sábado, 7 de dezembro de 2013

QUERIDO NOEL

Texto dedicado a todas as criOnças do mundo!
Obrigada leitores!!! Até 2014 com mais textos!!!

- 28 de novembro de 2013 – 1ª Carta ao Papai Noel

Querido Noel, peço desculpas, pois embora visivelmente adulta, não fui uma boa menina esse ano, na realidade eu não fui uma boa menina nenhum ano, contei mais estrelas do que devia, sorri com a lua como se ela me correspondesse, comemorei tão exageradamente os raios de sol ou com igual exagero me revoltei contra eles, corri para a chuva enquanto todos corriam dela, e chorei as dores do mundo com uma propriedade que não cabia a mim. Mas apesar disso e por conhecer a sua grandiosa generosidade, afinal, um velhinho que poderia estar aproveitando a aposentadoria, sentado no sofá da sala, assistindo ao futebol enquanto come a comida requentada de anteontem, mas aproveita seu tempo para sair por aí distribuindo presentes para as crianças, deve mesmo ser muito generoso, então peço que atenda o meu pedido, o que eu quero de presente de Natal é só e simplesmente deixar de ser criança.
Sei que ama crianças e deve mesmo achar isso tudo da infância muito bonito, eu também acho, mas é que os anos se passaram e o mundo tem exigido de mim mais do que eu posso dar, logo eu que fui magoada tantas vezes e de meio milhões de modos diferentes e todos doeram com similar voracidade, que já magoei também e as vezes pessoas que amo, que já comi o pão que o diabo nem se deu ao trabalho de amassar, e que já fui tão triste e de vez em quando ainda sou, logo eu conheço a dor e sei o que é a realidade, que sou intima de medos horrendos, enfim... que já sei tanto sobre tanto, mas que ainda assim, não, nunca consegui deixar de ser criança, e isso era pra ser sempre alegre e divertido, mas não é.
Sabe Noel, sou uma observadora do ser humano, dos comportamentos, dos olhares, das reações, dos hábitos e costumes, sempre fui, não com um olhar de julgamento e desaprovação, mas de encanto e curiosidade, e de tanto observá-los, a todos, eu passei a desejar ser como eles, e a achar injusto nunca de fato ter conseguido. Quero ser organizada, responsável e atenta, saber onde estão minhas chaves, meus documentos, meus cartões, minha cabeça, quero ser pontual de um jeito natural, e deixar de trocar belas refeições por guloseimas, mas sempre acabo sem conseguir ser nada disso, e expondo aos meus amigos e a todos os que me cercam a um monitoramento eterno de mim. Sei que muitos acham que eu sou uma das pessoas mais felizes do mundo, porque o mundo pode estar caindo sobre a minha cabeça e não consigo ficar muito preocupada, na realidade, eu ainda não entendo como as pessoas conseguem se preocupar tanto com tudo, mas enfim, eu não sou, não sou assim tão feliz.
Observo as mulheres da minha idade, elas são vaidosas e autossuficientes, com as suas maquiagens e unhas bem feitas, com aqueles jeitos de quem sempre tem mil coisas adultas pra fazer e resolver, e muitas acham que querem ser como eu, que pra mim tudo é simples, que eu sou livre de um jeito inocente, dizem até que acham o máximo o fato de eu me achar o máximo a ponto de não agir como elas, mas a verdade Noel, é que as vejo e as procuro em mim, naqueles seus ares experientes, eu as procuro, mas nunca encontro, droga, será que elas não percebem, que eu me acho mesmo é um peixe fora d’agua, que eu não vejo a hora de crescer.
Eu sei que conversar comigo pode ser muito divertido, afinal não consigo falar sério por cinco minutos, e olha que eu tento, eu nem sei se acho tudo tão triste que necessite de humor, ou se a minha personalidade é essa e pronto. E até confesso, nem tudo são flores murchas, há um lado bom em ser como sou, dizem que uma criança é a alegria da casa, o tempo passa e passa e todas as vezes que entro na casa da minha avó, é isso que eu sou, a criança que alegra a casa, comigo chega a bagunça, o barulho, a baderna, coisas que as pessoas perdem no caminho e que eu nunca consegui deixar pra trás, e as vezes isso me consola, porém, a maior parte do tempo, eu só queria ser um adulto normal.
É por essas e outras bom velhinho, que espero que atenda o meu pedido e por favor, me deixe crescer, acompanhando o tempo que a cada dia passa mais rápido. Beijos! Até!!!

- 29 de novembro de 2013 – 2ª Carta ao Papai Noel

Querido Noel, estive pensando no meu nada convencional pedido, e constatei que o senhor não deve atendê-lo, que nem poderia, é que mais cedo assisti ao filme “Meu passado me condena”, na companhia de um belo menino de nove anos, por quem tenho um amor incondicional, nesse filme tinha o personagem Fabio, de 29 anos, e que assim como eu é uma criança grande, e em grandes proporções, e que assim como eu parece muito perdido em seu corpo adulto e num mundo que exige dele comportamentos sérios e comedidos, responsáveis e comprometidos. Enquanto assistíamos, houve um determinado momento em que esse menino, sorrindo com as graças do personagem Fábio, me olhou e disse: “Ele é igual a você.” E ele parecia tão feliz e orgulhoso enquanto dizia isso, foi então que finalmente percebi que eu nunca irei mudar, que sempre vou ser a criança da casa, da rua, do emprego, do relacionamento, de qualquer lugar e situação, e que não tenho que sentir vergonha disso, porque é assim que eu sou e esse deve ser um dos meus encantos, que deve ter mais gente como eu por aí, se sentindo um peixe fora d’água e se martirizando com medo da infância nunca passar.
O filme é uma comédia, mas eu que já choro ao assistir qualquer filme, confesso que nunca chorei tanto como enquanto assistia a esse, creio que naquele momento, me enxerguei de um outro modo, percebendo algo óbvio que só eu não via, eu dou um trabalho danado pra todo mundo, mas eles gostam de mim assim mesmo, e também por isso, e isso Noel, é das coisas mais lindas do mundo. Finalmente aceitei que sou uma criança agora, e chegarei aos 30 anos sendo uma criança, serei uma criança aos 40, aos 50, aos 60, aos 70, ah Noel, eu serei uma eterna criança. Só que pela primeira vez em anos me sinto muito bem com isso, sei que por muitas vezes ainda me sentirei deslocada, mas parece um preço pequeno a se pagar por se ter os bônus que vem com a fase adulta em uma eterna infância.
Portanto, mudo o meu pedido, esperando que considere o fato de que no meu coração ainda sou uma criança, e portanto tenho direito ao meu presente, dessa vez, o que quero é ganhar na loteria, hahaha por essa o senhor não esperava né? Então se puder, e eu desconfio que pode, envie os números da Mega Sena para o meu email: tiarasousa@ig.com.br, e prometo tentar não gastar tudo com bobagens. Ah e antes que esqueça, devo salientar querido Noel, que o senhor é um velhinho muito safado, hoje enquanto aguardava o inicio da sessão do filme, passei por você no shopping, o senhor estava fofo com sua roupa vermelha e sua longa barba branca, sentado na sua cadeira tirando foto com as crianças, mas ao me ver passar disse nada discretamente, “morena gostosa”, ah por favor né bom velhinho, comporte-se como alguém da sua idade, ou melhor... não comporte-se não, afinal, corações não envelhecem, eu sou a prova viva disso. Ah e não se esqueça, diga a todas as criOnças como eu e você, que aceitem-se, afinal, como já dizia Caetano: “Cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é.” Beijos! Até 2014!!! Tiara Sousa

sábado, 30 de novembro de 2013

MEU FEMININO DISCURSO FEMINISTA

__ E é por crer que nos desvirginar de influencias machistas, não nos torna menos femininas e sentimentais, não nos furta a essência e não nos descaracteriza, é que reprovo tanto a ideia de superioridade masculina (machismo), quanto a ideia de superioridade feminina (femismo). E é por sonhar com uma sociedade que aceite libido e intelecto nas mulheres, e sentimento e emoção nos homens, e com um mundo que enxergue as diferenças entre os gêneros sem deixar de trata-los como iguais, que assumo de salto alto, batom vermelho, cabelos soltos e vestido cor de rosa que aprovo a luta por igualdade de gênero (feminismo).
Todas nós, mulheres, já ouvimos frases do tipo: _ Comporte-se como uma moça! _Sente-se direito! _ Vista-se adequadamente! _ Não fale palavrões! _ Guarde-se para o homem da sua vida! _ Aja descentemente! Ainda que em orações separadas, já ouvimos isso, e isso é só isso, é pequeno, superficial, inatingível e extremamente machista, embora dito e redito pelas próprias mulheres.
Crescemos brincando com bonecas, de casinha, de cozinheira, e que natural, não é? Afinal, muitas vezes é da essência feminina a evidencia de certas disposições, eu nem seria tola a ponto de dizer que não há nada de voluntário nessas brincadeiras, que nelas não estão envolvidas o instinto materno e os alcances líricos, emocionais e instáveis próprios do gênero feminino. Porém, crescemos assim, não apenas realizando a nossa essência, mas principalmente obedecendo às ideias machistas da sociedade, que desde sempre nos treina para embalar crianças e cuidar dos afazeres domésticos, para calar e consentir, para não ousar, ou ousar apenas para satisfazer as fantasias do marido.
Alguns discursos são uma junção dos contos de fadas, em que as princesas são inocentes e intocáveis até encontrarem seus príncipes (o idealizado grande amor), com as interpretações bíblicas e a imagem cristã da bondosa mulher Maria, que com todo o respeito, devo acrescentar, não bastasse ser bondosa, tinha que ser eternamente virgem, e que nem grandes figuras históricas femininas foram capazes de sucumbir a tal adoração e efeito psicológico. Tais discursos são inseridos em nossas mentes desde cedo, partem de uma sociedade despreparada para uma igualdade de gênero, e são reproduzidos nas crianças, pelas próprias famílias, incluindo as mães. Sim, mães! Pois uma parcela considerável das mulheres é machista e nem percebe que é. Somos deseducadas para os relacionamentos de natureza romântica, pois de tanto ouvir sobre príncipes e princesas, buscamos uma história de enredo perfeito (que não existe), e nos perdemos de nós mesmas na tentativa de firmar nosso papel na sociedade, nós nos idealizamos de tal maneira que o sexo, algo tão natural, passa a ser motivo de intermináveis questionamentos e visto como um problema moral e ético.
A questão, é que o tempo passou, e uniram-se aos velhos discursos puritanos, os discursos da liberdade sexual feminina, instaurando nas mulheres contemporâneas a ideia de “posso tudo o que o homem pode” (o que não deixa de ser verdade). O problema é que quando se parte de ideias tão puritanas para ideias tão inovadoras, há um conflito interpretativo, levando as mulheres a desconsiderar o fato de que assim como nós os homens também são deseducados desde meninos, que crescem sob os mesmos velhos conceitos machistas, que os fazem assimilar suas libidos a algo quase animal, numa busca infundada e errônea de auto afirmação heterossexual, que lhes habituam a fazer sexo considerando o prazer antes de reais encantamentos, desejos e expectativas, muitas vezes tratando e reduzindo as mulheres a um corpo, sem cérebro, sentimentos e intelecto ou a um ser submisso. E é na tentativa frustrada de alcançar a igualdade, que muitas mulheres passam a fazer o que muitos homens fazem desmedidamente, friamente e com quase ou nenhum apego, e com isso, a maior forma de comunicação do mundo (o sexo), comunica errado, tornando habitual desconsiderar que nossos impulsos não nos torna irracionais, e sim ainda mais humanos.
Além de todos os percalços que já enfrentamos diariamente e cotidianamente nos relacionamentos, na vida social, no mercado de trabalho e até mesmo intimamente, a mídia apelativa e oportunista ainda aproveita-se da ideia (mais machista do que real) do desejo voraz, ilimitado e até poligâmico de homens desde cedo deseducados para serem “muito homens”, e passa a transmitir imagens de bundas e seios, erotizando seminudez e nudez supostamente femininas, de celebridades instantâneas que denegrem cada vez mais a real imagem das mulheres e nos vitimiza a um padrão de beleza escandaloso e apelativo, nos tornando reféns do reflexo de um intelecto reduzido, aparentando da mais degradante e superficial forma possível, a ideia de liberdade feminina e dificultando a nossa conquista de sermos enfim verdadeiramente valorizadas.
E entre um discurso e outro, entre os resquícios de um passado de prisão, de um presente de liberdade fantasiosa e desmedida, e da esperança de um futuro de igualdade, ficamos nós, mulheres, perdidas entre o que dizem nossos pais e entre o que vemos na TV, entre as nossas sensações físicas e emocionais e o que nos dizem que é imoral e impróprio, entre a nossa condição humana e as nossas referencias extremas e depreciativas. A questão torna-se ainda mais degradante, quando os dois ideais expressivos de mulher querida e desejada pelos homens são o da submissa, caricata e machista Amélia (aquela que dizem, era mulher de verdade) ou da também (não enganem-se com as aparências), submissa, caricata e machista Sex symbol (aquela que dizem, é a mulher de verdade).
Com isso, ainda que desejosas de que sermos nós e inteiramente, seja o melhor que podemos fazer por nós mesmas, somos afetadas e influenciadas pela sociedade, pela mídia e pelas ideias cristãs, o que torna mais difícil exercermos o papel de seres sociais participativos, conscientes dos nossos alcances emocionais e livres de qualquer expectativa de uma virgem Maria, a nos simular assexuadas e a nos indispor a uma santidade que não nos cabe enquanto humanas.
E mesclando as minhas palavras com as da cantora e compositora Rita Lee, na música Pagu, que revelo que sou feminista sim, por tudo o que já foi conquistado, por tudo o que é considerado equivocadamente conquista, por tudo o que ainda necessitamos conquistar, e principalmente “porque nem toda feiticeira é corcunda”, porque “nem toda brasileira é bunda”, porque “o meu peito não é de silicone”, e porque embora heterossexual, feminina, frágil e sensível, ainda consigo ser “mais macho que muito homem”. Tiara Sousa

sábado, 23 de novembro de 2013

SINTO TANTO

Saí do útero, não sou mais um feto, foi covarde ter retornado pra lá depois de todos esses anos. Quando fui gerada desconhecia tudo, agora é estranho, porque já sei que o mundo é um lugar bonito, mas um lugar bonito nunca é só bonito, nunca é só um lugar, e isso ainda me assusta.
Eu amadureci, meus sentimentos não. Quando sinto sou um recém nascido, sem nenhuma bagagem, exposto a coisas novas, tudo é novo, até o que não é mais. No útero é escuro, e estreito, e pequeno, mas aqui eu sinto tanto, que estar lá parecia mais confortável do que existir no meu próprio corpo, com centímetros vulgares entre o meu coração e a minha boca, eu sinto tanto, que na maioria das vezes esses centímetros desaparecem, e tudo o que eu aprendi desaparece junto.
Sentir é se desconhecer nos próprios hábitos, e olha que sentir pra mim é tão habitual quanto comprar vestidos novos e discos antigos, é mais solitário do que reler os romances de Albert Camus na companhia das lembranças míticas da menina que fui um dia, e que volto a ser todas as vezes que deixo de controlar as minhas emoções, e todas às vezes são vezes demais.
Estou cansada de infringir a minha saúde mental em interseções de tudo, ou de instintivamente tudo, ou de estrategicamente tudo, ou de loucamente tudo, ou de tudo ou nada. Eu necessito tanto de um meio termo, mas o meio termo não arrepia o meu corpo, não acelera os meus batimentos cardíacos, não me causa oscilações de humor, o meio termo é só mais uma das minhas fantasias criativas que não diminuem em nada os meus temores infantis, as minhas expectativas adolescentes, as minhas sensações adultas.
Eu sei bem o que não devo querer, já vivi o suficiente pra saber muito bem o que definitivamente não devo querer, não sou Hamlet nem quando leio Hamlet, comigo não cola essa história de “Ser ou não ser”, essa nunca foi a minha questão. O problema, o grande, infinito, estúpido, incomodo e desconfortável problema é que eu sinto e volto a ser a menina que é beijada pela primeira vez, a garota que é amada pela primeira vez, a mulher que é magoada pela droga da primeira vez, talvez Hamlet não fosse tão complexo se soubesse que pra mim o mais difícil é “Ser”, que essa é a minha questão.
É que ser é existir, e existir é sentir, e sentir é sonhar de corpo aberto, de queixo caído, de coração escancarado e de olhos fechados. Sentir é o mais satisfatório dos orgasmos passeando de mãos dadas com o mais aterrorizante dos pesadelos, é romântico e instável; Sentir é o que há de mais humano no ego agindo desumanamente com o ego, é o ego na favela comendo restos, bebendo lama, cuspindo sangue e simulando dignidade, é humano ao quadrado, é desumano ao cubo, é divisível, porém sempre inexato.
Eu sinto, mas não me conformo, e o inconformismo é um quadro expressionista pintado por um artista plástico contemporâneo, é oco. E eu não me conformo com esse desconforto adolescente que é sentir, mas de que adianta todo esse meu inconformismo quando tudo o que me incomoda, me estraçalha, me invade e me enlouquece me faz sentir tão viva a ponto de sorrir sem precisar simular nada, a ponto de chorar sem precisar de histórias, que não as minhas?
Sinto tanto, que as minhas próprias possibilidades emocionais me assombram, a ponto de eu cultivar a ilusão de que ser um ser humano menos humano seria mais humano comigo, mas não seria, pois é quando eu sinto tanto que eu me sinto viva, pois é quando eu sou um recém nascido sem nenhuma bagagem, exposto a coisas novas, onde tudo é novo, mesmo o que não é mais, que eu sou o melhor que posso ser. Tiara Sousa

sábado, 16 de novembro de 2013

NEGRA – O Conto de fadas que ninguém contou

- Eu nunca fui a princesa. - Nunca trajei os vestidos glamorosos e cheios de brilho. - Meu príncipe nunca chegou. - O final feliz nunca foi pra mim. - Nenhuma fada visitou o meu conto, porque ninguém o contou.
Entre tantos entretantos, cresci, sem participar dos contos de fadas da minha infância, sem me enxergar nas mocinhas das novelas, sem arrasar os corações nos bailes dos filmes que me faziam delirar. Cresci, no equivoco de não povoar a imaginação de ninguém, nem a minha. Eu só me enxergava nas mulheres seminuas nos desfiles das escolas de samba, nas jogadoras de futebol e de basquete e em manifestações artísticas, populares e culturais, que mesmo com extrema importância e beleza, não deveriam ser as minhas únicas melhores opções, mas o mundo afirmava que eram, porque o mundo também cresceu e crescia sem me ver nas histórias das suas infâncias, e nem da minha.
Entre tantos entretantos, cresci, sem nunca protagonizar as histórias dos autores renomados, ou sendo no mínimo a que enxugava o chão da sala e esquentava a barriga no fogão e no máximo tratada como categoria alegórica e superficial, ou na melhor das hipóteses sendo um artigo de resgate cultural ou um signo de esclarecimento histórico-social. Eu estava por todos os lados, nas ruas, nas praças, nas praias, nas escolas, nos lazeres, nos empregos, portanto não haviam possibilidades reais de eu não povoar todos os lados da imaginação dos autores, eu apenas permanecia arraigada a um universo subterrâneo  de exclusão, e nunca coloria as ilustrações e as imagens, e nunca preenchia as linhas e as falas, mas existia, inspirava, acomodava e incomodava tanto quanto as outras, as que se tornavam publicações e exibições e que invadiam as fantasias do mundo.
Embasada pelo que li, vi e vivi, mas sobretudo pelo que não pude ler, nem ver, nem viver, desmascarei os interesses e a estupidez de manter as sociedades na ignorância, e compreendi que as histórias que tanto contavam, e que não me incluíam, alienavam mais do que instruíam, furtavam mais do que entrertiam, figuravam mais do que protagonizavam, eram ilusões comedidas e medidas, e que no fundo, eu, que tanto as quis, nunca as realmente precisei.
Nos contos que não pude ler, nas coisas que não pude assistir, aqueles em que todos, de todos os modos, e preferências, e gêneros, e condições, e classes, e cores, e faces, e corpos, e lugares, e alma, e sedes, e fomes, e etnias povoam, percebi que era meu direito ser tudo o que desejasse, fazer parte de todas as histórias, então, não desfilei seminua em escolas de samba, nem joguei futebol ou basquete, nada escrachadamente contra, apenas nunca foi o que eu queria, e eu não o faria apenas pra ser maquiagem pra estatística sugestiva que impulsiona um povo aos pedaços pra uma ignorância inteira, elevada a desumanidades, intolerâncias, preconceitos e interesses, e que afirmavam que essas eram as minhas únicas melhores opções.
E evidenciando todo o meu respeito e apreço a todas as etnias, pois embora orgulhosamente e predominantemente Negra, sou antes de tudo, miscigenada, parte de um povo, de uma cultura e de uma família miscigenados, é que hoje mando, por tudo que me foi aos tantos furtado e aos poucos revelado, a Cinderela para o Espaço, a Rapunzel á merda, a Bela Adormecida pra puta que pariu, a Pequena Sereia ir tomar naquele lugar e a Branca de Neve ir se foder, porque entre inúmeros, difíceis, pesados, dolorosos, injustos, tantos entretantos, eu sempre fui a princesa, o final feliz sempre foi pra mim, eu sempre trajei os vestidos glamorosos e cheios de brilho, o meu príncipe chega, e todas as fadas me visitam, e eu só levei um tempo pra descobrir isso, porque ninguém, absolutamente ninguém contou. Tiara Sousa


sábado, 9 de novembro de 2013

UM FALSO GOSTO POR SOLIDÃO ou PORQUE PREFIRO FICAR EM CASA NUM SÁBADO Á NOITE

Eu sempre falo que gosto de solidão, é tudo mentira, é que eu não gosto da mediocridade de um espaço cheio de pessoas vazias, e às vezes estou extremamente vazia, a ponto de me achar boa demais pra contar estrelas acompanhada.
Porque prefiro ficar em casa num sábado à noite, enquanto as pessoas da minha idade saem para as baladas, para os bares, para as festas, eu penso que tenho um mundo particular, que vivo numa constante ilusão, alimentando a minha fantasia em meio a livros, filmes, discos, internet e TV, e que um dia posso me arrepender de não estar fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante. Então, finalmente é sábado á noite, e eu desolada pela ideia de estar deixando a vida passar, me arrumo, ponho o que a geração anos 80 chama de uma roupa descolada, numa tentativa esperançosa de quando sair fazer coisas não fúteis com gente de fato interessante.
A noite começa com uma Coca-Cola, uma garrafa de água, dois cigarros mentolados, duas tentativas de amizade com conhecidas de amigas, de amigas minhas, que em minutos de conversa só sabem falar de como tal cara é gatinho, de como o outro é galinha, de como o som é dez, sendo que ele é no máximo sete, enfim... eu ando meio sem saco pra ser normal, então acho tudo um saco, e achar tudo um saco é ser cem vezes mais triste do que o resto do mundo, além de impedir o inicio natural de amizades.
Mas a noite só está começando, eu ainda irei dançar oito vezes com quatro rapazes diferentes. O primeiro desiste logo na primeira dança, porque tem baixa autoestima e quando percebe que eu não bebo, logo conclui ser mínima a chance de acontecer sexo no fim da noite, e como isso é tudo o que ele quer, distancia-se de mim com mais de mil; O segundo é encantador para os meus padrões, tem uma cara de tonto e um jeito boêmio, vamos dançar algumas vezes e começar a conversar, e ele vai perceber que eu sou mais inteligente do que ele, e isso vai incomodá-lo, então vai passar uma mulher com dez centímetros a mais de bunda do que eu, e com quarenta por cento do quociente de inteligência inferior ao meu, e ele literalmente vai correr atrás dela; O terceiro, que nem me considera assim tão bonita e atraente, ao perceber que dois já dançaram comigo e que não aconteceu nada, supõe que eu seja difícil, e por se achar demais vai querer mostrar a si mesmo que consegue, mas eu tenho meus momentos de futilidade, então mesmo percebendo a situação, vou aceitar dançar com ele, por que ele é lindo para todos os padrões, só que ele se acha demais, ele se acha tanto, mas tanto, que ele não me deixa falar, que ele acha que eu tenho a obrigação de escutar todas as bobagens que ele diz e ainda ficar louca por ele, mas eu já deixei de ter dezessete anos há um bom tempo, e o meu momento fútil tem limite, então eu direi que vou ao banheiro e fugirei do cara mais gato da balada, com a convicção de que ele também é o mais idiota; O quarto é aquele que aparece no fim da noite, enquanto ele se aproxima, penso que ele não me acha nada demais, porque senão teria me convidado pra dançar antes, mas já que ele não ficou com ninguém, e observou que eu não fiquei com ninguém, ele me convida pra dançar, como eu sou educada e numa hora dessas a minha amiga muito menos seletiva, e menos chata, e menos romântica, e menos sensível já vai ter me deixado sozinha e vai estar beijando um cara há horas, vou dançar com ele, e ele até que é fofo, e tem um bom papo, e uma boa aparência, e é até meio inseguro, o que significa que eu posso estar enganada e ele pode não ter se aproximado antes por não saber como, e aí, talvez nos beijemos, e talvez troquemos contatos, e muito provavelmente ele tente transar comigo na mesma noite, mas tudo bem, afinal ele é hetero, jovem e tem hormônios, começa a ficar tudo mal quando ele insisti exaustivamente, como se a minha recusa fosse eu fazendo o tipo mocinha, ou como se eu apenas tentasse prolongar uma situação, e ao perceber que dentro do seu mundo rápido não cabem as minhas ilusões, e que dentro do meu mundo lento não cabem noites sem sentido que não sejam sentimentais, eu vou sair da balada sozinha, sem novos amores, sem novas promessas, sem novos amigos, e vou achar um desperdício de tempo ter saído de casa. Não que eu não tivesse me divertido nem um pouco, mas é que me divertiria muito mais no meu mundo particular.
E antevendo tudo isso, sei que se eu for, eu vou chegar em casa meio que completamente deprimida,  não só por ter passado a noite fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante, mas principalmente por saber que no exato momento em que entrar em casa, terei a percepção exata de que é demasiadamente difícil conhecer pessoas realmente interessantes nesses horários e lugares, porque assim como eu, elas devem preferir ficar em casa num sábado á noite, numa constante ilusão, alimentando a fantasia em meio a livros, filmes, discos, internet e TV, porque assim como eu, muitas vezes elas devem pensar que  um dia podem se arrepender de não estar fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante, porque assim como eu, muitas vezes elas devem ficar desoladas pela ideia de estar deixando a vida passar.
Então irei desistir de sair, me despirei do que a geração anos 80 chama de uma roupa descolada, vestirei a camisola, colocarei o óculos e aguardarei alguém me ligar pra perguntar porque mais uma vez eu irei preferir ficar em casa num sábado á noite, só para eu poder responder que é porque gosto de solidão, mas eu e muitos sabem, quem não sabe, fica sabendo agora, é tudo mentira, é que eu não gosto é da mediocridade de um espaço cheio de pessoas vazias, e às vezes estou extremamente vazia, a ponto de me achar boa demais pra contar estrelas acompanhada. Tiara Sousa

sábado, 2 de novembro de 2013

SOU EU QUEM SANGRA TODOS OS MESES

Há vezes, em que um canto da sala é a sala inteira, depende de como eu me sinto, e de como foi o meu dia. De repente, a mesa em que fomos tão superficialmente felizes já não significa nada, e admito, tenho um gosto incomum por coisas comuns.
Não gostava do teu sorriso, ele era encantador demais pra ser só meu, e do alto da minha insegurança isso me incomodava, mas gostava de vê-lo sorrir, e isso meu caro, soa tão falso quanto a última gota da tinta vermelha que um dia você usou pra pintar (e bordar) a minha paz.
É estranho que tenha se esforçado tanto pra continuar, a cidade inteira sabia o que eu também estava cansada de saber, e de não admitir, você não me amava, se amava demais pra amar alguém como eu, alguém que se encantava com o mar a ponto de querer levar as ondas pra casa, você não me amava nem quando tava me amando, era cínico, machista e narcisista, mesmo quando eu tava por cima, principalmente quando eu tava por cima.
Eu sei que eu também nunca fui perfeita, tenho total consciência de que não sou o paraíso, nada perto disso, nada que se meça entre o céu e o implícito pode me traduzir, mas mesmo assim, eu era bem mais do que você merecia, e te entregava bem mais do que você jamais cogitou me pedir.
Hoje, posso dizer com todas as palavras que chorei até não restar nenhum liquido no meu corpo, que deixar de querê-lo foi um processo árduo, eu passei dias e dias ressentindo pesadelos reais por horas a fio, esgotei a inesgotável cota de desilusões de uma vida, abdiquei das crenças mais confortantes, amadureci da maneira mais consciente e menos alegre, eu caminhei por um esgoto de lembranças mórbidas e flertei comigo mesma até me reconquistar.
Hoje, eu sento á mesa, a mesma mesa em que fomos tão superficialmente felizes, e só consigo pensar em como um dia tudo pôde mudar. Agora, não adianta dizer que gosta de mim do jeito que eu sou, eu não sou mais como aquela personagem sonhadora do filme, que quando escuta isso, entra num êxtase de encantamento e esperança, eu já velei minhas ilusões, me crucifiquei em lágrimas, me sepultei viva, já fui ao meu enterro a procura de um quinto de motivo pra ressuscitar, já fiquei tão triste que não consegui chorar, já li e reli livros de psicologia em busca da inexistente explicação dos sentimentos, ninguém se desconhece melhor que eu, meu caro, e por saber de tudo isso, é que agora sou eu quem gosta de mim do jeito que eu sou.
Se por algum momento me olhou nos olhos e viu o tamanho do meu encantamento por você, e supôs que eu não ia te superar, errou, posso ser frágil como uma flor, posso vislumbrar contos de fada em pleno século XXI, posso ter a sensibilidade de uma ferida aberta, posso doer como uma queimadura de terceiro grau, e pensar em casamento enquanto você libidinosamente observa as sápidas curvas do meu corpo, mas sou eu quem sangra todos os meses e permanece intacta, inteira, completa, meu caro, portanto olhe nos meus olhos novamente, e verá que superar você foi menos difícil do que escrever esse conto. Tiara Sousa



sábado, 26 de outubro de 2013

PAIXÃO - Algo impublicável, para tornar público

Paixão não é um mito, é o desejo ébrio dos sóbrios, é o desejo sóbrio dos ébrios, a paixão é desmedida mesmo quando é minuciosamente medida, mesmo quando envolta de cafés da manhã e passeios na praça, é o parentesco da química, é o desatino do cotidiano, é fazer planos porque é natural e desconstruí-los por ser inevitável, ainda que evitável.
Paixão é fechar os olhos pra fugir do que sente e enxergar um rosto, é reconhecer esse rosto na multidão, mesmo que ele nunca tenha estado lá; Paixão é uma prostituta com amor próprio, não compreende-se nem quando se desmaterializa, nem quando grita, nem quando cala, nem mesmo quando faz de conta.
Paixão é a explicação para “Cinquenta tons de cinza" ser um Best Seller, é insanidade e sanidade, é suor e nudez, é nudez e suor, é delírio e busca, é fuga e fantasia, é lembrar 24 horas de um beijo de dois minutos que pode nem ser real, é a ansiedade pelos minutos que virão, ainda que eles nunca venham, ainda que eles não existam.
Paixão é o orgasmo escapando dos órgãos e dos sentidos e lubricando-se do emocional, não tem sentido, só é sentida as pressas e devagar, devagar e as pressas; Paixão é o “berço esplendido” do Hino Nacional Brasileiro, é tão trágica que chega a ser cômica, é a abominação pelas duras verdades de Maquiavel em encontro a adoração pelas singelas mentiras de Karl Marx, ou vice-versa. É uma cama, um lençol, um vazio, um corpo inteiro doente de desejo.
Paixão é a cruz de Cristo, é a cruz sem Cristo, é Cristo sem a cruz, é suportar uma tristeza profana sem as palavras sagradas, é agnóstica mesmo quando tem fé, mesmo quando se alimenta de crenças, mesmo quando cumpre promessas e adora, mesmo assim, é agnóstica.
A paixão começa pelo fim, caminha pela libido, dança na mente, destrói o ego com duas doses do próprio veneno, o egocentrismo, movimenta descuidadamente a vaidade e termina no começo, comigo mais uma vez sentada na cama, com o computador no colo, escrevendo algo impublicável, para tornar público. Tiara Sousa

sábado, 19 de outubro de 2013

PENSO EU – Entre biógrafos e gênios

Estive pensando sobre a vida, eu sempre penso sobre a vida, não que eu goste, ou seja um passatempo, é apenas inevitável e cotidiano, complicado e poético. Mas em especial, dessa última vez eu pensei de uma perspectiva diferente da de sempre, pela primeira vez, eu pensei que ela é injusta, que um dia, um dia que não sabemos ao certo, isso fica óbvio. Pensei nisso porque um jornalista por quem tenho grande apreço, o Mário Magalhães, passou, segundo ele próprio, dez anos escrevendo a biografia do Marighela, que todos os que já leram dizem ser maravilhosa, e escreveu uma carta resposta lotada de palavras cultas, embora comum, ao Artigo sobre biógrafos, Penso eu, de Chico Buarque, aparentemente sobre biógrafos. Lendo esse artigo e todas as delicadas e pesadas entrelinhas, eu li mais sobre o ser humano do que sobre biografias, dádiva desse cantor, compositor e escritor que eu tanto admiro, no fim das contas terminei o artigo, acendi um cigarro e pensei, que droga de vida essa, o Mário Magalhães é mais que bom escrevendo, é inteligente, culto, viajado, competente, mas se ele estiver certo, no fim das contas não vai valer de muita coisa, porque lhe falta a dramaticidade, a genialidade e a sensibilidade de Chico, porque quando Chico escreve, ainda que seja sobre um balde, ele escreve carregando todas as dores do mundo, carregando o mundo.__ Que droga de vida! O cara escreve uma biografia ótima, embasada e de contexto histórico único, se utiliza lindamente de frases de efeito para a carta resposta e só emociona ao citar o nome de duas canções de Chico, porque só o nome dessas duas canções tem tristeza e alegria, suor e poesia, imoralidade e caráter, tudo na mesma medida, porque só Chico é louco assim, enfim, que droga de vida, dez anos escrevendo uma biografia, que segundo ele lhe trouxe prejuízo e paixão, embora tenha sucesso, pra no final das contas ele escrever uma carta resposta a um artigo e um mundo de gente constatar que não, ele nunca vai ser Chico Buarque.
Mas enfim, eu falava sobre a vida não é? A vida tem dessas coisas, talvez essa seja a grande falha do mundo, a vida não é comunista, a vida não é democrática, a própria ausência de lógica na vida já a impossibilita de ser justa. O Mário nunca vai ser um Chico, não importa o quanto ele leia, sofra, estude, trabalhe, se apaixone, ele nunca vai doer assim tanto a ponto de sangrar palavras, é isso que Chico faz, ele sangra palavras, e eu no reduto do meu desejo mundano, vou finalmente comprar o livro sobre Marighela, por que já li algumas coisas do Mário e sei que vai ser muito bom, o foda, perdoem a expressão, mas é a que cabe, é que logo no inicio da leitura desse livro eu sei que vou pensar na primeira frase de Chico Buarque no seu artigo, “Pensei que o Roberto Carlos tivesse o direito de preservar sua vida pessoal.”, pior ainda é que a cada detalhe emocionante da vida do Marighela eu sei que vou lembrar de uma canção de Chico, o mais triste de tudo é que eu vou terminar o livro e pensar, droga de vida essa, eu também nunca vou ser Chico, não importa o quanto eu leia, sofra, estude, trabalhe, me apaixone, porque quando ele escreve, ele carrega todas as dores do mundo, ele carrega o mundo.
Sinceramente, eu não julgo o Mário Magalhães, ele tentou. Escrever uma carta resposta a Chico foi corajoso, eu não faria o mesmo, eu sou medrosa, antes mesmo de ler, escreveria. __ Ainda que você esteja errado caro Chico Buarque de Holanda, sei que no fim das suas linhas você terá razão, por que quando você escreve você rouba as razões da humanidade com humanidade, portanto não me atrevo a contestar nada do que escrever. E por fim aproveitaria uma parte da carta do Mario Magalhães, uma de beleza incontestável, em que ele demonstra realismo e derrama poesia, aquela em que ele cita as duas canções de Chico, ”Você merece interlocutores do “tempo da delicadeza” evocado em “Todo o sentimento”. Aceite um abraço e o carinho deste fã irrevogável.” Tiara Sousa
Para os que desejarem ler o Artigo e carta, eis os links:

sábado, 12 de outubro de 2013

DIA DAS CRIANÇAS – UM CONTO DESCONTENTE

Eu tenho oito anos, não tenho pai, não tenho paz, minha mãe é um vazio no meio do meu estomago, meu coração só se emociona com comida, e se emociona tão pouco, eu não acredito no Papai Noel, nunca comi um ovo de Páscoa, nunca ganhei um abraço, nem um que não durasse, nem mesmo um desse, eu não tenho os olhos verdes, nem castanhos, nem pretos, nem azuis, tenho os olhos tristes, eu nem sei mais a cor da minha pele, o excesso de Sol a confunde, o excesso de frio a confundi, eu não tenho nada, nem esperança, nem voz, nem um sorriso bonito, nem feio, nem lágrima, eu tenho uma mãe viciada que nem lembra que eu existo, porque a parte de mim que tinha nela estava num neurônio que ela não tem mais, que ela queimou com um cachimbo, eu tenho um pai que rouba, rouba celular, computador, tênis, rouba até infância, ele roubou a minha antes mesmo de saber que eu existia, alguém roubou a dele. Eu não vou à escola, não vou brincar no parque, não vou fazer compras e nunca conhecerei uma sala de cinema, eu não vou viajar, não vou me apaixonar, nem vou a Universidade, nem nada, porque eu tenho fome e a fome não me deixa pensar, a fome não me deixa brincar, a fome não me deixa crescer, a fome não me deixa, a fome não me deixa, a fome não me deixa...
Eu tenho oito anos, eu acho que sonho, ontem eu vi uma casa tão bonita, e pensei que um dia ela podia ser minha, me imaginei sentado na mesa com a minha família, me imaginei brincando naquele quintal grande cheio de flor, me imaginei andando num daqueles carrinhos que cabe a gente dentro, eu dancei com o vento, eu estava no colo dizendo mamãe eu te amo, e ela dizia, eu também te amo meu bem, e então o papai chegava e eu corria pra abraçar ele, que sussurrava a palavra saudade, aí eu abri os olhos e chorei, eu nunca mais tinha chorado, mas também eu nunca mais tinha sonhado. Eu sou tão pequeno, eu sei falar palavrão, mas eu nem sei o que quer dizer, e quando eu sei é pior, porque eu ainda nem devia saber, eu só queria uma cama quentinha, uma comida simples, água gelada, uma sobra de carinho que fosse pra mim, que fosse pra mim.
___ Ei moço! Me dá um pedaço de pão, me dá um abraço, me dá uma cama, me enxerga. Moço, moço, não vai não, não me deixa sozinho, não me deixa, hoje é dia 12 de outubro e até agora ninguém falou pra mim Feliz dia das crianças, ninguém me deu bom dia, as pessoas me empurraram na rua porque estavam com pressa de ir às lojas e comprar presentes pra suas crianças, e eu moço, eu não sou a criança de ninguém... Eu tenho oito anos, não tenho pai, não tenho paz, minha mãe é um vazio no meio do meu estomago, meu coração só se emociona com comida, e se emociona tão pouco, eu não acredito no Papai Noel, nunca comi um ovo de páscoa, nunca ganhei um abraço... Moço, eu só tenho oito anos, eu quero a minha mãe. Moço, moço, moço... Tiara Sousa

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Eu também acho isso tão bonito

Há dias em que eu acordo me sentindo a última coca cola gelada e sem ratinho do Universo, porque eu já li mais romances e escrevi mais contos e crônicas do que a maioria dos mortais, porque eu estudo ouvindo Mozart, e compro bons CDs numa época em que as pessoas baixam música ruim e interpretam poesia em letras piegas, por que eu arrumo a casa com um incenso aceso e acredito que a energia se renova, porque eu tenho um diário cujo 80% das atitudes são realmente belas.
Há dias em que eu acordo me sentindo a única fruta podre no meio de dúzias e dúzias de frutas boas, porque eu cresci assistindo a TV Educativa e atualmente assisto a “novela das nove” e “Uma família da pesada” achando o máximo, porque eu sou tímida e lenta e portanto um teste de paciência a todos que me cercam, porque eu sou mimada, preguiçosa, bagunceira e desorganizada, e além de tudo isso fumo uma carteira de cigarros por dia e como por uma multidão.
Há dias em que eu durmo me sentindo a última coca cola gelada e sem ratinho do Universo, porque durante á tarde eu passei numa construção e quinze pedreiros cansados, com fome, com sede e embaixo de um Sol torrencial me cantaram, aí eu fiquei achando que eu sou interessante, e bonita, e inteligente e formidável, e se eu levar um fora depois disso nem vai doer por que eu me já tô me achando o máximo mesmo, o azar é do cara, porque eu não uso batom, nem gasto com lingerie cara, nem faço as unhas, e sou capaz de levar um homem a loucura, só não sei se de tesão ou de raiva.
Há dias em que eu durmo me sentindo a única fruta podre no meio de dúzias e dúzias de frutas boas, porque eu tenho celulite, e gordura localizada, e cicatriz, e pele oleosa, e acne, e calo, porque eu não sou a Beyoncé, e o transito não para pra eu atravessar a rua, porque no passado algum namorado que eu julgava especial já me traiu com uma mulher que falava adEvogado e lampIda, porque eu só recebi flores uma vez na vida e elas murcharam logo, e Chico Buarque nem sabe que eu existo, porque o amor da minha vida tá por aí e eu nem sei o endereço dele, pra falar a verdade eu não sei nem o nome, pra ser ainda mais realista e sincera eu nem sei se ele existe, porque eu tenho insônia e acordo com a cara tão enchada parecendo a Whoopi Goldberg, só que sem o dinheiro e a fama dela.

Mas tudo bem, há dias e dias, certa vez uma amiga minha disse que eu era a maluca mais certinha que ela já conheceu na vida, e no fundo o que ela queria dizer é que eu sou abstrata demais pra ter atitudes tão comuns, mas aí Lulu Santos compôs uma canção que diz: “Eu acho tão bonito isso de ser abstrato baby, a beleza é mesmo tão fulgás, como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de convencer”; E aí eu me convenci, que eu também, eu também acho isso tão bonito. Tiara Sousa

domingo, 29 de setembro de 2013

EU TE PROMETO NADA

Houve um tempo em que crianças eram crianças, e medos passageiros, e sonhos respeitáveis. Houve, não há mais, não há mais nada, só lustres em mansões, idosos em praças, conselhos em garrafas, gente doendo socialmente, intimamente, gente suportando o insuportável, gente esquecendo que é gente, e eu não posso dormir, nem mesmo ao seu lado.
E é por isso que te prometo nada, nenhum recato, nenhum laço, nenhuma vista, nada. Não posso te dar o que não é meu, eu.
Então fujo do que me faz delirar, e do que o encanta, e do que não o encanta, e do que um dia já nos encantou, e até do vento.
Entre beijos e respirações ofegantes nada é verdadeiro, que não passageiro, nada é tudo, embora pareça. Eu sei, eu vi, eu senti! Gozamos um inferno de sentimentos nobres, gozamos um céu de sensações torpes, onde tudo de bonito se resume a duas doses de sede e uma tragada de fome.
Eu vejo o mundo, e a nossa dor se completa, por que eu conheço quando uma dor é inteira, porque eu conheço o último riso, o último choro, eu conheço até o que ignoro, até o que não me cerca.
E é por isso que te prometo nada, nenhuma aventura, nenhum risco, nenhum orgasmo, nada. Não posso te dar o que não é meu, eu.
Houve um tempo em que crianças eram crianças, e medos passageiros, e sonhos respeitáveis... E eu não posso dormir, se não for ao seu lado... E é por isso que te prometo nada... Não posso te furtar o que sempre foi teu, eu. Tiara Sousa


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

SEXO VERBAL FAZ MEU ESTILO

Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros, e os erros são seus

Não quero lembrar que eu erro também”
Trecho da música “Eu sei” de Renato Russo

Com todo o respeito ao genial Renato Russo, devo admitir, sexo verbal faz meu estilo, ainda que palavras sejam erros e os erros sejam todos meus, eu gosto de palavras. Palavras tem gosto e sabor, tem forma e movimentos, tem escrúpulos e novidades, tem condescendência e péssimas maneiras.
Palavras são infinitas, caminham pelos corpos, caminham pelos olhos, são o principio do meio da saliva, são o meio do final das histórias mal contadas, porém bem vividas.
As palavras são o antes, a paquera, a cantada, o investimento. As palavras são o depois, a troca, a conversa, os risos. As palavras são o durante, os sussurros mudos, roucos, estridentes, imponentes, sem linguagem certa, mas ainda assim, palavras, mesmo que só pensadas e nunca ditas.
Gosto do som da palavra saudade, da entonação da palavra desejo, da tristeza da palavra Adeus, da beleza da palavra bonita, da propriedade da palavra gostosa, eu gosto da pureza do silencio e das inúmeras palavras explicitas implícitas nele.
Sexo é comunicação, a palavra é o romance da comunicação, eu sou romântica, e quem não é? E por que não é? Quem é tão frio que deseje mudo em pensamentos, se o pensamento grita o que as mãos percorrem e o corpo escreve.
Sexo verbal faz meu estilo, eu gosto de erros sentimentais e com propriedade, impróprios. Acho broxante primeiro beijo em festinhas de música alta sem conseguir ouvir o que outro fala, não considero excitante músculos vazios de intelecto, não precipito momentos, não admiro futilidades que não sejam poéticas e ilusórias. Aprendi a gostar de lembrar que eu erro também. Tiara Sousa


quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Antes da vez passada

Conheço esse olhar, é o mesmo de antes, antes de mais tarde, antes de agora, antes de quando me permitia doer, antes da vez passada. Conheço tudo e mais um pouco, por isso voltei, por isso sempre volto, é confortável, é ocioso, é cômodo, é ingênuo.
Ontem já passou, se foram os coloridos diversos do céu, se foi o mar do Pacífico, se foram as diferentes linguagens e os finitos infinitos vieram. O Sol por aqui está bonito como sempre, e como sempre eu calço sandálias e uso saias, e como sempre eu leio romances e choro, e como sempre eu me alimento da nudez das paisagens as quais já sou habituada, e ainda me surpreendem.
Minha avó rezou pelo abrandar do inverno, mesmo sentindo o verão no seu corpo, porque ela sabe que eu desconheço orações, e porque no meu corpo eu sentia frio, e porque ela sempre pede por mim antes de pedir por ela. Hoje eu sorri antes de deitar, porque a minha cama ainda é a mesma e meus olhos também, pensei que todos deveriam sentir-se felizes como eu, resquícios da minha criação comunista, ou um velho gosto por gente, ou sei lá.
Voltei pra entrar em casa e perceber que eu também sou egoísta, compreender a dor de alguém não é saudável, saudável é nunca compreender uma dor, ainda que em lugares distantes, em momentos solitários, em palavras duras, em dias nublados, bom é nunca ser infeliz, mas nada é tão simples.
É verdade, eu passeei pelos lugares, porém eu viajei as pessoas, mas eu sempre viajo pessoas, cada um é um mundo e eu aprecio o conhecimento, eu sempre viajo... Fui educada para ouvir nos olhares, talvez por isso guarde poucas palavras e no entanto seja tão capaz de reconhecer uma dor só de ver como alguém caminha.
Voltei, com uma crise de enxaqueca e cinco quilos a menos, mas sei que cada hora somou, mesmo as subtraídas. Eu senti tudo... Cada folha, cada ritmo, cada verso, cada cor, cada gosto, cada encontro, cada despedida. Eu senti cada oração da minha avó.

Conheço esse olhar, é o mesmo de antes, antes de mais tarde, antes de agora, antes de quando me permitia doer, antes da vez passada. É o meu olhar. Tiara Sousa

terça-feira, 3 de setembro de 2013

As cores quentes estão geladas


Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu. Chico Buarque


Está frio. As cores quentes estão geladas, os versos estão gelados, meu corpo está gelado, e meus cobertores são tão frágeis quanto eu, nem posso chamar ninguém para baixo deles, não posso... Quase não me reconheço trajando bota e casaco, até perceber que as paisagens mudam, eu não, eu continuo a mesma, escrevo como de costume para não pirar, ao som de Ray Charles, fumando Marlboro. Ainda choro na terceira estrofe de Pedaço de mim, ainda prefiro as bobas comédias romanticas americanas aos filmes de arte franceses, ainda considero vazias promiscuidades, ainda me emociono com o mar, ainda acredito em finais felizes e valorizo humanidades.
Está frio. E eu nem gosto de café, nem de despedidas, talvez por isso eu entre nos lugares sociável e alegre e saia deles discreta e triste, deixando lá pessoas que conheci, mas não sei se verei novamente, não sei... Aqui é distante de casa, e ninguém me olha como a minha mãe, mães nos olham como se fôssemos o mundo inteiro, e a gente acredita que é, até descobrir que o mundo é bem maior que as nossas lamentações e bem menor que os nossos sorrisos.
Está frio. Mas daqui consigo ver o Sol, então sei que tudo está bem, que há poetas prosando a minha cidade, que o samba ainda arrasta multidões, que a minha família se reúne aos domingos e Ian dorme como um anjo, que meus amigos continuam especiais, e minhas ilusões permanecem, elas permanecem... Sou uma criança com sonhos de cenário cor-de-rosa, sou o fundo de um armário antigo à espera de reforma, sou uma louça segregada do conjunto, uma intimidade verdadeira, e sóbria, e quente e outra vez verdadeira, e sóbria, e quente. E ébria.
Está frio. Sou um machucado que não sara nunca... Está frio. E enquanto estiver frio, todas as cores quentes estarão geladas... Todas. Tiara Sousa

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

CURRICULUM VITAE

Á pedidos...
Apresento aos leitores deste blog,
meu nada convencional currículo...

É esse o meu preço, um pouco de apreço meus caros, já fui boemia, já ouvi Cartola às três da manhã, com um copo de vodka com limonada e um coração partido, já andei por ruas escuras e perigosas, já chorei as pessoas sem lar, sem sequer saber seus nomes, já esnobei belos e plásticos burgueses e mandei á merda o machismo latente e impregnado na sociedade, já fui uma moça ingênua, romântica e sonhadora, e de vez em quando não sou mais.
É inevitável, evitar seus olhares companheiros, já fui comunista, já procurei paixão onde não havia mais nada, já dormi em mansões e em praças, já carreguei bandeiras brancas no Carnaval, já tomei porres em quarta feira de cinzas, já beijei apaixonadamente de olhos abertos, já construí belos discursos que nunca saíram do papel, já palestrei pra ninguém e incomodei o mundo.
É esta a minha verdade, um pouco de ilusão realistas, já dancei reggae com padres, já me confessei pra Lua, já me resgatei no fundo do poço, já peguei carona com a PM, já contei estrelas em cidades que eu nem lembro o nome, já passeei por belos homens, já me enfeitei pra ninguém.
Me perdoem a ebriedade (in)corretos, mas já troquei confidencias com arvores e fiz amor com o mar (e no mar), já abriguei malucos e pior, normais, já escrevi poemas em guardanapos de botequins e fiz som em caixa de fósforos, já acampei no céu e achei um saco.
Portanto queridos futuros pretéritos, não me julguem pela capa, eu nunca fumei maconha, nunca cheirei cocaína, já bebi, não bebo mais, já tive casos, mas nunca com homem comprometido e nem com os metidos, nunca cobicei namorado de amiga, e ainda assim acreditem, eu sou bem mais louca e ainda melhor do que aparento, choro em finais de filmes bregas, ouço Lupicínio Rodrigues, leio Fernando Pessoa e todos os seus heterônimos, já cantei “Garçom de Reginaldo Rossi” em karaokê e ainda tive tempo pra me apaixonar várias vezes e sempre antes do Sol nascer, e olha que agora que eu tô com 28 anos. Tiara Sousa




domingo, 28 de julho de 2013

LOUCURA

Esquece. Há dor nos seus olhos, mas esquece. Que o fim do dia já chega, que o mundo já passa, e acabo de saber que em algum lugar do mundo, alguém chora a tua inconsistência.
Esquece. Os nossos corpos gritam, e eu te demonstro num sorriso que a chuva passou, você prevê o tempo e o Sol enlouquece.
Eu já vejo sombras há tanto tempo, que dói não ter ido onde você estava, e você nem me prefere quando eu estou perto. Eu amo as luzes sob o seu corpo, e enquanto amo, o fim não chega.
Eu já assisti novelas demais, já li romances demais, já vi comedias demais. Agora não, agora eu vejo paisagens e componho canções. Eu ressinto a natureza, mas é você quem a constrói, com um sorriso assim meio de lado, um olhar tímido, e uma sede que não passa por onde caminho.
Lembra da tua mãe, de como ela te olha, de como te venera, de como te é... Me dói saber que eu nunca vou te olhar assim, que a natureza do meu sentimento é diferente, que eu me perco nos detalhes do teu corpo masculino e sápido, e voo, e voo. O desejo me consome tanto, que eu desvaneço só de imaginar.
Já fui para o inferno, já fui para o céu, já fui em você tantas vezes e provei do céu, tantas outras do inferno, e essa loucura não cessa. Sempre volto com o mesmo gosto agridoce na boca, o gosto da falta, da vontade, da espera, da próxima vez, da dúvida, da certeza.
Eu venho de um lugar em que poetas são juízes, cronistas governam, Marias chefiam, Josés choram. Você vem de um lugar em que estrelas sobram, e eu sei que parece diferente, mas no fim das contas viemos do mesmo lugar.
Amanhã eu vou ao mercado, vou ao banco, vou à floresta, vou ao fim do mundo pra te ter outra vez, e enquanto puderes fugir, foge, eu não vou gritar muda, como de costume. Prometo, você vai me ouvir.
E as palavras serão ingênuas e perversas, serão estas: __ Sabe aquele alguém que chora tua inconsistência, com requintes de desejo, com tato, paladar, visão, audição e olfato, que inconsciente coleciona lençóis comprometedores e imaginários? Se não sabes e por ventura quiseres descobrir, me olha, com minúcia e desconforto, com virilidade e fome, com métodos e saliva, e irá saber, que aquele alguém, sempre, sempre, sempre... Eu. Tiara Sousa

domingo, 14 de julho de 2013

BRIGA DE CASAL

Passou. Os seus olhares já não me despem mais, sua poesia já não me furta, o seu sorriso já não me alegra, as suas palavras bonitas já não me interessam.
Passou. Aquele futuro que eu programei para ser ao seu lado, joguei fora os filmes românticos que me algemavam a tua alma preta e branca e ao teu desejo incolor e incólume.
Passou. Os seus concertos já não me desconcertam mais, sua virilidade já não me contém, o seu risco já não me excita, os seus métodos já não me incorporam.
Passou. Aquele disco antigo que eu comprei para ouvir ao seu lado, doei o romantismo que me cegava para um mendigo que implorava as dores e as sensações que eu tinha de sobra.
Passou. Não mais me interessei pelos teus modos démodés, não mais tentei achar tuas qualidades, não mais procurei a tua nobreza, deixei de acreditar em Papai Noel e voltei a ler jornais.
Passou. O amor das cartas de amor que eu escrevi e nunca enviei, as lingeries que eu comprei e vesti só pra você tirar, os raios de Sol que o guarda-Sol cobriu.
Passou. O desejo sem fim, a vontade sem meios, o gosto sem começo.
Passou. Agora tenho apenas o mundo inteiro, onde eu inteira não tento mais me encontrar em ti. Tenho apenas sorrisos de sobra, e olhares de sobra e fome de sobra de conhecer tudo o que a minha paixão me furtou, além de umas contas pra pagar e um monte de coisas bem resolvidas pra complicar.
Passou meu bem, e é pra nunca mais. Até cessar a minha ira e eu voltar a achar que é pra sempre. Tiara Sousa

sábado, 29 de junho de 2013

LUAN



É preto e branco, o mundo em que te conheci, como se das cores tivesses sido furtado, ou tivesses fugido pra outro lugar. É que ainda não vivestes tanto, e que teu nome rima com o nome do meu filho, que agora brinca com carrinhos enquanto você protesta ou beija as meninas que eu nunca, nem quando menina pude ser, já que em mim nunca nada foi traduzível.
É que nesse lugar onde moras, não tem moldura, nem se revela, nem combina com a minha falta de rimas, e a minha sobra de sorrisos tristes. É que o teu abdômen é a única coisa em ti solitária, é que o teu abdômen combina com os meus olhos.
Enquanto tu ignoras o que faltou para o dia ser perfeito, eu procuro com esmero as imperfeições do dia, por que sem dor eu não construo frases, e sem construí-las eu seria apenas mais uma dessas moças simples e óbvias que você já teve em seus braços.
Necessito que venhas urgentemente ao meu encontro, mas que venhas num dia de chuva, eu já te imaginei na chuva e seria cruel me furtar esse delírio. Necessito que se vá cedo, por que tarde, passas a ser não mais somente essa imagem preta e branca que eu condicionei a ser somente minha, deixas de ser por enquanto e por inteiro.
Não precisas demonstrar esse despudor, essa necessidade de auto afirmação, esse convencimento fingido, essa popularidade vazia, nem esse olhar maliciosamente puro. Eu te quero cru, sem requintes que não sejam naturais, te quero com a camisa amarrotada e cheiro de plantas, te quero agora e pra ontem, mas não quero que fiques para sempre, meu para sempre já ficou e já partiu, e o nome dele rimava com o céu. Tiara Sousa


domingo, 23 de junho de 2013

MEU PARTIDO? 193 MILHÕES DE CORAÇÕES PARTIDOS


Cento e noventa e três milhões é aproximadamente o número de habitantes do Brasil, conhecido por ser o país do futebol e do carnaval, é na realidade um país lindo e de extrema desigualdade social, cultural e regional, resultadas de muita corrupção. Nos últimos dias, um número expressivo de pessoas em diversas cidades brasileiras, foram ás ruas, protestar, gritar, esbravejar, reclamar. E que imagens, que atitude, que geração!  Foram manifestações que começaram na cidade de São Paulo, por conta de um reajuste de vinte centavos no valor do transporte público e tomaram o Brasil, por que no fim das contas o que o povo manifesta nada mais é do que justiça, sim justiça, pois os altos preços no transporte, a falta de mobilidade no transito, os valor dos alimentos, o número extremo de impostos, a corrupção, a violência, a desimportância que nossos governantes dão a educação e a saúde, é injustiça sim.
É isso aí Brasil, que lindo! Estamos cansados de tanto deboche por parte dos nossos políticos, de trabalhar o mês inteiro e receber uma miséria, de ver o governo gastar uma fortuna com COPA, enquanto pessoas morrem de fome e nas filas dos hospitais, estamos exaustos. Como se não bastasse foram propostas a PEC 33, que atinge o STF e caso aprovada, modificará a relação entre os três poderes do país, ou seja, permitirá ao Congresso ter controle sobre ações do Supremo Tribunal Federal, e a PEC 37, uma proposta de Emenda à Constituição, conhecida como PEC da impunidade, pois pretende tirar o poder de investigação do Ministério Público, e se aprovada, inviabilizará algumas investigações como: desvio de verbas, crime organizado, abusos cometidos por agentes dos Estados e violações de direitos humanos, isso sim é violência, isso é destruir lares, famílias, dignidade.
Entendemos sim, a importância do voto, não entendemos é a falta de opção para votar bem, portanto não venham nos falar que podemos resolver tudo votando corretamente. Entendemos a necessidade de reajustes nos valores dos produtos comercializados, não entendemos é o valor vergonhosamente baixo do salário mínimo. Entendemos que embora este seja um movimento pacifista, tem ocorrido atos isolados de violência, mas entendam, a violência não nos representa, é só um reflexo da educação oferecida por vocês governantes. E definitivamente nos recusamos a entender porque as grandes mídias passam o maior tempo mostrando atos violentos que não são nem um por cento das manifestações, mostra aí os policiais agredindo, mostra a fome, a miséria, os hospitais lotados, mal equipados e sem médicos suficiente, os lugares horrendos que chamam escolas, mostra a merda que os governantes fazem com o povo, mostra aí REDE GLOBO, mostra aí redes televisivas.
Com todos os percalços, as manifestações tem sido lindas, porque repito, a violência não nos representa, assim como os prefeitos, governadores, deputados, vereadores, a presidenta não tem  nos representado, a mídia não tem nos representado. Até então, quem nos representa somos nós, os estudantes, os pedreiros, os pintores, os artistas, os médicos, todos os profissionais reais, que ganham uma miséria de salário e são obrigados a pagar uma fortuna de impostos.
Em muitas cidades se ouve falar de que não há um propósito real e único, que as pessoas vão às ruas sem saber exatamente pelo que lutam, não comprem esse discurso como a ignorância de um povo, é que essa falta de objetividade se dá pelo povo não saber pelo que lutar primeiro, é muita injustiça, é muita desigualdade, é muita violência, é muita miséria, é muita corrupção. Ninguém aguenta mais, nunca foram vinte centavos a mais no transporte, foram histórias inteiras de gente reduzida a nada, apanhando do sistema corrupto, desigual, antidemocrático, sujo, violento e criminoso que é a classe política dos governantes brasileiros, que deveriam representar o povo e que são bem pagos para isso, mas não o fazem. A vocês governantes, um recado apenas__ Somos nós quem sustentamos seus luxos, vocês trabalham para nós e não o contrário, queremos nosso país de volta. É por isso que lutamos, pelo Brasil, é por isso que neste momento meu partido é: 193 milhões de corações partidos de uma população, que é furtada, violentada, agredida, vandalizada, da hora que acorda até a hora que vai dormir. Tiara Sousa
A VOZ DO BRASIL!

domingo, 16 de junho de 2013

O Hóspede

Por Laila Lopes

Sempre que pensava naquelas coisas, lavava as mãos repetidas vezes. Como quem procura punição, esfregava uma na outra até que não conseguia mais distinguir sangue e água, escorrendo pelo ralo da pia. Pensava em quantos meninos iguais a ele teriam tentado enterrar dentro de si aquela maldição. E quanto mais limpava, mais tinha certeza de estar sujo com uma sujeira sem volta, algo que gruda, emporcalha e torna-se a segunda pele de alguém. Lembrou-se de como aquilo tudo havia começado: nunca quis a bola, o carrinho, ou seus dedos por entre o sexo menino daquelas meninas. Então se escondeu na barra da saia da mãe, por entre as tarefas do lar, por trás das roupas a passar, da comida por fazer, da preguiça dos irmãos em ajudar. E fazia tudo com o maior zelo, para ter sua feminilidade justificada, para que não precisasse mais acompanhar os irmãos naquelas brincadeiras de meninos, para que sua vida passasse despercebida. E passou, passou sem que ao menos perguntassem quem ele era ou mesmo o que queria. Até aquele dia. Naquele dia a mãe recebeu a visita de um parente distante, um primo de algum grau que não se calcula. Um homem bonito, bonito como nunca tinha visto. O primo se hospedou ali por alguns meses, tempo suficiente pra redespertar no menino vontades que a vida ensinou-lhe a esconder, a enterrar em algum lugar no seu desejo. Até que não pôde mais lutar, até que ficaram finalmente sozinhos. Embarcou com o hóspede num passeio que nem sequer tirou-o de casa, mas que foi capaz de mostrar-lhe o mundo que evitou por anos, conhecer. Não se sentia mais sujo, não queria mais lavar as mãos até ferir-se, talvez porque já não queria mais livrar-se de si mesmo. Talvez porque não visse mais naquilo que era a realização de seus pensamentos mais imundos, uma maldição. Naquele momento percebeu que nada poderia fazer para fugir de quem era, percebeu mesmo que gostava de ser assim. Precisava desesperadamente, ser feliz. Pegou algumas roupas poucas, um tanto mais de coragem e partiu. Algumas semanas depois, quando as pilhas de louças, roupas e sujeira se acumularam, foi que deram por sua falta: __ Uma empregada, precisamos urgentemente contratar uma empregada.