sábado, 23 de setembro de 2017

BANG – A GENTE NUNCA CRESCE

Precisei chegar aos 32 anos de idade, ver meus ex casarem com mulheres menos belas, inteligentes e complicadas do que eu, ver a crise econômica se instalar no meu país, ver uma presidenta ser arrancada do cargo por uma quadrilha, ver meus amigos homossexuais serem taxados de doentes em pleno ano de 2017, ver o pôr do sol em Punta Del Este e em Coroatá (e concluir que o de Coroatá é mais bonito), ser mãe aos 18 anos e adolescente aos 30, ser traída, ser usada, ser aplaudida, amada, odiada, discriminada, infinitamente bem comida, infinitamente mal correspondida. Ler teorias da comunicação e Shakeaspeare no mesmo intervalo de tempo, ouvir a Nona Sinfonia de Bethoven e Bang de Anita (adoro essa música), precisei de tudo isso pra entender uma coisa bem pequena, Freud, meu caríssimo, genial, fodástico Freud, não explica porra nenhuma. Chico Buarque de Holanda, que é o maior ídolo que tenho na vida, não explica porra nenhuma. Brecht, que foi um acontecimento em muitos e geniais sentidos para o Teatro e para a Literatura, não explica porra nenhuma. Ninguém explica. Quem quiser entender alguma coisa que viva e sobreviva e compreenda sozinho.
Na quinta-feira, voltando com a minha amiga da balada (adoro essa palavra, faz eu me sentir tão jovem), concluímos que a gente nunca cresce, sabe a tua avó, aquela senhorinha meiga e curiosa que já viu muito, passou por muita coisa, teve perdas irreparáveis, teve ganhos também, você deve ser um desses ganhos, pois é, a tua avó também não cresceu. A gente aprende, desaprende, aprende um pouco mais, perde o brilho da juventude, o tônus muscular, a memória exata do primeiro beijo vai ficando embaçada, o colágeno então, filho da mãe, esse é o primeiro a começar a ir embora, perde flores que murcham antes de estarmos preparados para ausência delas. Em compensação a gente ganha, a gente ganha novas memórias, de novos beijos, a gente ganha filhos (Tem ganho mais lindo? Tem não), a gente ganha laços, ganha cicatrizes, a gente ganha tranquilidade emocional pra aceitar quando as flores murcham, ganha conhecimento e novidades. Mas a gente nunca cresce.
A gente nunca cresce porque toda alegria é pela primeira vez, toda tristeza, toda paixão, todo ódio, todo amor, todo sexo, toda dor, todo fim, é pela primeira vez. É sempre pela primeira vez. O olhar sobre os acontecimentos pode até mudar, quase sempre muda, mas sentimento é sempre novo, é sempre inebriante, estarrecedor, único, informal, perigoso, vivo, muito vivo. A gente nunca tá preparado e isso é tão ruim, e isso é tão bom.
Quando eu tinha 9 anos, no primeiro dia de aula do que na época chamávamos de 3ª série (agora é 4º ano, até isso mudou), uma professora chamada Claudete me perguntou o que eu iria ser quando crescesse, eu respondi que ainda não sabia. Faz um bom tempo que estou atrás de Claudete, que atualmente deve estar na casa dos 50 anos e ainda deve ser a ótima professora que sempre foi, é que eu quero dizer a ela que agora eu já sei a resposta pra essa pergunta. Professora Claudete que lecionou na escola Centro Educacional Colméia no ano de 1994, se você estiver lendo isso agora saiba que a minha resposta pra o que eu vou ser quando crescer, é que eu nunca vou crescer, que vou sempre sentir como aquela garotinha de 9 anos a quem você deu aula e ensinou a escrever seus sentimentos num diário, nada mudou dentro de mim, só por fora que tem muita novidade, um dia eu te conto, sei que vou te encontrar com outra aparência, mas não tem problema, conto assim mesmo, aparências não me enganam, tenho certeza que você também nunca cresceu, e não foi Freud quem me explicou isso, ninguém me explicou, eu entendi... A gente nunca cresce. Tiara Sousa

sábado, 16 de setembro de 2017

BASTIDORES

Imagem retirada do site A Escotilha
É a sétima vez que tenho esse mesmo sonho, isso já tem dois meses, exatamente o mesmo sonho.
Nele eu caminho pela rua, mas a rua só existe pra mim, para o restante das pessoas ela é uma ilusão, como se fosse um cenário montado num palco de um teatro qualquer do subúrbio de uma cidade caricata em que tudo é comum. E atrás desse palco, olhos. Sem camarim, sem métrica, sem figurino, sem pintura. Neles, uma crueldade sensível, dessas que só encontram raramente e em pessoas que não importa a conjuntura familiar, já nasceram sem lar e sem rumo, ainda que dentro de um lar cheio dos melhores sentimentos e intenções.
Dessas, que são o próprio subúrbio, sem os hábitos, os modos, a liberdade despretensiosa, mas ainda assim o subúrbio, de tudo o que te disseram que era coerente ser, e ás vezes desconheço esses olhos, que são castanhos, escuros, pequenos, daqueles que num sorriso quase se fecham, ás vezes não, ás vezes esses olhos são meus.
Tento encontrar esse palco, e os olhos atrás desse palco, influenciada talvez pelos filmes da sessão da tarde que assisti na infância quase creio ser possível, imagino uma máquina do tempo que me leve ao tempo dos outros, aqueles para a qual a rua ainda é uma ilusão, aqueles que enxergam o cenário, o palco, os bastidores. Confusa, massacrada e violada pela espera de uma máquina do tempo que não chega pra me tirar dali, do meu tempo, corro sem direção, mas não há nada, então dou de encontro com um homem lindo, aos meus padrões é claro, o que lhe confere ser um tanto desleixado, com um modo incompleto de olhar, ele parece se questionar sobre alguma coisa, talvez sobre a vida, a economia ou alguma mulher desinteressante e comedida, talvez uma dessas novas feministas que saem por aí apenas de sutiã vermelho e militam em redes sociais, e só de pensar que esse tipo de mulher pode ser quem rouba os sentimentos e pensamentos dele, me calo, desisto de pedir ajuda, perco o interesse ainda verde e continuo a caminhar...
Canso, resolvo sentar num banco de cimento velho e quebrado numa praça em que crianças fingem ser crianças, como se ainda fosse possível ser só isso num mundo tão afetado e disforme, na minha cabeça uma música de Marisa Monte e uma carta que nunca escrevi, um e-mail que nunca enviei, uma paixão platônica da pré-adolescência e o “Estrangeiro” de Camus. Olho em volta e a rua continua a mesma, real, sem cenário e sem palco, e continua só existindo pra mim, e continua sendo apenas uma ilusão para todo o restante das pessoas, e então eu tento chorar, mas não consigo, e me desespero pela conclusão que o tempo não volta e que vai continuar sempre assim, tudo real.
Então acordo. Abro o notebook e num site de buscas, tento encontrar o significado desse sonho, mas não encontro, nunca encontro, nenhuma das sete vezes, o meu impulso é ficar estática, deitada na minha cama esperando despertar, com medo de levantar e ir até a rua e perceber que assim como no sonho ela é real, porque se ela for real vai deixar de existir dentro de mim, e vai fazer sentido, e coisas com sentido me atordoam. Mas não sigo meu impulso imediatamente, levanto corajosamente lembrando que os mais velhos e mais sábios costumam dizer que a gente só aprende na dor, que só na dor crescemos e somente diante dela entendemos as coisas, então decido sair, tomo banho, me visto, mas cada vez que olho pela janela o mundo é um lugar pior, e assustada acabo ficando, pensando nesse sonho repetitivo e incomodo, pensando na rua que vejo, e no cenário, no palco, nos bastidores que não encontro... Concluindo que a arte é tímida, se expressa pelos becos escuros dos subúrbios manchados de sangue e suor do povo, que o palco é a manifestação da arte, e que a arte meus caros artistas, trabalhadores, intelectuais, apreciadores... A arte é os bastidores, os olhos sem camarim, sem métrica, sem figurino, sem pintura, olhos que podem ser seus e que podem ser meus. E então compreendo tudo, sobre esse sonho que me diz que a rua é uma ilusão para todos e que apenas eu a enxergo como real. Compreendo tudo... Esse sonho que se repete é o efeito do tempo sobre mim, é que ás vezes eu acho que acordei de todos os meus sonhos, e só de achar isso, acordo de muitos deles. Tiara Sousa