma dizer que tem que conhecer a dor, pra conhecer o amor, é corajoso também, sabe o perigo de representar seus pensamentos tão escrachadamende e se resguarda, guarda algumas mágoas, outros tantos desabafos e põe em sua arte, e alcança os vazios da gente, e isto é o que podemos chamar de técnica do artista.
Tiara Sousa

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A saga dos sentimentos

Existe a saga dos sentimentos perdidos, o único tesouro que poucos querem encontrar, por puro domínio da incerteza ou pela vivacidade que a maioria dos homens só possuíram até a adolescência, ritmo infeliz, este, que embora muitos tenham ouvido falar, poucos, bem poucos resistiram. Não é real quando lemos um conto de fadas, mas é real quando assistimos a um reallity show, se tentarmos ser menos críticos e analisar com a vivacidade perdida, veremos que tanto no conto de fadas quanto no reallity show ocorrem histórias de amor onde acontecem muitos sofrimentos, tudo bem, no conto de fadas o final é sempre feliz e de beleza sem igual, mas é aí, exatamente aí, que encontramos a resposta para o que Camões não conseguiu explicar e o que Shakeaspeare mesmo sem querer confundiu com o trágico, sim o fulgás, a raiva, o medo, o inverso, o feliz, o triste, o fantasioso, este mesmo, o amor, dizem que por ele o incorruptível se corrompe e o perdido se encontra.
Como podemos nós, enquanto humanos, sendo seres frágeis interna e externamente, passar horas enfrente a uma televisão assistindo a reallity shows, novelas, filmes, esperando encontrar nos mesmos o que vivemos mal ou sequer vivemos, será isto a ignorância de que falam os ditos intelectuais ou será isto fragilidade e medo humanos, tão normal e dolorosa quanto uma cólica menstrual e será que a verdadeira ignorância é dos intelectualóides que passam a vida se segurando pra não chorar num final de novela que por acaso em casa acabaram por assistir. Se estas são indagações ou informações descobriremos no cotidiano, o fato é que o planeta Terra continua a fazer seus movimentos de translação e rotação, que os trágicos amores continuam acontecendo, que os seres humanos continuam com medo de reencontrar sentimentos que se perderam e a mídia continua a alcançar picos de audiência com as nossas decepções.


Tiara Sousa

sábado, 10 de novembro de 2007

Se eu sonhasse definir Chico Buarque de Holanda


“O primeiro me chegou como quem vem do florista...
O segundo me chegou como quem chega do bar...
O terceiro me chegou como quem chega do nada...”
(trechos de Teresinha de Chico Buarque)
Chico Buarque de Holanda não chegou. Mas fez chegar sua voz, sua poesia, suas canções, sua vivência, sua atitude, sua dor, seu amor, seus defeitos, sua simplicidade, sua genialidade.
“O que será, que será? Que vive nas idéias desses amantes; Que cantam os poetas mais delirantes; Que juram os profetas embriagados; Que está na romaria dos mutilados; Que está na fantasia dos infelizes; Que está no dia a dia das meretrizes; No plano dos bandidos dos desvalidos; Em todos os sentidos...”(trecho de O que será ? de Chico Buarque)
Idolatria(conceito): adoração dos ídolos, ação de prestar a certas entidades as honras próprias da divindade,amor, dedicação excessiva, adoração cega.
Talvez... Sim! Assumidamente meu ídolo.
Ainda que pudesse falar com ele, nada diria, ídolos não precisam ouvir, mas tem a direito de ser ouvidos.
Afinal como falar de saudade, a quem falou: “a saudade é o revés de um parto, a saudade é olhar o quarto de um filho que já morreu”; O que falarei de amor a quem amou a ponto: “Preciso não dormir até se consumar o tempo da gente, preciso conduzir um tempo de amar, te amando devagar e urgentemente” O que dizer da paixão a ele que já se apaixonou assim tanto: “Mangueira, estou aqui na plataforma da estação 1ª, o povo veio me chamar, de terno branco e chapéu de palha, vou apresentar a minha nova parceira, mandei subir o piano pra mangueira”; Como explicar meu povo a quem explicou tão brilhante e simplesmente: “É gente humilde com cadeiras na calçada e na fachada escrito em cima que é um lar, pela varanda, flores tristes e baldias, como a alegria que não tem onde encostar”.
Como me definir mulher a um homem que tão feminino e infinitamente expôs: Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim; Por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema, um botequim.
Como sentir a boemia a quem sentiu exatamente: “Chega a noite, mais um copo, eu alegre ma non troppo, sei que vai querer cantar, na caixinha um novo amigo vai bater um samba antigo pra você rememorar.”
Ao gênio das palavras, de uma decência indecente, eu não tenho nada a dizer.
Se eu sonhasse definir Chico Buarque de Holanda, definiria a poesia, no seu mais simples escândalo, no sentido mais abominável da dor, no mais estranho conceito do infinito.
Ele é humano, eu sei, mas vicia, compromete e não se explica, pelo simples motivo de explicar a tudo e todos tão popularmente.
Gênio! Gênio! Gênio!
Que as crianças do Mundo tenham a oportunidade de crescer ouvindo ele cantar nossas vidas e encantar nossos desencantos.
“Cantei, canteiJamais cantei tão lindo assimE os homens lá pedindo bisBêbados e febrisA se rasgar por mim”
(trecho de Bastidores de Chico Buarque)

Tiara Sousa

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Adulta Essência

Aprendi com o meu filho que ser criança não é tão fácil quanto parece, o fato de não poder fazer nada sem permissão e ser repreendido por fazer, o fato de tudo o que acha mais saboroso, como refrigerante, bala, sorvete, chocolate, batata-frita ser regrados, por não ser saudáveis, o que nem é bem entendido em seu mundinho tão intenso, ou o porque de a bagunça ser tão divertida, se é proibida, mas também aprendi que o grande encantamento da infância mora no poder do esquecimento, criança não guarda mágoas e não ter mágoas é viver o hoje intensamente.
Mas o fato de a infância não ser tão fácil, não significa que não seja de fato fácil, ainda mais quando comparada com a fase seguinte: a temível e complicada adolescência, onde tudo é 8 ou 80, onde além de conviver diariamente com as mudanças corporais, convive-se com a descoberta dos desejos, onde tomar decisões é impossível e deixar que tomem-nas em seu lugar é fraquejar, onde uma paixão passa a significar a própria vida e não estar em tal estado, solidão contínua. Claro que com todos esses acontecimentos o convívio familiar quase sempre torna-se difícil, porque para o adolescente tudo é difícil, até que provem o contrário.
Mas é somente quando chegamos a fase mais esquecida de todas, a adulta, que aprendemos de fato sobre a vida, as teorias tornam-se prática e o dia-a-dia uma superação. Somente adultos descobrimos que é demasiadamente mais fácil ser filho do que pais, aprender do que ensinar, ser sustentado do que sustentar, ser repreendido do que repreender, ser consolado do que consolar, ser educado do que educar, se apaixonar do que cultivar uma relação, adulto não tem opções, se ele para o mundo para, de seu trabalho depende o comércio, a educação, a água, á energia, o transporte, os meios-de-comunicação, a limpeza, o saneamento, a agricultura, a construção, a alimentação, a política, e tantos outros. Quem já ouviu o ditado: As crianças e os adolescentes são o futuro. Ou este: Temos que cuidar de nossos idosos, eles são os responsáveis por estarmos aqui. São frases bonitas e verdadeiras, mas e o adulto? Porque não falam do adulto, este que é responsável pelo hoje, este que educa seus filhos para o amanhã, este que cuida de seus pais e avós cultivando o ontem e ainda assim não deixa a poesia, a pintura, a dança, o cinema, a música, e tantas outras artes morrer cultivando uma essência própria, uma Adulta Essência.

Tiara Sousa

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Como se educa sem violência

O Dr. Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi e fundador do MK Gandhi Institute, contou a seguinte história sobre a vida sem violência, na forma da habilidade de seus pais, em uma palestra proferida em junho de 2002 na Universidade de Porto Rico.“Eu tinha 16 anos e vivia com meus pais, na instituição que meu avô havia fundado, e que ficava a 18 milhas da cidade de Durban, na África do Sul. Vivíamos no interior, em meio aos canaviais, e não tínhamos vizinhos, por isso, minhas irmãs e eu, sempre ficávamos entusiasmados com a possibilidade de ir até a cidade, para visitar os amigos ou ir ao cinema”. Certo dia meu pai pediu-me que o levasse até a cidade, onde participaria de uma conferência durante o dia todo. Eu fiquei radiante com esta oportunidade. Como íamos até a cidade, minha mãe me deu uma lista de coisas que precisava do supermercado e, como passaríamos o dia todo, meu pai me pediu que tratasse de alguns assuntos pendentes, como levar o carro à oficina. Quando me despedi de meu pai ele me disse: "Nos vemos aqui, às 17 horas, e voltaremos para casa juntos".Depois de cumprir todas as tarefas, fui até o cinema mais próximo. Distraí-me tanto com o filme (um filme duplo de John Wayne) que esqueci da hora. Quando me dei conta eram 17h30. Corri até a oficina, peguei o carro e apressei-me a buscar meu pai. Eram quase 6 horas. Ele me perguntou ansioso: "Porque chegou tão tarde?” Eu me sentia mal pelo ocorrido, e não tive coragem de dizer que estava vendo um filme de John Wayne. Então, lhe disse que o carro não ficara pronto, e que tivera que esperar. O que eu não sabia era que ele já havia telefonado para a oficina. Ao perceber que eu estava mentindo, disse-me: "Algo não está certo no modo como o tenho criado, porque você não teve a coragem de me dizer a verdade. Vou refletir sobre o que fiz de errado a você. Caminharei as 18 milhas até nossa casa para pensar sobre isso".Assim, vestido em suas melhores roupas e calçando sapatos elegantes, começou a caminhar para casa pela estrada de terra sem iluminação. Não pude deixá-lo sozinho...guiei por 5 horas e meia atrás dele...Vendo meu pai sofrer por causa de uma mentira estúpida que eu havia dito. Decidi ali mesmo que nunca mais mentiria. Muitas vezes me lembro deste episódio e penso: "Se ele tivesse me castigado da maneira como nós castigamos nossos filhos, será que teria aprendido a lição?" Não, não creio. Teria sofrido o castigo e continuaria fazendo o mesmo. Mas esta ação não-violenta foi tão forte que ficou impressa na memória como se fosse ontem. “Este é o poder da vida sem violência".

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Por uma melhor idade


Não, eu não vou falar da juventude, pelo menos não daquela facilmente percebida nos traços, nos passos, no modo de se vestir. Eu irei falar deles, que são sempre tão simpáticos, que adoram conversar e observam tudo ao seu redor com o olhar de quem viveu muito mas não reconhece seu passado no modo de vida atual, sim, eu falo dos idosos e falo de amor.
Outro dia estava no ponto de ônibus, triste, cansada, um sol aterrorizador, esperando que algo de bom acontecesse naquele dia, talvez o telefonema de um amigo, um grande amor, um presente, ah tudo bem, admito, servia ganhar dinheiro, roupas lindas, bons livros, algo que fizesse com que eu me sentisse alegre. Quando chegou uma senhora de uns setenta anos, aproximou-se, olhou-me com uma simpatia toda brasileira e disse-me OI, foi quando percebi que não precisava de nada mais, meu humor havia melhorado consideravelmente, um oi transformou o meu dia.
Foi quando comecei a pensar nos milhares de idosos que são abandonados em asilos, que sofrem humilhações diárias, que não tem sequer o direito à moradia, alimentação, tratamento médico, amor.
As pessoas são cruéis, ficam assustadas com assaltos, assassinatos, rebeliões e abandonam seus pais em asilos, muitos destes sem sequer condições de tratamento, higiene, funcionários e estrutura adequados, todos estes sem amor.
Quanto a senhora do ponto de ônibus, olhei-a com a mesma simpatia e disse-lhe thial, recebi então um sorriso, sorriso este de uma imensa ternura, sorriso de melhor idade.
Tiara Sousa