Para os leigos acerca da vida desinteressante e
não tão subversiva desta autora que vos fala, devo começar lhes informando que
eu, Verissa e Viviane somos amigas de infância, segundo Verissa, da infância
dela, porque eu e Viviane somos um pouco mais velhas...
Depois de tantos anos, noites, descobertas,
merdas (sim, merda) é só juntar essas duas loiras com esta preta que vos fala
que a Segunda Guerra Mundial fica parecendo história em quadrinhos ou no máximo
filme de arte francês, subjetivo e sonolento.
Pois é, depois de tanto tempo e transformações eu e esses dois seres humanos
ainda quebramos o pau de vez em quando, ainda choramos lágrimas de crocodilo
umas nos ombros das outras, ainda arquitetamos planos surreais de como assaltar
bancos e ficar ricas, ainda nos amamos. Somos três pessoas extremamente diferentes, nos
vestimos diferente, vemos a vida de uma perspectiva diferente, sonhamos sonhos
diferentes, mas andamos por aí como se fôssemos siamesas. Claro que não foi
sempre assim e nem será, mas as mesmas ocasiões que por tantas vezes nos
separam, por vezes acabam nos unindo.
Verissa é a contradição em pessoa, isso pode
soar como falta de personalidade, mas é só passar cinco minutos com ela pra
compreender que o óbvio pode entrar em contradição e que só pra contrariar o
que ela tem é excesso de personalidade. Eu não, posso facilmente ser confundida
com uma revista de variedades ambulante, tudo em mim nasce do excesso, é
informação demais para um conteúdo tão intento e no fundo mais simples do que
parece, beirando o comum, desorganizado e fatorial. Já Viviane, é o mais distante possível de uma
expressão condescendente, ela é o oposto do que você pensou, ela é sempre o
oposto, e é por isso que após essa introdução, devo confessar que é dessa moça
que hoje comemora aniversário que vou falar, e antes que você leitor pare a
leitura por aqui, supondo que esse é somente mais um texto apaziguador sobre
uma amiga, e que não vai acrescentar nada mais a sua vida, aconselho que continue
a leitura, pois até o fim você irá encontrar alguma coisa nesta moça que tem em
todas as moças, que tem em você, e nunca mais vai esquecer...
Eu e as meninas temos o hábito burguês de tomar
banho de piscina na casa de Verissa, não por futilidade, mas por uma questão de
entretenimento. Há muito tempo que eu almejo o dia ensolarado em que ao invés
de eu entrar cuidadosamente na piscina irei simplesmente me jogar lá, sem me
preocupar com a profundidade, sem calcular os riscos, sem temer as
probabilidades de eu me machucar e quebrar todos os meus ossos, mas nunca
consigo. Meu corpo inteiro se paralisa diante do novo, do desconhecido. Viviane
não, ela não pensa. Vestida, ela simplesmente se joga. Não que não exista temor,
existe, sempre existe, mas pra ela se jogar é mais importante. Viviane é o tipo de pessoa que poderia ter nascido em
qualquer lugar do Brasil, ela certamente se adequaria a cultura e a crença, mas
desatenta nasceu numa cidadezinha de aproximadamente seis ruas chamada
Bequimão, isso mesmo, interior, baixada maranhense. Lá naquele lugar, onde
Judas perdeu as botas, onde a internet, a TV a cabo e o celular touchscreen são
acontecimentos de larga escala, onde tudo é observado através de uma lente de
aumento, e sim, onde claro, ainda se fazem grandes festas de inauguração de
piche(que é como os conterrâneos chamam asfalto). Lá naquele lugar em que
(sofro em admitir) a beleza é singela como uma lágrima. Mas muito cedo, Viviane percebeu que ela era maior do
que Bequimão City (modo sarcástico como gostamos de chamar), que seus sonhos, e
desejos e sedes e fomes eram maiores do que todos os metros quadrados (como se
fossem muitos risos) daquele lugar. Então ela veio a São Luís, trazendo além de
roupas na bagagem uma vontade imensa de se reinventar. Só que São Luís, embora distante de um exemplo de progresso,
não tinha tanto em comum com Bequimão, eram muitos rostos estranhos, muitas
melodias novas, muitos conceitos abrangentes, muitas ocasiões, muitas tribos urbanas,
e o que poderia assustar muita gente desabituada a tais novidades, fez Viviane
se encantar. Ela não tinha medo dos olhares resistentes e nem dos intelectos
absolutos, nem mesmo dos mais fomentados debates, ele tinha gana de tudo isso e
dos negros lindos que passavam pelas ruas.
Se eu aqui fosse discorrer de modo objetivo a
história dessa loira, certamente muitos leitores iriam pensar que ela é só mais
uma moça do interior que veio para a cidade e fez e aconteceu, porque a
história de Viviane é no fim das contas só mais uma história entre tantas
outras que ouvimos por aí. Exceto (e nesse caso o exceto tem peso) o fato da
moça comum, de hábitos comuns, e sonhos comuns ser no fundo, bem lá no fundo,
debaixo daquelas roupas sérias de trabalho e do modo magistral com que conduz os
relacionamentos, uma louca de pedra. Ela quer conhecer e conhecer pra ela não é
saber de cor os conceitos acadêmicos chatos, brilhantes e no fim das contas
parciais, ela quer conhecer as histórias, os hábitos, as sensações, os desejos.
Ela não quer sentar numa poltrona confortável assistindo o jornal e esperando
que o mundo mude, ela quer sair e mudar o mundo. Ela não fez nem nunca vai
fazer parte de nenhuma turma, não pelo motivo da maioria de não se encaixar, é
porque ela se encaixa demais.
Viviane transita com habilidade entre o
convencional e o insano, junta essas duas realidades opostas e mostra que o
oposto é coisa da sua cabeça, e o pior é que você acredita, porque ela te prova
isso com uma delicadeza bruta de quem já viveu muito e não viveu porra nenhuma.
Porque ela ama a vida, ela ama tanto a vida que até o que abomina nela ainda
soa e vibra vida.
Um dia talvez você passe por ela na rua. Um dia talvez uma rua que você conheça passe por ela, e você apressado(a) e desatento(a) nem a perceba. Mas deveria. Só ela consegue romper com o tradicionalismo com tanto ímpeto. Ela é uma Amélia feminista, uma santa profana, uma comum estranha. Ela nem faz ideia, mas se fizesse poderia mesmo transformar o mundo, e tanto ia fazer se ela fosse alcançar isso sendo a moça do interior ou a moça de todo lugar, até mesmo porque cosmopolita dos pés até a última gota de tintura loira do cabelo, isso não faz e nem nunca vai fazer a menor diferença. Até porque pra essa moça as diferenças são quase invisíveis, o que ela enxerga está além dos limites rígidos impostos pela sociedade, ela enxerga os olhares e o que se esconde por detrás deles, aquilo de que pouco se fala, aquelas coisas tolas que muitos insistem em ignorar, coisas assim como a amizade, esse sentimento e estado transitante que Mário Quintana sabiamente definiu como, "um amor que nunca morre". Que nunca morre loira. Que nunca morre loiras. Que nunca morre... Tiara Sousa
Um dia talvez você passe por ela na rua. Um dia talvez uma rua que você conheça passe por ela, e você apressado(a) e desatento(a) nem a perceba. Mas deveria. Só ela consegue romper com o tradicionalismo com tanto ímpeto. Ela é uma Amélia feminista, uma santa profana, uma comum estranha. Ela nem faz ideia, mas se fizesse poderia mesmo transformar o mundo, e tanto ia fazer se ela fosse alcançar isso sendo a moça do interior ou a moça de todo lugar, até mesmo porque cosmopolita dos pés até a última gota de tintura loira do cabelo, isso não faz e nem nunca vai fazer a menor diferença. Até porque pra essa moça as diferenças são quase invisíveis, o que ela enxerga está além dos limites rígidos impostos pela sociedade, ela enxerga os olhares e o que se esconde por detrás deles, aquilo de que pouco se fala, aquelas coisas tolas que muitos insistem em ignorar, coisas assim como a amizade, esse sentimento e estado transitante que Mário Quintana sabiamente definiu como, "um amor que nunca morre". Que nunca morre loira. Que nunca morre loiras. Que nunca morre... Tiara Sousa