domingo, 28 de outubro de 2012

Adoráveis estranhos


Fazia um tempo que eles não se viam, e voltando a se ver pareciam estranhos (adoráveis estranhos), mas o romantismo tem dessas peculiaridades, o amor é singular sempre, não importa que esteja em todas as canções, textos, poemas, o amor é singular ainda que seja de uma pluralidade absurda.
Ela não sabia que ele estaria naquele lugar, ele também não sabia que ela iria, ela apenas teve a impressão de que aquela noite estava menos vazia do que as outras e que as estrelas pareciam querer dizer alguma coisa. Ele também não esperava que ela aparecesse, já estava tão acostumado com a rotina, com o previsto, que quando a viu entrar pelo salão sentiu seu coração acelerar e ficou nervoso como um adolescente apaixonado, é incrível como os momentos mais lindos, podem também ser os mais desconfortáveis, mas aquele desconforto era de alguma maneira uma constatação de que ainda que o tempo e a distancia façam certos sentimentos adormecerem, eles ainda estão lá, como uma bomba relógio prestes a explodir.
E então eles se olharam, num misto de surpresa e incomodo, numa união exata de excitação e dúvida, e enquanto eles se olhavam o mundo parou, nem ele, nem ela sabem ao certo quanto tempo durou aquilo, porém sabem que enquanto se olhavam, era devolvido a eles tudo que a vida, as dores, os anos, as decepções haviam lhes tirado, recuperavam ainda que brevemente a ingenuidade, a nobreza, a inocência. Haviam outras pessoas além deles naquele lugar, algumas delas estimadas e que faziam parte de suas vidas, mas enquanto se olhavam não viam mais nada, não pensavam em mais nada, só se sentiam completos, e isso é mais do que muitos já chegaram a sentir durante toda a vida.
Então ambos pensaram no porque de ser errado se permitirem amar-se, se parecia tão certo, ambos estavam presos a conveniências, ética, obrigações, que transformavam um sentimento tão puro num romance improvável.
Ele sabia o que tinha que fazer, ele deveria esquecê-la cada vez que a visse, ele deveria, mas não era o que ele queria, ele queria tê-la em seus braços, ele queria acordar ao lado dela, ele queria desvendá-la e torná-la intima de seus defeitos e qualidades, ele queria amá-la todos os dias, ele queria, mas não deveria, ele não deveria.
Ela também sabia o que tinha fazer, ela deveria esquecê-lo cada vez que o visse, ela deveria, mas não era o que ela queria, ela queria se jogar em seus braços, ela queria acordar ao lado dele, ela queria desvendá-lo e torná-lo intimo de seus defeitos e qualidades, ela queria amá-lo todos os dias, ela queria, mas não deveria, ela não deveria.
Então eles se abraçaram, numa despedida injusta e obscena, tão injusta e obscena quanto a impossibilidade de eles viverem aquele romance. E ela foi embora daquele lugar enquanto ele ficou lá parado, ambos inconformados, ambos sedentos, ambos invadidos, ambos sós, ainda que acompanhados, ambos morrendo de um desejo tão pecaminoso quanto sacro de correrem um até o outro e se despirem, se tocarem, se amarem, como se não houvesse nada mais no mundo além da vontade de ambos, a vontade de se entregarem um ao outro como se estivessem entregando-se a si mesmos, numa sintonia profunda e profana que lhes trariam uma paz necessária.
Porém eles não seguiram os seus instintos, a realidade dos dois não lhes permitiu tal atitude, eles apenas comportaram-se como adoráveis estranhos, depois chegaram em suas casas e fingiram esquecer, por que era isso que eles deveriam fazer, não era o que eles queriam, mas era o que eles deveriam, e foi o que eles fizeram. Tiara Sousa

domingo, 21 de outubro de 2012

Nesta eleição votarei em...

Temo parecer prepotente, confusa e até leiga, mas como temo ainda mais ser hipócrita e omissa, devo admitir, nesta eleição votarei em... calma, não tão depressa Pra lá com a esquerda direita, com a direita errada, com o idealismo, com a fantasia e até com o sonho, aquele sonho que eu cresci sonhando, mas que não me mantém em pé, que não paga as minhas contas e pior ainda, não paga as contas do povo, que não muda a cabeça das pessoas, que não melhora o mundo, que não dá fim ao preconceito, que só discursa e discursa e discursa. É, eu sei, é um belo discurso e de certa forma é o meu discurso também, mas é só um discurso, sem curso, sem realidade, sem atualidade. Pareço da direita errada agora? Não se enganem, eu serei uma eterna canhota política, mas isso não quer dizer que eu não perceba as coisas, isso só faz de mim uma sentimental.
Havia uma criança no meio dos comunistas, de braços dados com a mãe, toda esclarecida, falando do passado, do presente e do futuro, fazendo boca de urna por convicção pelo centro de São Luís, chamando a atenção dos adultos pela maneira madura de expor sua crença num futuro melhor, sem diferenças, sem autoritarismo, sem desigualdade, pois é, aquela menina sou eu (ou ao menos costumava ser), aquele futuro nunca chegou, eu comemorei Lula, eu comemorei tantos e ainda tenho medo de assaltos, ainda perco amigos para as drogas, ainda vejo gente passando fome, ainda sou discriminada, ainda leio poemas pra não ter que sentir a dor de escrevê-los. O meu país se tornou o Brasil da esquerda direita por nunca ter deixado de ser aquele Brasil da direita errada, o meu partido, como disse Cazuza, é de fato “um coração partido” e “as minhas ilusões estão todas perdidas”, e cá entre nós, ser esclarecido é de uma confusão sem proporção, e aí as pessoas mandam mensagens, e-mails, fazem provocações: __E aí moça, o 2º turno das eleições pegando fogo e o seu blog não se pronuncia? A todos os pedidos de pronuncia, só tenho uma resposta a dar, não é a que vocês gostariam de ouvir, mas é a que eu tenho no momento: Eu me recuso a anular o meu voto, o voto é uma conquista árdua para todos e ainda mais para mim, que além de cidadã, sou mulher e negra, portanto dou a ele muito valor exercitando-o, e como tenho estado pouco inspirada ultimamente, me pronuncio citando Cazuza: “Aquel(a) garot(a) que ia mudar o mundo, mudar o mundo, agora assiste a tudo em cima do muro, em cima do muro...” Ou seja, neste momento só o que posso dizer é que estou pensando para quem votar no 2º turno, pensem também, anular o voto não deveria ser uma opção e escolher não está tão fácil, nem tão óbvio como aparenta. Tiara Sousa

domingo, 14 de outubro de 2012

Conto do Adeus


São Luís fez 400 anos e eu ainda nem arrumei a casa, sequer consegui terminar de tirar as roupas dele do armário, nem me livrei daquelas fotos da nossa última viagem e da penúltima e da antepenúltima. Dizer adeus é difícil, é como deixar de usar as suas roupas favoritas, é como se despir na frente de estranhos, é como procurar desculpas pra ser como você é. Dizer adeus é não ter mais alguém pra sempre, e pra sempre é tempo demais.
Ele já foi embora há umas duas semanas, saiu de casa com o mesmo olhar que entrou, com o mesmo sorriso, com a mesma voz, com aquele jeito petulante e charmoso e perdido, só eu continuei amando, amando aquele olhar, aquele sorriso, aquela voz, aquele jeito, só eu mudei, ele não, ele continuou o mesmo cara por quem eu me apaixonei há três anos, e eu sou o resto de alguma coisa que já fui, que me tornei, que se perdeu, que se foi com ele.
O mais triste não é ele ter ido embora, nem mesmo eu ter que tirar as roupas dele do armário, o mais triste é a cidade está fazendo aniversário e eu sepultando meu coração, o mais triste é ele comemorando o aniversário da cidade e eu lavando a roupa suja de três anos de relacionamento sozinha, o mais triste é toda a população ludovicence comemorando e eu morrendo de amor, de saudade, de solidão.
E o pior foi ter encontrado no meio do armário, das camisas estampadas dele, que eu odiava e ele sempre teimava em usar, aquela dor da semana retrasada, a dor de vê-lo indo embora e saber só de olhar como ele caminhava até a porta, que nunca mais eu iria poder odiar sair com ele usando uma daquelas camisas, e a dor de saber que nunca mais vai se fazer algo com quem se ama é uma dor imoral.
Ontem ele ligou e disse um monte de coisas, que saiu, que brindou, que passeou, e disse pra eu fazer o mesmo, continuar, mas eu não sei como continuar sem ele, ainda não, agora não, agora eu sei chorar o dia inteiro, fazer de conta que ele vai voltar, que ele esta chorando como eu, que não acabou, que é só um tempo pra nós sentirmos falta um do outro, e eu vou fazer de conta até quando der, pra eu conseguir comer, tomar banho e trabalhar, aí talvez um dia passe e eu possa continuar, ou sei lá, começar tudo novamente com outro cara que infelizmente nunca vai ser ele, com mais força, com mais amor próprio, melhor e pior.
Eu fico pensando como vai ser quando ele vier buscar as coisas dele, fico pensando quando foi que ele deixou de me amar, eu lembro que até bem pouco tempo  ele velava o meu sono e enlouquecia de ciúmes das minhas roupas, dos meus amigos, até da minha sombra. Eu ainda não entendi o que aconteceu pra ele acordar um triste dia e dizer que acabou, que não sentia mais a mesma coisa, que ia embora, que ainda queria a minha amizade e que depois voltava pra pegar o restante das suas coisas, como eu queria ser parte do restante das coisas dele, só pra ele me levar junto, eu iria pra qualquer lugar. Eu até pensei que poderia ter sido outra mulher, mas todas as minhas amigas disseram que viram ele sozinho nos últimos dias, e faz sentido por que ele não é o tipo de cara que deixa um amor como o meu por qualquer aventura, e eu amei cada parte dele, cada comentário, cada coisa irritante, eu amei tudo, ainda amo, amo até o cheiro que ele deixou na casa e não faço ideia de como desamar.
Eu já aprendi algumas coisas na vida, já sofri algumas vezes por quem nada mereceu, mas o que mais me dilacera e me corrompe agora é saber que mesmo agindo como ele agiu no final, ele merece o meu sofrimento, cada lágrima que derramo, porque independente de como acabou, ele me deu os melhores anos da minha vida, e nem a falta de sentido, o desamor, ou a forma como ele terminou são capazes de mudar o que vivemos, e embora eu esteja cheia de dúvidas uma certeza eu tenho, durante aqueles anos eu fui amada por um homem que muito provavelmente eu vou amar pelo resto da vida, vou amar até quando não tiver mais nada dele nessa casa e até quando não tiver mais a casa, vou amar até quando o cheiro dele não tiver mais por aqui, até quando eu não tiver mais por aqui, vou amar até quando não tiver mais uma foto de nós dois juntos, até quando tiver outro homem na minha cama, vou amar até quando pensar que não amo mais. E vou lembrar pra sempre que enquanto a cidade fazia 400 anos a saudade que eu sentia era tão grande que parecia que faziam 400 anos que ele havia me deixado, despedaçando o meu coração e arrancando da minha face meu sorriso com a mesma propriedade que um dia ele colocou lá. Tiara Sousa

domingo, 7 de outubro de 2012

Me afetam


Me afeta algumas pessoas preferirem flores de plástico, me afeta ainda mais as flores verdadeiras murcharem. Me afetam os comentários maldosos que ouço, me afetam ainda mais os comentários maldosos que não ouço, mas que sei que existem. Eu quero um mundo melhor sabe, não quero ter que me esconder atrás de um sorriso quando tudo dentro de mim tá ferido, não quero ter que beijar uma boca só pra me sentir viva, não quero ter que medir palavras e muito menos usar palavras pra magoar ninguém.
Me afeta o sexo sem sentimento, transformar um momento tão intimo, num momento sem nenhuma intimidade, ninguém tem que agir como se tivesse um instinto animal, somos humanos e o nosso desejo também é. Me afeta ainda mais o sexo com sentimento, por que quase sempre resulta ou é resultado de paixão e no final das contas sempre deixa a impressão egoísta de que só eu que me dei mal, só eu que sofri, só eu que gostei e isso tudo é uma droga. Eu quero um mundo melhor sabe, não quero ter que maltratar o coração de ninguém pra ser adorada, não quero adorar ninguém que me maltrate, me desrespeite, faça pouco dos meus sentimentos, eu quero sintonia, seja lá o que isso for.
Me afeta o moralismo, essa postura maldosa e preconceituosa de que alguns preceitos, comportamentos e virtudes são os certos e que todo o resto é errado e repugnante. Me afeta o novo cool, light, saudável, “intelectual” e supérfluo conceito de Sociedade Alternativa, que define-se como minoria julgada enquanto julga maiorias que não possuem as mesmas oportunidades, conhecimentos, apreciações e preferências culturais, sociais, de entretenimento e de gostos. Me afeta ainda mais esse velho e fantasioso conceito de Sociedade Democrática, que de democrático não tem nada, nada mesmo. Eu quero um mundo melhor sabe, em que eu possa ouvir o que tô afim, crer no que tô afim, amar como eu tô afim, ler o que tô afim, comer o que tô afim, vestir o que tô afim, sem me prejudicar e nem incomodar os outros, sem ter a pretensão de parecer alguém que eu não sou, sem ser rotulada, verdade é viver como tá afim, todo o resto é propaganda enganosa, insegurança e carência de atenção.
Me afeta a maneira ofensiva como vários jovens envolvem-se na política atualmente, ofendendo uns aos outros durante as campanhas eleitorais ao invés de expor suas opiniões de maneira respeitosa e somadora. Me afeta ainda mais os muitos jovens que sequer envolvem-se na política, que não participam, nem incluem-se na construção do cenário social que vai influir diretamente na vida de toda a sociedade. Me afeta a conveniência, todo esse cinismo disfarçado de gentileza. Me afeta ainda mais a inconveniência, toda essa autoafirmação de que não se é hipócrita e que não se tem papas na língua, chega a ser hipócrita e deseducado ao extremo e as coisas ao extremo são quase sempre exageradas e cruéis. Eu quero um mundo melhor sabe, onde a palavra respeito seja também uma prática, onde o conceito de sinceridade não seja usado para atingir e ofender os outros.
Eu realmente quero um mundo melhor, muitos querem, eu sei. Eu acredito que a melhor maneira de começar a conquistá-lo é sentir-se afetado pelas mazelas, misérias, aparências e julgamentos ao invés de contribuir para que aumentem. Eu quero um dia escrever sobre esse mundo melhor, e eu quero que esse dia chegue logo, chegue lindo, ensolarado e inspirador. Tiara Sousa