São 7:00 da manhã, a
entrevista pra vaga de colunista é ás 8:30, ainda não tomei banho, ainda não me
vesti, droga, ainda nem escovei os dentes. São 8:30 em ponto, ainda bem que não
me atrasei (eu sempre me atraso), deve ser um bom sinal. Uma secretária
impecavelmente vestida me recebe e me direciona até uma sala onde há um homem
de uns 40 anos, ele está sentado, tem um sorriso simpático, está bem vestido
com uma calça jeans e uma camisa de manga comprida rosa clara(tem coisa mais máscula
que homem de cor-de-rosa!), meu futuro chefe, creio, costumo ser otimista. Ele
está com um papel nas mãos (suponho ser o meu currículo) e me olha da cabeça
aos pés com um ar de julgamento, droga, deveria ter me vestido mais
adequadamente, mas na pressa acabei optando por jeans e camiseta, o meu cabelo
tá uma farofa e nem o coque improvisado disfarçou isso, ah mas dane-se, agora é
tarde. Eu lhe desejo Bom dia, ele educadamente deseja de volta, diz que se
chama Eduardo e que tudo de prático que deveria saber sobre mim está no meu currículo,
mas que o mais importante nesse emprego é saber cativar as pessoas, então me pergunta
se sabendo disso eu ainda acho que estou apta a ocupar a vaga. Por essa eu não
esperava, achava que ele iria pedir para eu escrever alguma coisa, discordo de
tudo o que ele diz, afinal a coluna tem que ser cativante, eu não, mas acabo
não dizendo nada disso e afirmando que sim, que estou apta. Ele então pergunta
porque eu sou uma pessoa cativante, e eu fico muda, droga, não sou cativante,
nada perto disso, na realidade eu sou um saco, sei que preciso de uma resposta
rápida, mas emudeço. Cinco minutos depois, ele pede que eu me acalme e seja
absolutamente sincera (putz, ninguém deveria pedir isso a uma mulher com TPM), diz
também que não tenho muito a perder já que ele está quase decidido a dar a vaga
pra uma moça que entrevistou antes, e que dificilmente mudará de ideia. Então
pede que eu faça de conta que estou num divã e responda afinal, o que faz de mim
alguém cativante. Eu com a esperança perdida e o otimismo enfiado na minha unha
encravada do dedão do pé esquerdo, o obedeço e confesso como num divã:
_
Sou uma sonhadora, meus desejos mais carnais são sentimentais, eu nunca me
encaixo, sou a “pedra no meio do caminho” de Drummond, eu sempre aconteço. Tenho
insônia, penso melhor de madrugada, então enquanto todos dormem, ou transam, ou
bebem por aí, eu escrevo. Assisto filmes porque a vida me assusta, tenho fome
de coisas que nunca serão noticia, de meios que nunca comunicam, de passos que
eu nunca irei dar. Nem sei mais de onde vem os sorrisos, o gosto do mundo ainda
está na minha boca. Para as pessoas comuns eu sou excêntrica, é que às vezes
chove e eu corro pra chuva enquanto o resto do mundo corre da chuva, e ninguém
sabe ler que ali eu me liberto, que aquela sou eu. Para as pessoas incomuns eu
sou solitária, é que eu chego em casa e acendo um incenso, e acendo um cigarro
e acendo a luz, mas enquanto houver dores no mundo, no fundo tudo ainda estará
apagado. Sei que é arrogante e prepotente dizer isso, mas não me conformo com a
minha condição de ser humano, pois sou uma das melhores pessoas que conheço e
ainda assim eu sou péssima. Lugares cômodos sempre me incomodam, é
desconfortante admitir isso, é desconfortante não admitir. Eu tento meditar,
mas meditação requer concentração e eu crio muito expectativa quanto a tudo, a
sala, a cozinha, os quartos, os banheiros, os móveis, os amores, os amigos, os
estranhos, eu. Mas tudo bem, enquanto meninos e meninas ainda correrem por aí eu
sobrevivo. Meu coração hoje é um poste aceso, o mesmo asfalto, casas com luzes de
Natal e um morador solitário, amanhã já não sei...
Veja
através do vidro da sua janela, aquela folha a balançar no alto daquela árvore
naquela praça com o nome de algum reacionário cujo nome não recordo, aquela
folha sou eu, verde, porém em luto.
Ele sorri e não sei
exatamente porque aquele sorriso me soa uma afronta (talvez seja a TPM), então continuo:
_
Não, não divirta-se com isso, ou apesar disso. Eu nunca serei cativante, sempre
acho que o sol é contra o sol, que ninguém mais tem nada a dizer, e só nos
resta assistir aos noticiários e deixar de ter a esperança que nunca tivemos tendo.
Depois de ouvir toda
a minha confissão, ele diz: _ Parabéns! Você está contratada.
E eu, ao invés de
comemorar e sair dando pulos de alegria, pergunto por que, e ele confessa: _ Porque você me
cativou!
Então sorrio
timidamente e pergunto quando posso começar e ele responde: _ Você pode vir na
segunda-feira Marina.
Merdaaaaaaaaaaaaaa, mas
eu não sou Marina! Então acabo por descobrir que aquela entrevista é para uma
vaga de Relações Públicas (finalmente compreendendo a importância em ser cativante),
e que eu confundi o andar do prédio. Nós sorrimos, conversamos um pouco, eu
agradeço, saio, vou para o andar certo, mas a vaga foi preenchida há 20
minutos.
Eu poderia lamentar, sair de lá puta da vida,
mas nem me importo. Eu cativei um homem maduro, inteligente, educado e bem
sucedido sendo absolutamente sincera, perdi a vaga, mas ganhei o dia. Foda-se
essa coluninha démodé, eu sou cativante, posso conseguir coisa muito melhor. Tiara Sousa