sábado, 2 de julho de 2016

CABARÉ DE SONETOS

A cidade me tortura. Vejo em volta e de repente estou num cabaré de sonetos e todas as dores na rua se oferecem pra doer em mim. Acho que é isso que as pessoas por aí chamam de tristeza, e eu, que por tantas vezes já fui tão triste, nunca realmente tinha sido triste assim, com a pele ressecada de erotismo e fé.
Está tudo tão vago. Ainda bem que já fiz as compras, eu quase perdi o tesão pelo dia seguinte na semana passada, tenho tão pouco tempo e tanta gente pra amar depois do pôr do sol, antes que a vida soe ainda mais efêmera e eu me encontre dentro de um dialogo cênico entre atenienses e espartanos, sem saber por quem dialogar ou até mesmo com quem.
Gostaria de ter um manual de mim, mas sempre achei difícil me estabelecer onde todos costumam se estabelecer. Já fiz de tudo pra ser todos, mas ser todos é algo tão humano que demonstra desumanidades, e isso me coloca do lado desconfortável de fora. Sou detestável por isso? Não. Não se julga uma cronista pelos primeiros parágrafos. Sou detestável por outras milhares de coisas, mas não por amar com tanto conteúdo uma forma rasa, e nem pela enxurrada de tristeza pela falta de alguém que nunca me prometeu nada.
Estou triste. Ponto. Sentada em algum lugar entre o joelho dele e os meus desencantos. As mãos hábeis dele atravessam a minha lucidez e parece até incompetência minha não ser feliz nem por um segundo, nem por um único, incógnito, frio, feroz, mísero segundo. -
Estou triste. Ponto-. Perdida entre a minha mania de estalar os dedos e o modo como ele corta as unhas, com tanta vaidade que faz cada unha ser miseravelmente um lamento profundamente oco de uma sociedade que se curva aos julgamentos moralistas e estéticos do senso comum. E nós aqui, existindo entre a ilusão do sexo sem alma e a alma sem alma aos quais tanta alma transpiram. Aqui, entre o paladar dele e a minha vontade de ser amada junto com todos os meus defeitos, infantilidades, neuroses e contestações.
Estou triste. Ponto. É- que a intercessão do meu odor de cigarros e do perfume barato dele eram nauseantes formas de eu me sentir acompanhada e dele se sentir incomum. Ao meu lado ele caminhava reticente de tudo o que não conhecia e julgava mal e eu caminhava ao lado dele cortejada pela ironia de uma união contraditória. E enquanto caminhávamos juntos o gozo dele era o meu recato original.
Estou triste. Ponto. Porque a tristeza ocupa meus dias banais e a alegria sempre me soou ignorante. Porque de todos os corpos que já uniram-se ao meu, só o dele,  proletário dos corpos, tem o sabor agridoce e agressivo da passividade. E eu só consigo existir no vão do suor dele e das minhas lágrimas.
Estou triste. Ponto. Poderia enumerar um milhão de razões pra isso e nenhuma teria cabimento, pois pra caber nos lugares por onde eu ando tem que romper com estruturas fictícias e sangrar fossas. Tem que cortar nossa sombra ao lado esquerdo da cama, aquele contrário de onde ficava o abajur vermelho, coberta por um lado dele que eu criei e acreditei. Um lado metade fantasia, metade loucura.
Estou triste. Ponto. Onde eu começava ele não alcançava, o fim sempre esteve ali, entre nossos beijos intempestivos, nossos lençóis descartáveis e a imensa muralha que separava o meu eu rústico do eu dele lapidado. O único lar que tivemos, que ousamos ter, foram nossos corpos nus de roupas, de medidas, de promessas, de constrangimentos, de eternos.
Estou triste. Ponto. E estar triste é estar trancada no corpo dele, no cotovelo rosado, nos olhos claros, no antebraço perfeito e me sucumbir de lembranças pessimistas do que eu tive até dizer chega. Eu disse: Chega! Mas o motivo, o verdadeiro motivo nunca chegou.
Estou triste. Ponto. Porque o lugar onde sentávamos pra conversar é hoje um aglomerado de pedras onde defecam os pombos e a cama em que ele fingia me dominar enquanto eu fingia ser dominada é apenas um móvel refugiado dos princípios que um dia me sobraram e hoje me escapam. E eu caminho por um beco escuro que oprime os planos que não nos atrevemos a fazer com os desejos que deixamos de conter.
Estou triste. Ponto. Nada é tão soberano que não caiba numa folha de papel. Pedi que ele guardasse os seus sentimentos mais teóricos para outras mulheres mais práticas, previsíveis, tolas e encantadoras do que eu. E ele guardou. E eu nunca o perdoei por ter me obedecido. E pra onde olho as dores se oferecem pra doer em mim, como num cabaré de sonetos, e eu as aceito, como num cabaré de sonetos, e elas doem latejantes, como num cabaré de sonetos, e acho mesmo que é isso que as pessoas por aí chamam de tristeza. A cidade me tortura e eu estou triste. Ponto. Ponto. Ponto... Tiara Sousa

sexta-feira, 17 de junho de 2016

UM TRECHO DE MÁRIO QUINTANA PARA VIVIANE

Para os leigos acerca da vida desinteressante e não tão subversiva desta autora que vos fala, devo começar lhes informando que eu, Verissa e Viviane somos amigas de infância, segundo Verissa, da infância dela, porque eu e Viviane somos um pouco mais velhas...
Depois de tantos anos, noites, descobertas, merdas (sim, merda) é só juntar essas duas loiras com esta preta que vos fala que a Segunda Guerra Mundial fica parecendo história em quadrinhos ou no máximo filme de arte francês, subjetivo e  sonolento. Pois é, depois de tanto tempo e transformações eu e esses dois seres humanos ainda quebramos o pau de vez em quando, ainda choramos lágrimas de crocodilo umas nos ombros das outras, ainda arquitetamos planos surreais de como assaltar bancos e ficar ricas, ainda nos amamos. Somos três pessoas extremamente diferentes, nos vestimos diferente, vemos a vida de uma perspectiva diferente, sonhamos sonhos diferentes, mas andamos por aí como se fôssemos siamesas. Claro que não foi sempre assim e nem será, mas as mesmas ocasiões que por tantas vezes nos separam, por vezes acabam nos unindo.
Verissa é a contradição em pessoa, isso pode soar como falta de personalidade, mas é só passar cinco minutos com ela pra compreender que o óbvio pode entrar em contradição e que só pra contrariar o que ela tem é excesso de personalidade. Eu não, posso facilmente ser confundida com uma revista de variedades ambulante, tudo em mim nasce do excesso, é informação demais para um conteúdo tão intento e no fundo mais simples do que parece, beirando o comum, desorganizado e fatorial. Já Viviane, é o mais distante possível de uma expressão condescendente, ela é o oposto do que você pensou, ela é sempre o oposto, e é por isso que após essa introdução, devo confessar que é dessa moça que hoje comemora aniversário que vou falar, e antes que você leitor pare a leitura por aqui, supondo que esse é somente mais um texto apaziguador sobre uma amiga, e que não vai acrescentar nada mais a sua vida, aconselho que continue a leitura, pois até o fim você irá encontrar alguma coisa nesta moça que tem em todas as moças, que tem em você, e nunca mais vai esquecer...
Eu e as meninas temos o hábito burguês de tomar banho de piscina na casa de Verissa, não por futilidade, mas por uma questão de entretenimento. Há muito tempo que eu almejo o dia ensolarado em que ao invés de eu entrar cuidadosamente na piscina irei simplesmente me jogar lá, sem me preocupar com a profundidade, sem calcular os riscos, sem temer as probabilidades de eu me machucar e quebrar todos os meus ossos, mas nunca consigo. Meu corpo inteiro se paralisa diante do novo, do desconhecido. Viviane não, ela não pensa. Vestida, ela simplesmente se joga. Não que não exista temor, existe, sempre existe, mas pra ela se jogar é mais importante. Viviane é o tipo de pessoa que poderia ter nascido em qualquer lugar do Brasil, ela certamente se adequaria a cultura e a crença, mas desatenta nasceu numa cidadezinha de aproximadamente seis ruas chamada Bequimão, isso mesmo, interior, baixada maranhense. Lá naquele lugar, onde Judas perdeu as botas, onde a internet, a TV a cabo e o celular touchscreen são acontecimentos de larga escala, onde tudo é observado através de uma lente de aumento, e sim, onde claro, ainda se fazem grandes festas de inauguração de piche(que é como os conterrâneos chamam asfalto). Lá naquele lugar em que (sofro em admitir) a beleza é singela como uma lágrima. Mas muito cedo, Viviane percebeu que ela era maior do que Bequimão City (modo sarcástico como gostamos de chamar), que seus sonhos, e desejos e sedes e fomes eram maiores do que todos os metros quadrados (como se fossem muitos risos) daquele lugar. Então ela veio a São Luís, trazendo além de roupas na bagagem uma vontade imensa de se reinventar. Só que São Luís, embora distante de um exemplo de progresso, não tinha tanto em comum com Bequimão, eram muitos rostos estranhos, muitas melodias novas, muitos conceitos abrangentes, muitas ocasiões, muitas tribos urbanas, e o que poderia assustar muita gente desabituada a tais novidades, fez Viviane se encantar. Ela não tinha medo dos olhares resistentes e nem dos intelectos absolutos, nem mesmo dos mais fomentados debates, ele tinha gana de tudo isso e dos negros lindos que passavam pelas ruas.
Se eu aqui fosse discorrer de modo objetivo a história dessa loira, certamente muitos leitores iriam pensar que ela é só mais uma moça do interior que veio para a cidade e fez e aconteceu, porque a história de Viviane é no fim das contas só mais uma história entre tantas outras que ouvimos por aí. Exceto (e nesse caso o exceto tem peso) o fato da moça comum, de hábitos comuns, e sonhos comuns ser no fundo, bem lá no fundo, debaixo daquelas roupas sérias de trabalho e do modo magistral com que conduz os relacionamentos, uma louca de pedra. Ela quer conhecer e conhecer pra ela não é saber de cor os conceitos acadêmicos chatos, brilhantes e no fim das contas parciais, ela quer conhecer as histórias, os hábitos, as sensações, os desejos. Ela não quer sentar numa poltrona confortável assistindo o jornal e esperando que o mundo mude, ela quer sair e mudar o mundo. Ela não fez nem nunca vai fazer parte de nenhuma turma, não pelo motivo da maioria de não se encaixar, é porque ela se encaixa demais.
Viviane transita com habilidade entre o convencional e o insano, junta essas duas realidades opostas e mostra que o oposto é coisa da sua cabeça, e o pior é que você acredita, porque ela te prova isso com uma delicadeza bruta de quem já viveu muito e não viveu porra nenhuma. Porque ela ama a vida, ela ama tanto a vida que até o que abomina nela ainda soa e vibra vida.
Um dia talvez você passe por ela na rua. Um dia talvez uma rua que você conheça passe por ela, e você apressado(a) e desatento(a) nem a perceba. Mas deveria. Só ela consegue romper com o tradicionalismo com tanto ímpeto. Ela é uma Amélia feminista, uma santa profana, uma comum estranha. Ela nem faz ideia, mas se fizesse poderia mesmo transformar o mundo, e tanto ia fazer se ela fosse alcançar isso sendo a moça do interior ou a moça de todo lugar, até mesmo porque cosmopolita dos pés até a última gota de tintura loira do cabelo, isso não faz e nem nunca vai fazer a menor diferença. Até porque pra essa moça as diferenças são quase invisíveis, o que ela enxerga está além dos limites rígidos impostos pela sociedade, ela enxerga os olhares e o que se esconde por detrás deles, aquilo de que pouco se fala, aquelas coisas tolas que muitos insistem em ignorar, coisas assim como a amizade, esse sentimento e estado transitante que Mário Quintana sabiamente definiu como, "um amor que nunca morre". Que nunca morre loira. Que nunca morre loiras. Que nunca morre... Tiara Sousa

terça-feira, 7 de junho de 2016

LEMBRANÇAS ORNAMENTAIS

Acho um tanto infame, mas devo admitir que somente lá pelas 16 horas o dia começa a fazer sentido pra mim. É aquele momento em que os raios de sol parecem não provocar tanto calor e que as obrigações (eu lido com elas, mas não muito bem) começam a perder seu status. Na terça-feira passada neste exato horário, eu saí de casa em busca de alguma coisa nova, é necessário aqui ressaltar que diferente da maioria das pessoas, eu também não lido bem com coisas novas. Vou sempre aos mesmos lugares, sento nas mesmas cadeiras, leio os mesmos autores e repito os mesmos erros. Mas naquela terça não, naquele dia em especial eu queria algo diferente pra ornamentar as minhas lembranças futuras.
Entrei no carro sem paradeiro e sabendo que onde quer que eu fosse parar não haveria ninguém esperando por mim, a sensação de não ter ninguém a sua espera é de liberdade e solidão, duas das minhas quase paixões quase correspondidas preferidas. Nos raros momentos em que tenho esses rompantes acabo parando na praia, é que quanto mais decidida a romper com os hábitos cotidianos eu estou, menos eu consigo. O medo e o comodismo sempre comandaram capítulos importantes da minha estranha biografia. Ou talvez eu acabe por costume parando na praia pelo motivo óbvio de que vivo numa cidade quase que provinciana cercada de água por todos os lados. Ou talvez seja o meu condescendente amor pelo mar. Eu gosto do vazio. O vazio me acomoda, todo o resto me soa caótico. O mar me soa vazio. Sempre o percebi assim. Mas é importante ressaltar(não, não é importante ressaltar), mas ressalto assim mesmo que nesse dia em especial eu não acabei indo parar na praia. Gastei aproximadamente um quinto do meu precioso tanque de combustível pra chegar num bairro comum que poderia facilmente ser confundido com qualquer bairro de periferia da minha cidade. Estacionei o carro próximo a uma pracinha que embora me recordasse uma imensidão de coisas, fosse pelo visual abandonado e simplório, fosse pelo olfato, sentido que embora prejudicado por anos de dependência de nicotina ainda é o que mais me provoca lembranças e impressões, nunca havia estado ali. Um lugar novo e contraditoriamente encharcado de melancolia. Sentei num banco degradado da praça e passei aproximadamente uma hora ali, vendo pessoas, coisas e comportamentos, tentando compreender realidades submissas, histórias diferentes, peles marcadas, honras roubadas, conhecimentos exibidos e ignorâncias expostas. Tentando compreender talvez algumas coisas sobre mim, como o porque de eu ter saído com o vestido estampado e não com o short jeans naquele dia, ou o porque de eu ser alguém tão pouco sociável e simpática, ou então o porque de cem por cento do mundo que me cerca não atender as minhas expectativas sonhadoras e infantis. Ou talvez tentando apenas compreender as últimas notícias dos jornais, uma presidenta colocada num processo de impeachment por corruptos abraçados por boa parte da população, uma adolescente estuprada por mais de 30 homens acalentados por uma gente cruel que ao invés de debater a monstruosidade dos estupradores, gastam seu tempo julgando a exposição ao perigo em que a vítima se colocou, ou ate mesmo julgando a própria vitima.
E enquanto as crianças corriam pela praça, e os adolescentes declaravam suas paixões, considerando eterno o que só poderia mesmo existir no efêmero, e que os adultos apressados passavam com as suas compras do mercado, eu ali, tentando enxergar os motivos de um mundo tão cruel e pior, tentando conviver com o fato de ser parte dele.
Até o momento em que algo desfez meu superior desânimo e minha resistente distração, um homem de uns setenta e poucos anos, passou pela praça numa tranquilidade quase que inaceitável para o resto do mundo, aparentando nenhuma pressa, levantou a cabeça, suspendeu os olhos e por dois ou três minutos olhou para o céu, depois abaixou a cabeça, sorriu e voltou a caminhar. Não sei quem é esse senhor, seu nome, endereço, profissão ou estado civil, e nem mesmo troquei uma única palavra com ele, mas mesmo o desconhecendo nunca obtive de alguém como obtive dele uma resposta tão absolutamente satisfatória a um questionamento... Não faço ideia se ele olhou para o céu num ato de fé, de contemplação ou de qualquer outro motivo, mas se dentre tantas coisas ele parou e olhou e sorriu, ainda devem haver sensibilidades se sobressaindo a friezas, juras de amor vencendo duelos com juras de ódio, sofrimentos desaparecidos por momentos de alegria. Se aos setenta anos um senhor pode parar tudo o que está fazendo (ainda que o que esteja fazendo seja nada demais) para olhar para o céu, deve certamente existir um motivo pra naquela tarde eu trajar um vestido estampado ao invés de um short jeans, pra ser alguém tão pouco sociável e simpática, ou pra cem por cento do mundo que me cerca não atender as minhas expectativas sonhadoras e infantis.
Porque se ele pode olhar para o céu e sentir-se feliz somente por isso, talvez o mundo não seja por fim um lugar povoado por gente tão cruel, talvez eu apenas nunca antes tivesse sentado no banco certo, da praça certa, do bairro certo. Ou Talvez simplesmente eu, nós, só nunca antes tivéssemos olhado para o lugar certo. Foi essa a resposta ao meu questionamento, um questionamento nunca dito antes em voz alta, mas por tantas vezes gritado em silêncio. Depois levantei entrei no carro e saí. Não faço ideia de que bairro era aquele e nem como consegui encontrar o caminho de volta. Só sei que no dia seguinte acordei ás 7 da manhã como de costume, mas foi diferente, de repente me dei conta que mesmo tão cedo, o dia já fazia todo sentido pra mim.  Então tomei banho, me arrumei e saí, dessa vez sabendo exatamente para onde iria e que haveriam pessoas esperando por mim. Tiara Sousa


terça-feira, 29 de março de 2016

#NÃO VAI TER GOLPE!!!

Descobri há pouco tempo que detesto os tons pastéis, eles são omissos, e tornam tudo em sua volta igualmente omisso, é que o que eu detesto mesmo é a omissão. Sinto frustrar quem espera deste blog um texto claro e objetivo sobre as razões de eu ser contra o impeachment, contra os modos antidemocráticos e duvidosos do Juiz Sérgio Moro, contra a oposição aproveitadora, oportunista e golpista, mas é que alem de eu (pessoalmente falando) não ser clara e objetiva nunca (nunca mesmo), já tem muitos textos com essas características por aí, em sites e blogs mais famosos, contundentes e interessantes do que o meu, e não tenho nem a pretensão de doutrinar e influenciar quem quer que seja, deixo isso pra mídia e pra oposição, e nem a pretensão de educar político, social e culturalmente as pessoas, deixo isso a critério dos intelectuais (de esquerda ou não), eu apenas não consigo ser omissa.
Há um tempo atrás um cara me disse que tava aprendendo a me amar, o achei ignorante, tolo, abominável e disse a ele: - Eu não sou amável, não sou encantadora, não sou surpreendente, e conviver comigo é um caos no marasmo, mesmo assim é fácil me amar, se tiver um Q.I razoável. Ele não entendeu porra nenhuma, nunca mais o vi, deve estar assistindo o Jornal Nacional agora, jurando estar bem informado.
Tenho consciência que a maior parte das pessoas gostam de estar cercadas de outras pessoas, e eu, gosto da solidão de um quarto vazio, um cigarro, e a multidão que povoa a minha cabeça, desde que permaneça na minha cabeça. Não sou tão sensível quanto aparento em alguns dos meus textos, é que por vezes a sensibilidade soa tão superficial quanto os rótulos. Eu sou egocêntrica demais pra me encaixar em qualquer bando, olho em volta e me acho superior a 90% do mundo, não, eu não sou tão convencida, é que as pessoas estão fúteis demais, tá tudo fútil demais e as fronteiras só evidenciam tais extremas futilidades.
Mas eu não sou superior né? Sou apenas mais alguém mesquinha, pequena e egoísta, viciada em analgésicos, cigarros, observações e fantasias, que morre de preguiça de debater com os mais intolerantes e os menos instruídos, e que se cala, por se achar a tal. No fundo eu respeito a opinião alheia, mesmo que divergente a minha, e sei que não tô sempre certa, afinal nunca consegui ser povo, mesmo tendo sido povo a vida inteira. Quanto mais egocêntrica sôo, mas banal eu me torno, porque talvez a mim seja interessante e baste trajar uma camisa vermelha sozinha, mas não é, sempre vou precisar que outros trajem comigo, isolados não vencem batalhas, as batalhas são vencidas de mãos dadas.
Quando eu tinha nove anos, uma professora me pediu pra ler a minha redação na frente da turma, porque ela tinha gostado, eu queria, mas não soube dizer não, levantei da carteira e tremendo como um alcoólatra em abstinência, comecei a ler, e quanto mais lia, mais despida me sentia, acho que aquela sensação nunca passou, só escrevendo eu estou nua, então não julguem a flacidez das minhas palavras, ou as gorduras localizadas nelas, nem mesmo suas celulites e estrias, pois por pior que elas soem, elas soam, e tudo o que pretendo com elas é que pensem, e tirem suas próprias conclusões, mas pensem, pensem mesmo.
Diferente de muitos discursos e opiniões as quais algumas eu respeito e outras são apenas insegurança de dizer o que acha e achar o que acha, falando ser contra o impeachment, mas também contra o governo Dilma, e não gostar ou simpatizar com o PT, a minha é diferente. Eu sou contra o impeachment, a favor do governo Dilma, e gosto e simpatizo com o PT, detesto os tons pastéis, eles são omissos, e tornam tudo em sua volta igualmente omisso, eu visto vermelho, isso não me torna menos brasileira e nem mais egocêntrica. Isso não me torna nada,  já sou suficiente. Mas quem divergir de mim, não leve para o lado pessoal (eu não levo), é que eu não sou amável, não sou encantadora, não sou surpreendente, conviver comigo é um caos no marasmo, mas mesmo assim é fácil me amar, se tiver um Q.I razoável, é claro. Tiara Sousa

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

BALZAQUIANA ou QUE COR É MESMO MAGENTA?

Tenho algumas promessas a cumprir, coisas tolas como beber mais água, ser mais prática, experimentar novos sabores, viajar mais, chorar de vez em quando. É diferente agora. Dez anos antes eu esbarraria numa rosa vermelha qualquer, desabaria sobre ela todos os estragos do meu peito jovem até que ela ficasse verde, azul ou muito provavelmente magenta, ainda que eu não soubesse que cor era mesmo magenta. Agora não. Agora eu dirijo meu carro esperando que alguma blitz me pare e algum conhecido apareça e me pergunte como é que estou, só para eu responder que mesmo estando tudo uma merda aqui fora, eu nunca estive tão bem aqui dentro.
É estranho, por vezes me sinto com sessenta anos, torcendo pra chegar em casa e deitar na minha cama e ler ou assistir TV pra descansar do mundo, porque ando muito cansada de tudo, por vezes tenho quinze anos e tudo no meu corpo é sentimento, e eu desfilo de biquíni por aí atraindo olhares que nunca me olham de verdade, porque olhar de verdade é saber que o tempo vai me ferir em uns mil lugares diferentes e vai doer tanto e cada vez menos, até não doer mais.
As paixões já não soam tão dilacerantes, e os dias correm cada vez mais, o homem que na época dos meus vinte anos era o homem da minha vida, de repente é só um cara por quem eu jamais me interessaria. Não tenho mais um prato favorito, é cada vez mais difícil encontrar um sabor novo e interessante, já conheço tantos e me enjoam. Outro dia um senhor sentou ao meu lado na sala de espera de um consultório, iniciamos uma dessas conversas corriqueiras, quando chegou sua vez de consultar, ele se despediu dizendo que eu era muito jovem pra ter os olhos tão tristes, que não deveria ser assim quando ainda tenho muita vida pela frente, mas é que eu olho em volta e parece que já vivi tanto dentro do meu peito que até os orgasmos mais empolgantes são apenas orgasmos, e passam.
Aprendi que não há nada mais cruel do que aprender, talvez por isso antes o meu maior pesadelo era andar nua pelo centro da cidade e agora, por alguma estranha razão, é estar vestida numa praia de nudismo, eu não quero ser a única a estar vestida num lugar onde todos estão nus, eu realmente não quero.
Cansei de esperar a hora certa de fazer as coisas, se eu tô afim, vou lá e faço, se não tô, ninguém me influenciará a fazer, eu acho. Cansei de meias palavras e meios sentimentos e meias atitudes e meios termos, eu tô inteira, gosto de gente inteira por perto. Cansei de muitas outras coisas também, mas que se dane, nem vale a pena contar.
O amor não é mais escasso, a escassez agora é outra. O sexo não é mais tabu, tabu é só um dilema do que pôr na lista de supermercado. Os estranhos são as pessoas mais interessantes agora, na realidade sempre foram, só que não se sabe disso aos 15, 20 anos. A vida ainda é um mistério, mas nada é tão novo, nada é o ponto G, e se alguma coisa é o ponto G, fudeu, deve valer muito a pena.

Nenhuma dor, medo ou paixão são maiores do que eu. A rebeldia agora precisa de causa e ela precisa ser nobre, senão não vale o esforço. Nem lembro mais há quanto tempo a última palavra não precisa mais ser a minha. Tenho toda pressa do mundo e nenhuma pressa, nada demais... É só que aos 30 anos as rosas vermelhas permanecem vermelhas, ainda bem, pois eu continuo não fazendo idéia de que cor é mesmo magenta. Tiara Sousa