segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

AMOR MARGINAL

Enquanto o mundo caminha, e retrocessos castram, e crianças se desaprendem em discursos equivocados dos adultos, tem gente que ama, que ama filhos, mãe, pai, irmão, amigos, e gente que cruza o nosso caminho. Hoje, uma folha caiu, uma fruta amadureceu, uma criança nasceu, alguém cumpriu seu papel e história e faleceu e milhares de pessoas se apaixonaram, e só por isso, hoje, eu vou falar de amor.
Vinicius foi a primeira pessoa com quem falei quando cheguei na Universidade, subi as escadas, e da porta da turma onde eu iria assistir a minha primeira aula havia um aglomerado de novos alunos ansiosos por mais esse projeto de vida, e no meio deles, um rapaz negro, lindo, alegre, um garoto, quase 10 anos mais jovem que eu, que de longe eu soube que amaria e que me ensinaria alguma coisa. Ele foi o primeiro a falar comigo, ele era a extroversão em pessoa, eu preferia móveis que gente, ele tinha 17, eu quase 27, ele tinha sonhos, eu também, eu esperava um príncipe encantado, ele também... O dele chegou. Hudson é o nome dele.
A primeira vez que eles ficaram conversando por um bom tempo acabaram expulsos de um ensaio, ali eles descobriram que queriam se descobrir e entenderam o quanto eram opostos. Opostos, porque Hudson é timidez, Vinicius é extroversão, Hudson é organização, Vinicius é bagunça, Hudson é quarta feira de cinzas, Vinicius é domingo de carnaval, Hudson quer casa, Vinicius quer festa, Hudson quer despachar malas, Vinicius quer colocar mochila nas costas e sair por aí, Hudson quis Vinicius, Vinicius quis Hudson, e a partir daí todas essas diferenças ficaram pequenas, e pequenos ficaram também os obstáculos, os olhares preconceituosos, os julgamentos, as discriminações. Ficaram menores que um grão de areia, menores que o sentimento, menores que o primeiro beijo num Ônibus Campus 311, um beijo tão lindo e tão libertador que segundo Vinicius levou ele para o céu, e eu acredito nisso, afinal, o que há de mais alto e mais sagrado do que o inicio de um grande amor?
Mas nem tudo são flores, mesmo as histórias mais lindas tem sua carga dramática, e com esses dois belos rapazes não foi diferente. Vinicius era livre em muitos sentidos, e Hudson não tava completamente livre, mesmo assim eles tentaram, tentaram namorar, tentaram terminar, tentaram não namorar, mas quando se gosta tanto assim de outra pessoa não se consegue não ficar junto, e eles não conseguiram...
Um certo dia, logo no inicio dessa linda história que eles construíram, Vinicius comprou uma caneca de quadro negro e deu de presente a Hudson, que escreveu nela... - Eu acho que estou amando você. E não é que estava mesmo, e não é que estavam mesmo, porque desse dia em diante eles não se largaram mais... Juntos, eles atravessaram as manhãs mais divertidas, as tardes mais bonitas e as noites mais doces. Aprenderam que um abraço vale mais do que um grito e que aceitar o outro do modo como é, é das coisas mais lindas desse mundo. Vinicius comemorou quando Hudson ingressou no curso de enfermagem, mesmo sabendo que isso reduziria o tempo deles juntos, porque era o que Hudson queria. Hudson apoiou os projetos artísticos mais ousados de Vinicius, porque soube amar o que Vinicius ama, Hudson ficou livre pra Vinicius, Vinicius se prendeu a Hudson. Juntos eles estão descobrindo o verdadeiro amor. Juntos eles estão ensinando muitas pessoas sobre amor.
Porque coisas que são pequenas para muitos casais heterossexuais, pra eles são muito grandes. É grande demais apresentar os pais, é grande demais se beijar na rua, é grande demais aproximar as famílias. É grande demais cada pequena atitude de aceitação. Mesmo assim, eles comemoram cada pequena conquista, cada pequena atitude. Vinicius se emocionou quando a mãe dele separou uns livros de enfermagem pra ele levar pra Hudson, e cada vez que ela conversa com Hudson, o coração dele fica mais leve, ele sente mais paz. Ele se emocionou quando a tia dele disse que encontrou com o companheiro dele num local, porque ver a tia dele reconhecer Hudson como seu companheiro foi a parte mais bonita da semana dele. Coisas tão pequenas que se tornam tão grandes.
Atualmente, Vinicius tá fazendo mestrado em Florianópolis enquanto Hudson continua no seu curso de Enfermagem em São Luís. Eu sempre converso com Vinicius pelo Messenger. Outro dia ele me contou que Hudson foi visitá-lo lá e que foi lindo e emocionante o encontro deles. Ele já ficou de férias e chegou aqui em São Luís, dia 18 de dezembro eles comemoram 4 anos de namoro e do jeito que eles já usam até aliança de compromisso, acho que não vai durar muito tempo pra essa história virar casamento.

Mas eu publicar esse texto hoje, não tem nada a ver com o fato do aniversário de namoro deles estar próximo. É só que aquele rapaz negro, lindo, alegre, um garoto, quase 10 anos mais jovem que eu, que conheci no meu primeiro dia de aula e que de longe soube que amaria e que me ensinaria alguma coisa, vive uma história linda que as pessoas precisam conhecer, as pessoas precisam se permitir conhecer histórias lindas, porque como já disse, coisas que são pequenas para muitos casais heterossexuais, pra eles são muito grandes, são grandes porque tem muita gente que não entende de amor, porque tem muita gente que precisa entender de amor. Tiara Sousa

sábado, 2 de dezembro de 2017

DETESTO DEZEMBRO

Eu gosto daquela saia velha e colorida com a bainha gasta e com lembranças de um tempo em que eu não contava as horas. Hoje, eu e o meu relógio de pulso somos inseparáveis, é que pra lá da janela tem um mundo inteiro esperando que a gente se comporte como alguém da nossa idade, e a única coisa que eu queria desse mundo era a liberdade de poder desejar um trio do Bob’s, uma canção do Bob Marley e uma prateleira cheia de romances fúteis pra ler.
Já é Dezembro. De novo dezembro. Eu amo as luzes de Natal que iluminam a cidade, passo horas na frente do shopping olhando aquelas cortinas de lâmpadas e pego o caminho mais longo só pra passar pelas pontes e apreciar as iluminações natalinas, mas detesto a sensação que esse mês me trás de que preciso trocar a mochila por uma bolsa de couro cheia de zipers dourados, de que preciso doar todas as minhas havaianas e camisetas e comprar sapatilhas e blusas sociais, de que preciso superar o meu vício em cigarros e em analgésicos e em coca cola e em guloseimas e em homens encantadoramente complicados e me conformar com saladas de atum e quinoa, mesmo não fazendo ideia do que é mesmo quinoa.
Detesto dezembro porque toda vez que o ano chega ao fim começo a me perguntar até quando vou poder abrir a porta do quarto da minha mãe e fazer o maior drama por causa de uma dor de cabeça, uma dor de cólica, uma merda de alergia. Até quando eu vou poder pedir pra minha avó fazer aquele bolo que eu gosto, só porque eu gosto. Até quando vou poder ser bagunceira e pular em cima da cama e do sofá cada vez que tocar uma música legal na rádio. Até quando eu vou poder me dar ao luxo de escrever, mesmo sabendo que eu se eu quiser ganhar dinheiro mesmo, a melhor opção é o inferno de um concurso público.
Detesto Dezembro porque cada versão minha é mais antiga que a outra. Porque eu sou um vestido de 1999, sou o sabor do verão passado, sou um disco de vinil, sou a incapacidade de comer um cachorro quente sem sujar a mesa toda. Porque nunca me habituei a cruzar as pernas ao sentar, ou a perguntar a alguém se esta tudo bem sem realmente querer saber se esta tudo bem, ou a desfazer as malas pensando em como é um saco desfazer as malas. Porque há um gosto ácido na minha boca que me faz quebrar as regras, e nessas, eu sempre me quebro. Porque eu gosto de andar descalça e de contestar moralismos, porque sou medrosa e sonhadora e egoísta e mimada e egocêntrica e agridoce e dou o maior trabalho pra todo mundo que me cerca. Porque pra me entender tem que detestar Dezembro pelo menos um pouco.

Detesto Dezembro porque é Dezembro, porque é o fim de alguma coisa, e eu nunca me habituei aos fins. Detesto, porque não me conformo que anos no meu RG ditem quem eu sou, ou como devo me vestir, ou me comportar, ou até onde posso errar. Detesto Dezembro. Mas amo Janeiro.  Porque Janeiro é começo e me lembra aquela saia velha e colorida com a bainha gasta e com lembranças de um tempo em que eu não contava as horas. Porque me dá vontade de mandar o mundo inteiro pra lá da janela que espera que a gente se comporte como alguém da nossa idade ir se fuder, e porque é a melhor época pra se comer um trio do Bob’s, pra se ouvir uma canção do Bob Marley e ler todos aqueles romances fúteis da prateleira. Tiara Sousa