segunda-feira, 21 de outubro de 2019

VALSA PARA DANÇAR SÓ

Direitos da imagem: wallhere.com

E eu, que sou tão errada, distraio as flores pelo caminho, porque sentimentos me assustam...
É que sentir é como ser mãe ou pai, é grande e é pra sempre, mesmo que dure apenas alguns minutos. Mesmo que dure o tempo de um Hollywood vermelho sentada no chão de uma lavanderia que nem é sua, pensando... E se mais tarde doer, como é que a gente para? Como é que eu fecho uma porta se jogar a chave fora? E se eu esquecer de mim? E se eu não puder parar e conter e nivelar? O que é que eu faço com o amanhã se ele ficar vazio? Onde eu me guardo se fizer muito frio ou muito calor ou se nunca mais eu puder deixar o coração em casa e alma no centro da mesa. E eu sinto tanto medo que quase pego a chave do carro e saio correndo, porque sentir é muita coisa pra quem só sabe sonhar de olhos abertos. E eu tento disfarçar o medo.
É que sentir é como apunhalar vaidades, é se esquecer um pouco. É deixar o mar ser infinito sozinho. É posar pra uma foto que nunca será revelada e que nunca vai chegar perto de revelar quem você é. É toda a verdade do mundo te ferindo, são as histórias que deixamos de contar pra não chorar, é o adeus disfarçado de até logo, é um poema na parede do quarto, são os erros que cometemos, é o tempo que a gente demora pra se perdoar por esses erros, é tudo o que a gente pensa que não tem perdão, é toda merda e toda luz e toda ferida aberta do passado, é a porra do passado carimbado em cada medo, é cicatriz e cura e curativo e pele e alma e corpo. É o fim. É o início. E eu tento disfarçar o medo.
É que sentir é a última música que a gente escuta antes de começar a se esconder da vida, é a primeira música que a gente escuta antes de ter medo da vida. É a vida. É o conselho sempre dramático dos nossos pais, é o cobertor dividido, é o sonho compartilhado, é o primeiro ciúme, e o antepenúltimo. É a última página do livro, é melancólico. São todos os orgasmos e toda a insensatez, é a primeira vez que você fica chateado com alguma tolice, é a esquina feia que dá pra rua mais bonita da cidade, é a esquina que não dá pra lugar nenhum, é um consolo e um abraço. São todos os traumas no chão da sala, na pia da cozinha, no fundo dos olhos, no desvio do olhar, no ralo do banheiro. É como vestir preto e amar amarelo. É como vestir amarelo e não amar. E eu tento disfarçar o medo.
O medo da poesia, da métrica, da sensação de estar acompanhada. Aprendi há muito tempo a evitar abraços aos quais serão difíceis de escapar, a fazer de conta que sou feita de aço, de pedra bruta, de cimento. Não sou. É só que sentimentos me assustam, então prefiro a segurança que é me sentir só... já que nunca aprendi a me compartilhar.
E eu, que sou tão errada, que sempre vivi num mundo ao qual não participo, nunca deixei de ser a menina de óculos no fundo da sala esperando alguém perceber que não estava à vontade atrás daquelas lentes e nem naquela sala fria em que tentava ser invisível pra não sentir, porque sentir não é raro, não é exclusivo, não é coerente, não é maduro, nem mesmo nobre. É humano. Sentir é só sentir. É sempre arriscado, é sempre ébrio, é sempre íntimo, é sempre solitário. É como compor uma valsa para dançar só. Tiara Sousa

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

O AMOR

Fonte da imagem: Site Vix

Sempre me procurei nos olhos dos outros. Nunca encontrei. Até procurar nos olhos certos. Nos olhos do meu filho.
Foram neles, naqueles olhos tão lindos, que entendi que nunca serei muito adulta, que sempre vou ser meio desastrada e lenta e tola e injusta e desorganizada, que nunca irei lidar muito bem com os sentimentos, que sempre vou ter medo do novo, vou atrasar, vou teimar, que serei meio orgulhosa e meio dramática e muito estranha, que sempre vou achar que o mundo pode ser um lugar melhor, que sempre serei meio maluca e um pouco sozinha, e que tudo bem, tudo bem eu ser assim, porque naqueles olhos eu sou perfeita em cada uma das minhas imperfeições e pra mim aqueles olhos são todos os contos de fadas, são todas as esperanças, são todos os lugares de todos os continentes de todos os povos, são o que há de mais bonito e mais verdadeiro na humanidade... Aqueles olhos são o amor.
E hoje, mais cedo, Viviane, uma amiga que tá grávida e tá tendo umas complicações e que tá tomando remédios e insulina e tendo que comer direito e se cuidar muito, me disse que passou a tarde meio deprimida, com medo de acontecer alguma coisa com ela ou com o bebê. E eu fiquei meio sem saber o que falar, é meio louco quando a sua amiga de infância engravida com o dobro da idade que você tinha quando engravidou. Eu fui mãe aos 18, ela será aos 36 e eu passei por coisas que ela não vai passar, tive medos que ela não vai ter, perdi fases que ela não perdeu, e em contrapartida ela tá passando por coisas que eu não passei, tá tendo medos que eu não tive e irá perder fases que eu não irei perder, e é difícil falar de um lugar em que você esteve num tempo tão diferente, mas como eu sou metida, saliente e amiga dela, decidi falar assim mesmo e ainda tornar isso público, pra que daqui a um tempo o filho ou filha que ela espera e que eu espero que tenha um nome decente, (porque vamos combinar que Viviane vai precisar de muito conselho pra escolher esse nome), mas retomando, que essa criança leia, saia correndo e diga... “Mamãe, a tia Tiara é uma gênia, ela adivinhou que iria dar tudo certo.” Porque vai dar tudo muito certo. Como eu sei? Meu Q.I é altíssimo Viviane, isso faz de mim praticamente uma vidente, então fica fria, toma esse tanto de remédio aí, aplica essa insulina, come como adulta e escolhe um nome lindo pra essa criança, ah e vai falando já na barriga que a tia Tiara é demais.
E daqui há uns meses, quando esse bebê nascer, lindo e saudável, lembra de te procurar nos olhos dele, é ali que você irá se encontrar, naqueles olhos tão lindos, que você irá entender (como um dia Verissa, outra amiga nossa de infância, falou pra ti, depois de um porre homérico), que tu é chata, mas é chata, mas chata pra caralho Viviane, e também generosa e solicita e divertida e louca e prática e mandona e assanhada e atrevida e fã do Continente Africano e a porra da rainha do drama, linda por dentro e por fora, e que tudo bem, tudo bem você ser assim, porque naqueles olhos você será perfeita em cada uma das suas imperfeições. E pra ti, os olhos desse bebê serão todos os contos de fadas, todas as esperanças, todos os lugares de todos os continentes de todos os povos, serão o que há de mais bonito e mais verdadeiro na humanidade... O amor. Tiara Sousa