domingo, 28 de abril de 2013

A dor


A dor é quase infinita, quase se explica, quase é conceito, é o que não procuramos no espelho e quase mata como uma bala de raspão, ou uma faca a arranhar o pescoço. A dor é um delírio, e talvez só por isso ela exerça tanta influencia sobre o prazer, a dor é quase um prazer desconstruído ou avesso, e eu nem falo da dor física, que essa pode ser medicada.
A dor é a falta de um segredo, é o fim de um romance, é uma tristeza sem porquês, são varias vezes a mesma lembrança de algo lindo que nunca aconteceu. A dor é um corpo sozinho junto com outro corpo sozinho, é um milhão de companhias e ainda assim uma imensa solidão.
A dor é um quarto escuro, é um beijo comportado, é um olhar perdido a procura de alguma invenção que nunca tornar-se à real, é um porre de nada, é a medida do antes que não volta e nem nos permite voltar, é o desespero do momento que passa devagar demais.
A dor é um vazio tão grande que deixa o mundo desinteressante e condena os corações a baterem compassadamente, é ter um lençol como lembrança e não conseguir lembrar sem o cheiro impregnado nele. A dor é o fim premeditado, é a pessoa certa aparecer no momento errado, é um conjunto de erros sem conserto, é o sexo sem o irracional.
A dor é um buraco atravessando o peito sem que ninguém perceba, é olhar ao redor e ver as coisas lindas que conquistou, as pessoas lindas que conheceu, os dias lindos que viveu e ainda assim não ser capaz de sorrir, nem de chorar. A dor é toda a frieza do mundo a te envolver, é a constatação de que há muito já deixou de crer nos contos de fada e passou a ler os cadernos de economia. A dor é o que, ainda bem, muitas vezes ainda desconheço, mesmo quando ela parece ser tão intima. Tiara Sousa

sábado, 6 de abril de 2013

A irmã que eu não visito


É tão fácil chegar até aquele hospital, é mais fácil do que escrever uma matéria, do que dar uma aula, do que escolher um vestido, do que responder uma prova, do que viver.
É só ir até lá, e entrar, e olhar nos olhos dela por alguns minutos, e sair. É só ir até lá, e entrar, é só ir até lá e ficar, é só ir...
Mas e se os olhos dela não brilharem, o que eu vou fazer com a ausência do brilho? Como eu vou caminhar até a saída e voltar a viver, a ouvir músicas, a ler livros, a assistir TV, como?
Eu não fui preparada pra isso.
E se não saírem palavras da boca dela, e se ela não vir correndo me abraçar como sempre fazia, e se ela não souber mais sorrir, o que eu vou fazer com a falta do sorriso dela? Como é que eu vou sorrir depois disso?
Eu sei que é egoísta pensar assim, mas eu reaprendia a sorrir, enquanto ela desaprendia a ser feliz, e agora eu não tenho mais as ilusões dos 20 anos, eu não tenho mais as fantasias boemias que me entorpeciam, pra onde eu vou correr quando eu sair de lá, daquele hospital? Eu vou ter que aprender tudo novamente.
Eu acordo todos os dias me programando pra ir até lá, pra dizer a ela que vai ficar tudo bem e que o mundo não é tão cruel, eu já sei de cor o horário de visitas, já decorei o endereço, já escolhi a roupa, já penteei o cabelo, já destranquei o cadeado, e ainda assim não fui.
Eu não fui, eu não me perdoo por isso, e não me perdoo por não ter ido vê-la antes, por não ter descrevido a ela como é que se reaprendia a sorrir, eu não me perdoo por poder caminhar na chuva enquanto ela sofre, por poder tomar banho de mar enquanto ela tenta falar, por poder escrever esse texto e não conseguir chegar até o hospital, em que a irmã que eu não visito, sente as dores que eu não conheço, com a inocência que me roubaram desde os tempos em que ela sempre corria pra me abraçar. Tiara sousa