domingo, 30 de março de 2014

NA MINHA CASA OU NA SUA?

Depois de um jantar, ou seria de uma pizza, ou de uma balada, ou de um barzinho, ou de dois beijos(um comportado e um legítimo), ou de um abraço prenunciando a química, ou de uma meia conversa preservando o mistério, ou de alguns encontros desvendando a personalidade, ou de um momento de liberdade assegurando o encanto, ou de um terceiro beijo acompanhado por mãos desacatadas de consciência revelando o desejo... Depois de algumas dessas coisas, ou de todas elas, ou de alguma outra coisa, eis que o homem pergunta: Na minha casa ou na sua? E eis que a mulher responde...
Essa é uma proposta indecente, pois pode ser na minha ou na sua, tanto faz, porque se nós tivermos química (e eu suponho que temos) e se você permanecer encantador aos meus olhos (e eu suponho que permaneça), eu, sendo um ser sentimental como sou, romântica em cada uma das minhas sensações físicas e insipida de racionalidade, vou transformar tudo num conto antes mesmo do desenvolvimento da história. E assim sendo, na minha casa ou na sua, saiba, eu vou te adorar, cada parte do teu corpo, cada traço da tua face, um ou outro, muito provavelmente todos os seus gestos, vou te comprar presentes bobos e não olhar para os lados em que você não estiver, vou abrir meu coração, minha mente, minha alma, defeitos e qualidades junto com as minhas pernas, vou te ligar cem vezes pra te sentir um quinto meu como eu me sinto tua, vou querer todos os teus olhares e abraços, e sentir ciúmes do vento e do acaso, de outras mulheres e do passado, isso faça sentido ou não.
Não satisfeita, interpretarei tudo de concreto como abstrato, em pouco tempo vou esquecer peças de roupas na tua casa, e cheirar as tuas roupas a procura  do que éramos quando nos vimos pela primeira vez. Cometerei loucuras privadas pra me fazer publicamente tua, vou comprar cada vez saias mais compridas e lingeries menores só pra te agradar e todos os minutos distante de você irei sentir a tua perda em mim.
Mas eu não tenho limites, todo romantismo e exagero ainda será pouco, refém da minha incapacidade de ser realista e comedida, vou brigar, vou sentir tanto medo de perdê-lo, vou me vestir pensando em como você vai me despir e transformar cada instante longe num martírio.
Mas você não vai valorizar nada disso, vai fazer pouco dos meus sentimentos e dizer que eu te sufoco, que eu sou muito ciumenta e não sei me comportar, vai fazer pouco das minhas conquistas, e achar que eu te traio com cada cara com quem converso, e eu vou sofrer e sofrer e sofrer... Até que um belo dia vou cair em mim, e perceber que eu exagerei e fantasiei tudo em você, irei me dar conta que você é um homem comum, como tantos que passam por mim na rua e que nem despertam meu interesse, então irei me desculpar por todos os meus exageros que não são somente meus, mas próprios do gênero feminino e terminar tudo, vou sair da sua vista, da sua agenda, da sua cama, da sua vida, e finalmente vou entrar na sua cabeça, daí é você quem exageradamente vai gostar, e se apaixonar e amar cada um dos meus exageros, mas será tarde demais, eu já estarei exagerando em outra freguesia. Então vou nos poupar esse sofrimento, pois é prejudicial a saúde física e mental, e nenhum de nós merece isso, portanto... Nem na minha casa, nem na sua!

Depois de todo aquele discurso e possíveis previsões, o homem então a olha com admiração e ainda mais desejo, completamente encantado pela inesperada sinceridade pessimista, talvez realista, e muito provavelmente experiente daquela mulher e diz: - Mas e se nós pularmos essa etapa da proposta indecente e formos logo para a proposta decente. E exageradamente ele propõe: Que tal na nossa, na nossa casa? Ela então sorriu admirada, descobrindo que mesmo quando já se supõe saber de tudo, ainda se é pego de surpresa, então ela exageradamente aceita, não pelos sonhos de juventude, ou pela inexperiência de outros tempos, nem mesmo por achar que ele é perfeito, mas pela ousadia, coragem e loucura daquele homem capaz de surpreendê-la. E eles então pularam todas as etapas, desfizeram-se de tudo o que era previsível... Foram julgados e mal falados por todos aqueles que não tiveram a ousadia de gostar sem meio termo, meias palavras, meios planos, ah se todos vivessem seus romances assim, sempre pela primeira vez e sempre como se fosse a última, talvez os fins doessem menos e os começos durassem mais... Ah e antes que eu esqueça, devo informar-lhes que sim, eles foram exagerados para sempre... Tiara Sousa

domingo, 23 de março de 2014

ASSUNTOS RELEVANTES ou SALVE O EGOÍSMO NOSSO DE CADA DIA!

Um rapaz que conheço superficialmente disse na minha cara que escrevo bem, mas que deveria aproveitar meu talento para escrever mais sobre coisas relevantes, eu o indaguei sobre o que para ele é relevante, ele citou politica, problemas sociais, pré-conceitos, cultura de massa, mídia, e disse mais uma vez na minha cara que eu gasto muita palavra bonita pra falar sobre coisas irrelevantes e consequentemente desimportantes.
O ocorrido me fez lembrar que outro dia alguém que conheço bem mais que superficialmente me disse que se contentaria com um resto de amor, achei aquilo tão triste e tão bonito, em parte porque sempre considerei as maiores belezas, tristes, em outra porque um resto de amor é tudo que posso oferecer a mim nas noites em que mesmo ciente da previsão do tempo que diz que não vai chover, debruço na janela e espero pela chuva, como quem perdeu um membro e aguarda a sua volta mesmo sabendo que ele não voltará. Acendo um cigarro, cada vez que ponho as cinzas no meu cinzeiro de concha, penso que quando eu parar de fumar vou poder sentir o gosto da minha boca e enfim constatar que o amargo dos beijos sem verdade nunca saíram de lá, talvez seja por isso que nunca deixei de fumar, só pra não lembrar e só pra não deixar de lembrar que um dia eu já acreditei nas coisas boas. Termino o cigarro, deixo a janela entreaberta, viro e de todos os vestidos com os quais me deparo, o que me chama atenção é exatamente aquele que não consigo doar nem jogar fora, que não consigo usar nem achar bonito como um dia já achei... Será que isso que é não superar, será que isso que é superar? Me perco até onde os meus olhos  alcançam e me odeio por isso, porque me faz sentir limitada.
Quanto ao rapaz, o olhei admirando a sua coragem (confesso), sorri de lado prevendo a minha coragem (confesso), e disse: - Não faço por mal ou por ignorância, perdoe se é o que parece, é que a maioria das vezes eu acho mesmo que o meu cinzeiro cheio de pontas de cigarro, ou a minha descrença nas coisas boas, ou a janela entreaberta no meu quarto, ou o vestido velho que não consigo doar nem jogar fora são mais relevantes do que a economia, as estatísticas e a corrupção. Ele se calou, pareceu pensar sobre o que eu disse, não sei ao certo, minutos depois retrucou com um ar vitorioso: - É. Mas isso é um tanto egoísta. Eu então disse, com um ar ainda mais vitorioso: - É, isso é um tanto egoísta, talvez por isso se identifiquem com o que escrevo, porque a tristeza, a depressão, o inconformismo, o sentimento de rejeição, a sensação de não se encaixar, os corações partidos, são egoístas, todos doem como se suas dores fossem as maiores, e se afundam como se os buracos fossem os mais sombrios, ninguém que esteja se sentindo miserável sofre mais com a miséria dos outros por ser mais significante, nem você meu caro, a diferença é que eu publico meu egoísmo todas as semanas e você não. Depois do que falei, fiquei esperando uma grande resposta daquele rapaz que não falava mentiras nem verdades absolutas e apenas manifestava a sua opinião, que cá entre nós, não era de toda a incoerência, mas ele me olhou com um ar de admiração e rejeição (sim ele conseguiu unir esses dois extremos num só olhar), e disse com firmeza: - Você é maluca! Depois de falar isso, ele esboçou uma expressão de dúvida, como se não soubesse se esperava por um tapa bem dado ou por um beijo romântico, mas eu apenas falei com um desdém de doer na alma (na dele): - Sou parte maluca, parte alguma coisa que o censo comum nunca vai aceitar e compreender, e você é parte do censo comum. Depois virei e saí, me sentindo muito mais importante do que realmente sou.
Confesso que viro de um lado para o outro na cama, que me refugio entre a dor que invento pra entreter meus dias comuns e meus sentimentos pouco confortáveis. É que do lado esquerdo da cama tudo é viral, do lado direito tudo parece errado, e há um bom tempo que eu não me completo. Às vezes ando descalça só pra sentir as sobras de outros tempos no chão gelado, as sobras de outras experiências nos pés expostos, quem sabe um pouco sobre mim, sabe demais, e a sabedoria pode ornamentar jardins e pode sepultar levezas, já sepultei todas as minhas. E não venham me dizer que isso é irrelevante, aquele rapaz pode até não admitir e me chamar de maluca, mas o fato de ter gente morrendo de fome não nos faz morrer menos de amores. Salve o egoísmo nosso de cada dia! Aquele que não prejudica ninguém além de nós mesmos, aquele que nos dá a impressão de que ficar triste só é infinito se for dentro do nosso peito, aquele que joga na latrina nossa esperança e que arde no corpo inteiro sem sequer sair da mente. Assinado egoistamente, a parte maluca, parte incompreensível ao senso comum... Tiara Sousa

domingo, 16 de março de 2014

PARA ENTENDÊ-LO...

Direitos da imagem: Gaveta Virtual
Há dias que não amanhece, que eu passeio de lingerie pelo quarto vazio de olhares sedentos, sem línguas buscando a minha alma através do meu gosto. Danço tango sob a minha tristeza, antes eu vagava por olhares que sangravam a fome do mundo e cujo sangue escorria no meu corpo, agora abdico da fome e da sede com fome e sede, e me sinto vulgar por sempre ter pensado que todos os sentimentos líricos eram marginais...
Para entendê-lo é necessário vagar pelo impreciso com precisão, e admitir ser cobiçada com alma e sem maldade, com maldade e sem alma, é necessário pluralizar os mistérios do agora com os do antes e com os do depois e com os do talvez... E eu não sei não entender.
Para entendê-lo é necessário calma e fé, verão e inverno, céu e inferno, tudo na mesma medida, é necessário cegar o mundo e exorcizar crueldades humanamente desumanas, é necessário tragar um vinho santo, borrar as últimas margens, delirar entre os versos menos completos e mais profundos... E eu não sei não entender.
Para entendê-lo é necessário chorar na solidão e pela solidão, ouvir Mozart lendo quadrinhos, é necessário uma paz distinta e uma guerra velada, e acender velas para que os santos em que não creio, creiam em mim, em você, em nós...  E eu não sei não entender.
Para entendê-lo é necessário trechos de canções, leitura facial, leitura corporal, é necessário que todo abraço acolha como o primeiro e despedace como o último, é necessário virar de um lado para o outro na cama e nunca dormir... E eu não sei não entender.
Para entendê-lo é necessário aparecer na multidão sem nunca ser ou fazer parte dela, é necessário não se encaixar nos hábitos comuns e ser realista de olhos fechados, e ser sonhadora de olhos abertos... E eu não sei não entender.
Para entendê-lo é necessário arder com doçura, caminhar sobre as águas, suspirar entre o fogo e gemer no marasmo, é necessário ser companhia sem ser objeto, ser dama sem ser passiva... E eu não sei não entender.
Para entendê-lo é necessário doer com boas maneiras, e eu não sei doer assim, é necessário cortejar o fundo poço, e eu sempre o temi...  E eu preciso entender ainda que doa e torture, ainda que afague e acalme, ainda que massacre, ainda que termine... Porque eu não sei não entender... E agora... também não sei mais o que fazer com o que não entendo...
Te idealizei, não imaginei o adverso, nunca me dei a esse luxo... e só por isso há dias que não amanhece, que eu passeio de lingerie pelo quarto vazio de olhares sedentos, sem línguas buscando a minha alma através do meu gosto... Tiara Sousa

domingo, 2 de março de 2014

“QUEIXO-ME AS ROSAS”... É CARNAVAL!

“Queixo-me as rosas
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti”
(As rosas não falam – Cartola)
Penso que as alegrias são de vidro, que ao mínimo descuido podem se quebrar.  Acho bonita a alegria das pessoas, acho bonita a alegria e acho bonitas as pessoas... Pelos caminhos serpentinas e pecados anunciam o período em que o povo se permite anestesiar das dores e dos conceitos, da moral e dos bons costumes, da obrigação e da sanidade... É carnaval!
Mas enquanto isso, eu... “queixo-me as rosas”...
Lá fora tudo acontece, as boas moças deixam a castidade em casa, os paraísos são reinventados, e isso é tão livre! O Brasil parou, está tudo colorido à espera da próxima música, do próximo bloco, da próxima escola de samba, do próximo samba, dos tantos quase e efêmeros amores... É carnaval!
Mas enquanto isso, eu... “Queixo-me as rosas”...
Lá fora tudo acontece, foliões trajam suas fantasias e as máscaras escondem todas as tristezas, e isso é tão bonito! As paixões mais avassaladoras duram minutos, é menos que uma cena de filme, menos que um capítulo de novela, é tão ilusório que chega a arder como a realidade, é tão real que chega entorpecer como a ilusão... É carnaval!
Mas enquanto isso, eu... “Queixo-me as rosas”...
Eis o maior protesto do mundo, em que todos saem de casa só e simplesmente para sorrir sem culpa, sem pudor, sem medo; um país protestando contra a tristeza dos fatos, contra os fatos, contra a tantas vezes massacrante realidade, contra a realidade, é uma alegria sem pressa, sem sentido, uma alegria crua, despida de qualquer consciência... É carnaval!
Mas enquanto isso, eu... “Queixo-me as rosas”...
Eis o mais completo espetáculo teatral da história, a deixar os rituais dionisíacos no chinelo. Ontem já esqueceram, amanhã ainda não sabem, mas hoje, hoje os corações são prostíbulos, sem casa, sem aliança, sem tempo, sem contratempo, hoje ama-se o agora e não lamenta-se o fim dos sambas. Toda gente e ruas e blocos e músicas, não há julgamento, não há intenção... É carnaval!
Mas enquanto isso, eu... “Queixo-me as rosas”...
Não, não por meu coração ter estado meio verde, meio rosa como sempre esteve o de Cartola;
Não por ter tanta gente, tantas ruas, tantos blocos, tantas músicas;
Nem mesmo por nos caminhos haver tantas serpentinas e pecados;
Mas apenas por pensar que as alegrias são de vidro e que ao mínimo descuido podem se quebrar, mas apenas por achar bonita a alegria das pessoas, e por achar bonita a alegria e por achar bonitas as pessoas...  Só por isso eu... “Queixo-me as rosas” enquanto é carnaval! Tiara Sousa