quarta-feira, 25 de abril de 2012

Como citou Décio Sá

Vamos chorar pelo mundo, pelas paisagens modificadas, pelos sons abafados, pelos romances terminados, pelos sonhos deixados de lado, pelos lugares que passamos, e só passamos, e passamos sós. Vamos sentir o ferimento no peito, a mente desolada, o pensamento triste, a lágrima que não coseguimos conter, a procura do dia perfeito ou do perfeito no dia e a sensação infeliz de não encontrar. Vamos nos esconder dessa gente cruel, das ofensas, dos tormentos, do cotidiano, vamos ficar em casa fazendo de conta que não existem fantasmas em paraísos, e que existem paraísos. Vamos cantar canções de ninar para nossas crianças, que de tão puras já nasceram sabendo preocupar. Vamos ouvir canções de poucas notas, ler livros de poucas páginas, nos acomodar com programas de TV de pouco conteúdo e nadar em rios de solidão. Vamos olhar em volta, não há perfeição, nem dores sãs, nem mesmo sonhos pequenos. Há, os filhos que tivemos, os dias que vivemos, as vírgulas e os pontos dos romances que passamos e que passaram, ou ficaram, e a multidão vazia do que é de fato importante. Vamos realmente olhar em volta, não há beleza em Festivais de Rock com estelionato, em jornalistas assassinados, em políticas injustas, nos altos índices de analfabetismo, na pobreza extrema, na sonegação, corrupção, militarismo, coronelismo. O que há é uma ilha chamada São Luís, um povo chamado dor, paisagens lindas e bandidos feios, dos quais nem podemos citar os nomes, como citou Décio Sá. Tiara Sousa

terça-feira, 17 de abril de 2012

Filhos

Dedicado a Ian
Se amar tanto é desacato, desacatei todas as leis do mundo quando você nasceu, tirei do primeiro lugar meus modos, e sonhos e anseios e coloquei os modos, sonhos e anseios teus. Voltei a acreditar em contos de fada, papai Noel e coelhinho da páscoa para que nem nas crenças você se sentisse só. Fui médica, índia, curandeira , cientista, para curar doenças, que ainda que habitassem o seu corpo, destruíam meu coração. Sei que falei e esbravejei com você tanto quanto com o mundo, é que não eram os recados da professora, a bagunça na casa, a premonição da queda, as notas no boletim, as más companhias, a teimosia, sempre foi o mundo que não estava preparado pra te receber, e naquelas broncas, era com o mundo que eu brigava. Se amar tanto é loucura, enlouqueci por toda a humanidade quando você nasceu, fui poeta só de observar o teu sorriso, teu andar e teu jeito de falar , fui astronauta quando você se interessou pelos planetas, fui criança quando você não tinha ninguém pra brincar, fui adulta pra segurar tua mão e te mostrar os caminhos mais seguros, fui imperfeita, por ainda assim continuar apenas uma humana qualquer capaz de falhar, e falhei, falho, peço perdão por não acertar sempre. Fui mãe, amiga e a chata da história se isso te trouxesse segurança. Passei noites inconformada por não poder invadir teu sono e tirar os pesadelos, por não poder adoecer no teu lugar, ou adquirir tuas decepções só para mim. Nunca precisei me esforçar pra amar você tanto assim, a ponto de amar mais do que a mim ou que qualquer outra beleza que não fosse a tua, te amar é como caminhar, falar, sentir, respirar. Se amar tanto é invenção, inventei o amor quando você nasceu e nunca, nunca mais deixei de acreditar no amor que eu mesma inventei. Tiara Sousa

terça-feira, 10 de abril de 2012

Enquanto houver tempo

Ainda há tempo de colorir os cadernos, inventar formas com massas de modelar e colecionar tampas de refrigerantes. Há tempo de temer a entrega do boletim, esquecer o dia da semana e esconder-se atrás de super-heróis e princesas. A infância não acabou. Ainda há tempo de colecionar fotos de artistas, se apaixonar por professores, fantasiar ou realizar com os populares da escola e amar perdidamente quem sequer se tocou. Há tempo de ler os horóscopos todos os dias, fazer testes de revistas teens e prever que o final do mundo é não ir a uma determinada festa ou a um show. A adolescência não acabou. Ainda há tempo de conhecer lugares novos, de mudar de opinião, de assimilar informações, de se encontrar em amores, de protestar, de gerar vida. Há tempo de cultuar a natureza, temer um primeiro encontro ainda que seja o centésimo primeiro encontro da vida, fazer amor pela manhã e aprender com os erros e os finais. A juventude não acabou. E se acabarem a infância, a adolescência e a juventude, ainda haverá tempo para lembrar dos cadernos coloridos, das paixões por professores, dos lugares que conhecemos. Ainda haverá um dia que seja para produzirmos lembranças e contarmos histórias e nos descobrirmos numa vida que nunca sabe do tempo e mesmo assim sempre perceber que ainda há tempo, enquanto aguardamos a beleza do nunca decifrado amanhã. E enquanto houver tempo, haverão sorrisos e choros e verdades e vida, e teremos tanto que o tempo há de passar grande como o amor, simples como o gostar, real como a dor e completo como o toque. Tiara Sousa

domingo, 1 de abril de 2012

Conto do desamor

Deixa passar essa noite, esse exibicionismo da lua, esse brilho hipnotizante das estrelas e as cortinas do teatro se fecharem. Deixa eu não estar presente pra você dizer o quanto me ama, pra declarar-se ao vento e transar com o vazio que eu deixei ou com alguma mulher que nunca e nem que eu permita será eu. Conforme-se em me observar de longe, em não poder comemorar meus anos, minhas conquistas e nem caminhar de mãos dadas comigo pelas ruas que eu faço de passarela do meu conhecer. Abandone seus discursos que tanto me atrairam e me trairam, abandone o celular simples, o geito meigo, o olhar triste e perdido, a bicicleta velha que tanto me encantaram e encaixe-se de uma vez por todas nesse universo importante que não me convence, nem me encanta. Provoque em mim, não fantasias, nem suspiros, nem vontades, nem saudade, esse tempo já passou. Provoque apenas compaixão, as vezes ainda consigo sentir a sua necessidade de chamar minha atenção, porém é só o que sinto. Não me espere, nem me procure, nem deposite em mim qualquer esperança, tesão ou saudade. Aquele tempo passou, aquela menina cresceu, já sentiu de verdade, já olhou de verdade, já tem seus próprios conceitos, suas histórias, já conheceu o fundo do poço e o pico da montanha, já caminhou desorientada pelas mesmas praias que você outrora caminhou, já te sentiu, não sente mais. Perdoe-me, meu não, meu nunca mais, não é uma afronta, mágoas soltas, vingança, é apenas desamor. Tenho certeza que não foi escolha sua a vida que tens agora, mais saiba também não escolhi deixar amá-lo, é que um dia acordei e você não era mais o homem dos meus sonhos, não sei se foi o tempo, a minha ou a sua mudança, mas foi dessa maneira. Então deixa passar essa noite, esse exibicionismo da lua , esse brilho hipnotizante das estrelas e as cortinas do teatro se fecharem, você vai ficar bem, essa dor vai passar, acredite, eu já senti dores mais fortes, já tive amores maiores, já velei meu coração e tudo passou, com você vai passar também, você vai chegar em casa e aprender a gostar da sua realidade como eu gosto da minha e vamos nos ver por aí pelo resto de nossas vidas como duas pessoas que se amaram em épocas distintas, e constatar que tinha de ser assim. Tiara Sousa