domingo, 30 de setembro de 2012

Larissa


Amanheceu Larissa, e o mundo tá tão vazio que eu só sei que amanheceu porque alguém contou, já que eu nem pude perceber o Sol. Como é que se diz eu te amo, assim tão de longe, se quase nunca te vejo, se eu nem conheço essa dor que de tão tua, de tão distante, de tão desconhecida, já é tão minha, tão próxima, tão intima. Eu perguntei a algumas pessoas: Afinal, onde é que fica o fim da tristeza? Mas ninguém soube me responder, e eu precisava tanto saber, só pra te contar Larissa, só pra te contar.
Eu passei tanto tempo incomodada com a aglomeração de pessoas, com o caos no transito, com os sons altos, com a minha rotina, com as minhas ocupações, que nem reparei que a tua tristeza tinha deixado o mundo assim, tão vazio, que nem pensei numa maneira de te alegrar, e agora fico me perguntando, como é eu posso te alegrar, se os olhos dos teus filhos não fizeram. Como é que eu posso te alegrar?
Não chora Larissa, você sempre foi pura demais pra esse mundo cruel, eu sei. Mas vai passar, essa dor que invadiu a casa, que invadiu o guarda-roupas, que invadiu as ruas, que invadiu você, vai passar.
Dói tanto não é, as flores murcharem, as pessoas magoarem, o dia nascer enquanto se morre por dentro, o dia nascer enquanto se procura um canto escuro onde ninguém entrou. É ter pernas e se sentir amputado, é ter visão e se sentir cego, é ter motivos de alegria e se sentir triste, e mais triste, e mais triste, é de repente deixar de sentir.
Mas eu sinto que você ainda há de ver o mar e sorri, nós ainda vamos brincar, lembra de como é brincar? Pois é, nós vamos brincar livres, felizes e inocentes, como fazíamos quando éramos crianças, e não haverá tristeza no mundo que invada nossa brincadeira. Um dia o mundo será puro como você e aí vai ser tudo mais simples, eu prometo, vai ser tudo mais simples.
Sabe Larissa, quando você acordar, levantar dessa cama, o mundo não vai mais ficar vazio, nunca mais, quando você acordar eu finalmente vou saber onde é que fica o fim da tristeza, e vou esquecer a aglomeração de pessoas, o caos no transito, os sons altos, a minha rotina, as minhas ocupações e vou aí correndo te contar. É só você acordar Larissa, e eu vou correndo te contar que o fim da tristeza é você levantando dessa cama e tirando o vazio do mundo com o teu sorriso.
Então eu vou dizer: Olha o céu Larissa, olha o mar, olha a tua família, os teus amigos, olha o sorriso das tuas crianças, olha o sorriso de todas as crianças, olha alguma coisa, mas olha agora, olha agora, olha agora minha irmã. Tiara Sousa



domingo, 23 de setembro de 2012

O amor


Amamos o chão em que pisamos, os caminhos que percorremos, os amores que encontramos, e antes de tudo isso já amávamos o chão em que não pisamos, os caminhos que não percorremos, os amores que não encontramos. Sinto dizer, e como sinto... Mas o amor não é o delírio presente nos poemas, nem a revolta situada na ausência, nem a ansiedade transitando nos corpos, o nome disso é paixão. O amor é a primeira coisa que o cego gostaria de ver, a primeira palavra que o mudo gostaria de falar, a primeira música que o surdo gostaria de ouvir, é tudo o que as cartas não conseguiram descrever. O amor são os amigos que estão sempre ali, mas um dia podem não estar e não estando ainda estarão de alguma maneira, é a proteção da família que um dia pode não conseguir proteger mas sempre vai tentar, é gostar gratuitamente e tanto e não ter a dimensão do que significa gostar gratuitamente e tanto, de tanto gostar. O amor é querer bem, mais do que querer perto, mais do querer certo, mais do que querer junto e isso é tão nobre que até parece ilusão.
Amamos as ruas que de tão nossas, nunca foram nossas, amamos os abraços, aqueles que de tão confortantes nem estão nas fotografias, amamos as bocas que ainda iremos beijar, o tesão que ainda iremos sentir, e antes de tudo isso amamos saber que amaremos mais do que amávamos os abraços que já demos, as bocas que já beijamos, o tesão que já sentimos, porque somente o amor pode vir antes de tudo isso ainda que venha depois, por que somente o amor ainda vai querer bem quando os abraços não estiverem ao alcance dos braços, quando os beijos não forem mais novidade, quando o tesão passar. Sinto dizer, e como sinto... Mas o amor não é o desespero da dúvida, nem a impulsividade do desejo, nem a tristeza profunda e temporal, o nome disso é paixão. O amor é aquela frase engasgada que precisamos tanto falar e não falamos pra não magoar, o amor é respeitar tanto alguém a ponto de agir como se esse alguém estivesse sempre ao lado ainda que esteja a quilômetros de distancia, o amor é sentir-se em casa ao ouvir uma determinada voz, é se comunicar através de olhares, é se compreender. O amor é se preocupar mais do que precisa, é precisar muito, mais ainda assim precisar menos do que se preocupa e isso é tão nobre que até parece ilusão.
Gostamos da procura, da indagação, da atitude, do mistério, do perigo, porém não amamos nada disso, nós amamos mesmo é o encontro, é o familiar, é a naturalidade, é a clareza, é a segurança. Devo admitir que há paixão num tipo de amor (o amor romântico), porém sinto dizer, e como sinto... Que quando é amor, ama-se antes, ama-se durante e ama-se depois, só durante é só paixão, quando é amor a dor não corrompe transformando em ódio, se corrompe, é só paixão, quando é amor não é egoísta, se é, é só paixão, quando é amor cuida-se e não apropria-se, pois se crê-se dono(a) é só paixão. O amor é poder dizer tudo e é poder dizer nada, o amor é poder fazer tudo e é poder fazer nada, é simples e é grande como sentir. O amor é inconscientemente de extrema consciência, é ir a um jardim e encontrar rosas que vai se regar sempre, se querer sempre, se admirar sempre, mesmo quando perderem o perfume, mesmo quando murcharem, mesmo quando não estiverem, e isso é tão belo, tão puro, tão nobre que até parece ilusão. Tiara Sousa

domingo, 16 de setembro de 2012

Sobriedade


Um dia você senta ao redor de uma mesa de bar e esquece que é tímido, que é introvertido, que é introspectivo, que sobretudo é sensível e frágil, porque naquela mesa tem um copo cheio de ilusão e essa ilusão parece ser aquela pela qual você esperou a vida toda, a ilusão de ser igual a todo mundo, de sorrir igual a todo mundo, de viver intensamente como todo mundo, a ilusão que te encaixa, que te da voz, que te faz não ter vergonha de ser observado. E mesmo sabendo que além daquela ilusão há uma realidade que torna-se mais inalcançável a cada dia, pois as coisas acontecem e você nunca está lá é tão difícil abandonar aquele copo, por que com aquele copo você não sente a dor de antes, com aquele copo a timidez vai embora, com aquele copo você fala, gesticula, canta, dança e paquera com uma facilidade “natural”, com aquele copo você é alegre como uma criança que tem seu capricho atendido.  Mas se um dia você corajosamente abandona aquele copo, então passa a ver as coisas do alto, e vê-las assim tão do alto é seguro, porém desconfortável, é singelo, porém estranho, é tão desconfortável, é tão estranho, é mais solitário que ter 80 anos e sentir uma profunda saudade da juventude, é muitas vezes ainda ter a juventude e ter saudade dela, é silencioso.
A sobriedade não é sentir falta do que tinha naquele copo, o nome disso é abstinência e abstinência devasta, mas passa logo, a sobriedade é não sentir-se parte de nenhuma turma, é estar num bar, boate ou festa e não conseguir aceitar os convites pra dançar, é não se entregar completamente a novos relacionamentos, é fugir de tudo que tira o ar, é fugir de tudo que emociona, é fugir de absolutamente tudo de humanamente sensível que habita em você, é atravessar a rua apressado quando se depara com uma possível paixão por temor dessa paixão te causar mágoas profundas e te levar de volta pra aquela mesa, pra aquele copo; A sobriedade é por derradeiros instantes sentir falta de como você era quando aquele copo era o seu copo, a sobriedade é não querer  sentir falta de como você era quando aquele copo era o seu copo.
A sobriedade é como escolher nunca mais correr por medo da queda, é como escolher nunca mais se apaixonar por medo da dor, é como escolher nunca mais tomar banho de chuva por medo do resfriado, é ter a ilimitada e continua coragem de se curvar ao medo e aceitá-lo como algo bom, difícil, mas bom; É insuportavelmente real, é saber que nunca mais você vai vislumbrar a ilusão com tanta liberdade e desprendimento, é uma atitude corajosa, talvez a mais corajosa atitude que um sensível pode ter, a atitude de viver 24 horas do seu dia, 7 dias da sua semana, todos os dias do seu mês, 12 meses do seu ano e os anos restantes da sua vida na realidade, e relevem o linguajar, mas tantas vezes a realidade é uma filha da puta, e dói pra caralho e abandonar a ebriedade é sentir essa dor sem morfina, é consciente, é heroico, é produtivo, é FODA em muitos altos níveis.
E haverá dias em que você vai aceitar uma dança, talvez duas. E haverá dias em que você vai paquerar e talvez até se entregar a um romance. E haverá dias em que você estará num bar sentado á mesa e até conseguirá bater um papo descontraído, fazer novos amigos. Não serão todos os dias, nem será fácil. Na verdade ainda serão raros dias assim. Mas não haverá um dia sequer que você esquecerá que agora o que há em seu copo é água, mas não haverá um dia sequer em que você não se sentirá como uma criança aprendendo a caminhar, a socializar, a falar, a viver, não haverá um dia sequer em que você não se sentirá como um adolescente tentando se encaixar e não conseguindo, não haverá um dia sequer em que você não se sentirá um idoso olhando tudo do alto, enxergando a ilusão em que você um dia habitou, não haverá um dia sequer em que você não seja tentado a desistir e principalmente, não haverá um dia sequer em que não aconteçam conquistas que o façam crer que vale a pena e o faça dormir sentindo-se um vencedor, um herói da sua própria história, alguém de quem você se orgulha muito. Orgulhosamente Tiara Sousa

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Sentir falta não é saudade


Sentir falta não é saudade, sentir falta está em qualquer idioma, fica em qualquer coração, mora em qualquer buraco, come qualquer resto. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é lembrar da alegria imensa que sentíamos ao ganhar um idealizado brinquedo quando crianças e constatar que nunca mais ficaremos alegres daquele jeito pelo ganho de uma coisa tão simples, e que talvez nunca mais fiquemos alegres daquele jeito. Sentir falta é passar por uma rua e lembrar como ela era há anos atrás e saber que aquela rua, aquelas pessoas e até nós mesmos não seremos mais como éramos. Sentir falta é duas doses de whisky e nenhuma pedra de gelo, é inapropriado, é cotidiano, é intimo, é familiar, e quanto mais sentimos, mais fica inapropriado, mais fica cotidiano, mais fica intimo, mais fica familiar. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é uma verdade enfeitada com miçangas e paetês pra não assustar tanto, é uma ressaca moral, é um desgosto costumeiro, sentir falta é a prostituta na esquina aguardando mais uma dor de no máximo uma hora, é imoral. Sentir falta é a mesa posta, a comida pronta e a pessoa não chegar, é o sorriso fingido escondendo uma nova tristeza pra não incomodar ninguém, sentir falta é desejar Feliz dia dos pais pelo telefone, é gelado. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é mandar pra “aquele lugar” alguém que você quer em seus braços, é corajoso. Sentir falta é bater papo na internet num sábado á noite, é caminhar de cabeça baixa pra que ninguém olhe nos seus olhos, é solitário. Sentir falta é sair por aí tarde da noite se expondo aos mais diversos perigos pra comprar uma carteira de cigarros, é ansioso e impensado. Sentir falta é olhar uma foto antiga e ter a ilusão de que se era mais feliz, é sempre ter a ilusão de que se era mais feliz, é fantasioso. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é assistir o mesmo filme várias vezes, é ouvir a mesma música várias vezes, é ler o mesmo poema várias vezes, é amar a mesma pessoa várias vezes, é varias vezes inevitável. Sentir falta é um monologo, é um quadro isolado pendurado na parede de uma sala de estar, é uma garagem escura, é uma crônica traduzindo o que sentimos, é invasivo. Sentir falta é a infância da saudade, é a paródia da saudade, é o projeto da saudade, é a saudade pedindo esmola. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Saudade é a agonia de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar”; Saudade é a dor imensa de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”; Saudade é a loucura de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade dói latejada, é assim como uma fisgada no membro que já perdi”. A saudade é um pedaço inteiro de alguém, é alguém inteiramente despedaçado, é você ir a todos os lugares que costuma frequentar e não se encontrar em nenhum deles. Tiara Sousa