segunda-feira, 2 de novembro de 2015

VERÕES UTÓPICOS... UTÓPICOS VERÕES...

Ele reclamava do meu jeito, dizia que eu era inalcançável, mas eu não era, e no fundo ele sabia disso. Eu queria explicar alguma coisa, mas não sabia como dizer a ele que gosto de solidão, que assim me sinto protegida. Como é que se diz... Eu tenho um mundo particular, ninguém corresponde as minhas expectativas, ninguém é estranho o suficiente pra ser a minha metade, eu não tenho metade. Então olhando no fundo de seus olhos castanhos, meu ponto fraco, me senti estranhamente à vontade e falei...
As ruas estão todas lotadas de intermináveis vazios, e por aqui ninguém tem se interessado pelos sentimentos escusos, as ferrugens tomaram conta dos portões e temos estado inseguros.... Todos os gritos cessaram, e todos os olhos lacrimejam. Na entrada de cada esquina onde anos antes as prostitutas se ofereciam para os homens vazios e/ou indiferentes, hoje não há nada além de uma imensa tristeza sem explicação. Se eu adormecesse hoje e só despertasse antes, antes das ultimas dores, dos últimos soluços, dos últimos noticiários, jamais acreditaria que sobreviveria aos últimos anos. 
A lama que tomou conta das periferias me afetou e os meus últimos pesadelos incluem um menino do sinal, de calças e alma rasgadas, ele limpa o vidro do meu carro, o vidro que já estava limpo, o menino que continua sujo, ele tem os cabelos pretos como os meus, e os olhos pretos como os meus, e a pele preta como a minha, e a última coisa que observo antes de arrancar o carro do lugar é o modo como ele agradece as moedas que ponho em suas mãos, um modo subserviente, que conta a história do Brasil sem nenhuma palavra, eu saio dali convicta de que deveria me sentir bem, mas tudo o que sobrou em mim é a sensação de que por aqui pelo meu peito é sempre anteontem, que lá fora os sorrisos são sempre amarelos e que as crianças crescem ao invés de serem felizes para sempre, então chego até o condomínio onde moro, observo as árvores que deveriam dar sentido as coisas e sinto dó de cada uma delas, subo as escadas, entro no apartamento, vou rapidamente tomar um banho, mas todas as impurezas permanecem, o mundo me afeta e só por isso parece até que todos os móveis estão cansados de mim.
Quero que todas as bocas de fumo apodreçam, não sei da poesia da miséria, detesto as peles cobertas de fome, não sei apreciar a tristeza  descarada das roupas rasgadas  e não remendadas. Estou não imune demais pra não pensar nos olhos pretos do menino preto como eu, porque os olhos pretos do menino preto ainda fazem latejar em mim periferias, eu devia estar feliz por não ser o menino preto do sinal, mas não sei como ser feliz por esse motivo, pra algumas pessoas ser adulto é simples, parte de um processo, parte da vida, para pessoas como eu ser adulto é como atravessar uma avenida de decepções.
Ele sorriu, um sorriso assim triste, de quem entendia exatamente do que eu estava falando, de quem como eu conhecia os espaços despovoados, e então disse... que eu tenho mania de mexer no cabelo, que passo gradativamente dezoito segundos para jogá-lo para o lado esquerdo e mais dezoito segundos para jogá-lo para o lado direito, que eu sorrio sempre que fico nervosa e sempre que fico sonolenta e sempre que fico apaixonada e sempre que fico tímida, e até quando tô muito triste, menos de TPM, que eu não sei sorrir de TPM, que eu caminho devagar e como devagar e amo devagar e ajo devagar e sonho rápido e não perco uma piada.
Disse também que sou diferente das mulheres com quem já saiu, pois gosto de coca cola e sorvete e filmes de suspense e massas, fiquei imaginando que ele estava habituado a um tipo de mulher que jamais serei, de voz doce, que cruza as pernas e pede salada num restaurante cujo menu tem filé. Disse ainda que eu mantinha sempre uma distancia segura, falava menos do que devia e era orgulhosa demais pra declarar sentimentos, ou ao menos admiti-los, e ali parada entre as intrusas palavras dele e seus olhos encantadoramente castanhos, achei que ele era o homem mais lindo do mundo. Ele se aproximou, e eu já sabia exatamente onde aquilo iria acabar, mas não o impedi, abri os braços e as pernas e todos as células do meu corpo, mesmo as que já estavam mortas e deixei que ele ficasse, antes que o verão acabasse e ele percebesse o óbvio, que sou generosa o suficiente pra querer mudar o mundo e egoísta ao extremo de ter preguiça de começar, que sou um risco pra saúde mental e emocional de qualquer um, que tudo de sacro por aqui é profano e que escrevo pra não gritar, e é tudo isso que faz de mim uma flor com pétalas de aço inoxidável, e que tudo em mim é ferido, é ultrajante, é infame.
E ali em seus braços, perdida em sensações tão estranhamente familiares, eu já sabia exatamente como as coisas acontecem e que ele não ficaria para os próximos verões; E por isso espero que esse verão dure, afinal, eu já aprendi... Os melhores verões são utópicos como essas minhas palavras e ninguém é estranho o suficiente pra ser a minha metade, eu não tenho metade. Tiara Sousa

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

APENAS MAIS UMA CONVERSA NO WHATSAPP...



Grupo: Amigos e relacionamentos!
 Anna, Carlos, Flávia, Jonas


12 DE SETEMBRO DE 2015

Anna
Eu queria era que ele gostasse de mim do jeito que eu sou, porque eu gosto de mim do jeito que eu sou, porque quando tô no fundo do poço é pra mim que eu corro e é comigo que eu me consolo. Mas eu não podia querer isso dele, se nem mesmo eu gostava dele do jeito que ele é. 14H09

 Carlos
Ela pode estar nos meus braços, pode jurar que gosta de mim, pode gemer de prazer ao mínimo toque das minhas mãos ásperas, ela pode me ligar as 2 da madrugada só pra dizer o quanto tá com saudade, e ainda assim eu não vou acreditar, vou achar que ela vai dar pro primeiro que passar, não por que eu seja louco ou neurótico, mas porque me acostumei a não ser amado. 14H15

Flávia
Tudo o que eu dei a ele em amor, ele guardou pra mais tarde me devolver em descaso, eu cheguei mesmo a pensar que seríamos felizes pra sempre, acho que foi quando nos casamos e eu disse sim, como eu era tola, precisei me separar dele pra me sentir desejada, pra me sentir cortejada, pra sorrir com o vento de tão bem comida, ainda preciso. Vou dar pra meio mundo de gente até minha mágoa passar e eu perceber que sou suficiente pra mim. 14H23 


Anna
Não sei que tipo de gente a gente é, acho que somos um bando de egoístas, porque nada disso aqui é problema, problema é quando não sentimos nada, porque nada é muita coisa e nada é muita ausência de dor. Ninguém aqui perdeu um membro, um sentido, os movimentos, é muito egoísmo achar que somos mais infelizes do que quem passa fome, a minha fome dele até já passou, acho que agora eu já nem sinto nada. 14H32


Jonas
Ele tinha olhos verdes e cabelos crespos, e eu gostei dele logo que o vi, ele devia ter me dado um fora, mas não, ele tinha que me beijar e fazer amor comigo e depois virar as costas pra mim, como se eu fosse um nada. Será que eu sou um nada ou ele é que morre de medo de viver um romance? Sabe Anna, ás vezes eu sinto nada, mesmo com todos os membros e sentidos e movimentos, todo mundo ás vezes sente nada. 14H47

Carlos
Pior é sentir muita coisa, muita coisa embrulha o estômago, muita coisa fere, eu cansei de sentir muita coisa numa sociedade em que sentir muita coisa é coisa de mulher. 14H51

Jonas
Ás vezes eu sou feliz, no dia em que eu ele nos encontramos e nos amamos eu fui feliz, depois passou, o depois sempre ferra com tudo. 14H54

Carlos
Acho que ela é bonita demais pra mim, extrovertida demais pra mim, autosuficiente demais pra mim, acho que tudo se resume a isso, ao fato de eu não compreender o que ela quer comigo, eu devia perguntar a ela, mas pra que? Seria uma exposição desnecessária, porque se ela me dissesse que me quer tanto quanto eu a quero, eu sorriria por alguns minutos, seria absurdamente feliz por algumas drogas de minutos, até eu olhar em volta e me sentir como eu sempre me senti, e não acreditar em nada do que ela falou, e perder toda a minha paz. 14H58

Flávia
O problema de vocês homens é que em sua desproporcional maioria foram educados de maneira machista, e não foram preparados pra mulheres que se vestem como desejam e são auto-suficientes, com libido e voz, e que acabam se deparando com esses tipos de mulheres, porque essas são as mulheres de hoje, de mini saia e embasamento teórico, e aí perpetuam numa insegurança infinita de que irão levar um chifre na primeira oportunidade, mas não irão, terão a primeira, a segunda e a terceira oportunidade de não serem inseguros, mas se permanecerem assim, levarão sim um chifre, mas na quarta oportunidade e só porque mulheres contemporâneas não lidam bem com a insegurança masculina. 15H12

Anna
Eu tenho medo, medo de ficar sozinha, medo de não ficar sozinha, mais medo ainda de me enquadrar num ideal ridículo, superficial e machista de mulher só pra estar acompanhada, medo do modo de vida atual se resumir a isso, conversas profundas e egoístas em que não nos vemos, não nos tocamos, e só teclamos e gravamos áudios, medo de sermos egoístas o resto da vida, porque aí fora, fora dessa tela, dessa maquiagem do cotidiano que titularam redes sociais, tem gente com problemas reais, há costelas se sobressaindo a fomes, falsas democracias matando nações, dependências químicas aniquilando famílias, membros decepados pela guerra, almas mortas pelo preconceito, mulheres abortando vidas no silencio, e nós aqui, discutindo relacionamentos bobos, encharcados de sentimentalismo e dó de nós mesmos, numa falta de solidariedade absurda. Como é que poderemos então ser amados, se o principio do amor é a generosidade? Quando é que deixamos de ter conversas como essas olhando uns nos olhos dos outros?  Que porra de tecnologia é essa que nos afasta e isola ao invés de nos aproximar? Como  é que é mesmo o novo corte do cabelo de vocês, é esse das fotos de perfil ou já mudou? 15H29

Carlos
off line... 15H35

Flávia
off line... 15H36

Jonas
off line... 15H37

Anna
L L L L L L L L L L L L L   off line. 15H39          Tiara Sousa








































                                                               

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

ONDE MORAM OS ESTRANHOS...

Direitos da imagem: Anio Tales Carin
A última coisa que Laura precisa nesse momento é ser Laura, é ter os cabelos de Laura, e a voz de Laura, e os inesgotáveis questionamentos de Laura. A última coisa que Laura precisa é ser ela, porque há um tempo está cansada de ser ela. Então, Laura vai ao salão de beleza, e corta os cabelos, e pinta de roxo, um roxo assim meio lilás, meio marrom, meio adolescente, meio triste. Laura quer ser feliz pra sempre, mas a avó dela diz que pra sempre é muito tempo, é tanto tempo, mas tanto tempo, que o próprio tempo se encarrega de deixar isso pra lá. Laura perde quatro quilos, quatro, porque cinco é muito e três é muito pouco, e porque ela quer se parecer com aquela atriz que faz o maior sucesso na novela das onze. Laura sai do salão, mas ainda tem que fazer algumas coisas pra se convencer de vez que deixou de ser Laura, então ela vai ao shopping e compra uma dessas blusinhas de seda falsa que parecem uma peça de babydoll, mas que todo mundo anda usando ultimamente, porque no fundo ela acredita mesmo que ser todo mundo é melhor do que ser Laura.
Laura sai do shopping já vestida com a blusinha de seda falsa, a blusa é amarela e não combina com nova cor do cabelo dela, mas ela tá se lixando pra isso, ela vai até um desses barzinhos localizados na área nobre da cidade e pede uma dose de whisky, um dia antes ela jamais beberia sozinha, pintaria os cabelos de roxo, usaria uma blusa da moda, mas agora não, agora ela quer deixar de ser Laura, quer esquecer quem ela era antes.

Laura ainda não sabe, mas ali mesmo naquele barzinho ela vai conhecer um cara legal, vai se apaixonar, e vai ficar tão bem que vai deixar o cabelo crescer novamente e voltar ao seu tom natural, e voltar a usar as velhas e boas camisetas e a se preocupar com o combina e o que não combina, Laura vai voltar a ser Laura e a amar ser Laura, vai namorar uns três, quatro, cinco, seis meses com ele, juntos irão viajar até um desses paraísos naturais que tem espalhados pelo Brasil, depois eles irão voltar e tudo vai ficar meio estranho e Laura vai se sentir vazia e transar com um carinha que ela conheceu há muito tempo no curso de Artes, e que fazia anos que não via, daí ela vai contar pro namorado do deslize e ele não irá perdoar, e o namoro vai chegar ao fim. Então novamente Laura vai querer deixar de ser Laura e mudar um monte coisas, mas o vazio ainda vai estar ali, ela vai passar um tempo em São Paulo na casa da tia avó, mas o vazio ainda vai estar ali, ela vai voltar e fazer vestibular pra Arquitetura e vai passar, mas o vazio ainda vai estar ali, ela vai ler “O Príncipe”, de Maquiavel e ficar meio antipática, mas o vazio ainda vai estar ali. E quando ela finalmente deixar de fugir daquele vazio e até se habituar a ele, ele pouco a pouco irá desaparecer, até que não haja mais nenhum resquício dele pela casa, pelas ruas, por Laura. E contrariando a sua sábia, porém endurecida pelas experiências, avó, ela vai ser feliz pra sempre por alguns meses,ou ano, ou anos talvez, até o vazio voltar e ela desejar ser qualquer pessoa ou todo mundo, menos Laura, porque naquele momento ser Laura vai doer demais, e Laura não gosta da dor, ela não aceita a dor, ela não conversa com a dor, ela não quer a dor, ela não entende a dor, se ela entendesse saberia que alegrias ornamentam vidas, mas são as dores que constroem seres humanos. São as dores Laura! Seja lá quem você for, ou quantas(os) forem, ou onde moram, não se esqueça, nunca esqueçam... São as dores que constroem a humanidade. Tiara Sousa

domingo, 18 de janeiro de 2015

TORTURA

A primeira vez que morri usava uma saia longa colorida e lenço preto no cabelo, não recordo da blusa, mas devia ser branca, sempre tive muitas roupas brancas, e eu lembro que por dentro só havia uma sensação imensa de rejeição. A penúltima vez que morri tinha uns 25 anos, usava flor no cabelo e tomava vodca com limonada pra esquecer do amargo da vida, não recordo a roupa que usava, qualquer coisa além do comum, creio.
Por fim cheguei num ponto em que deixei de questionar as coisas, eu as vivia como vive todo bom sobrevivente, devagar e temerosa, tão temerosa que era quase como se não as vivesse. Então finalmente resolvi mudar as coisas de lugar, sentir-se seguro é confortável, mas é também envelhecido como aqueles móveis lindos de madeira, cheios de história, mas sem grandes perspectivas, e então foi assim, colorindo o que não tinha espaço para cores que morri pela última vez. Eu pretendia deixar de fumar, e abandonar de vez o refrigerante e diminuir as guloseimas, mas quando se morre pela última vez, nada do que fazia muito sentido tem algum sentido, levantar da cama é a parte mais difícil do dia.
Olho em volta, são todos sobreviventes, os daquela rua com o esgoto estourado e cheiro fétido e vermes intrusas e os daquela rua de outdoor americanizado, todos sobreviventes. A vida é isso, algumas pessoas te surpreendem e seguram a tua mão nos momentos mais difíceis, é tão tolo e tão triste e tão bonito quando alguém chora por você, igual a moça loira que se embalava numa cadeira e fumava um cigarro e dentre todas as suas dores chorava exatamente pela que não era sua, e isso de alguma maneira deixava o mundo mais bonito. Somos todos sobreviventes, sobrevivemos a dores, fisicas e emocionais, sobrevivemos aos dias nublados e aos ensolarados, sobrevivemos a amores eternos que passam, sobrevivemos a vida, porque não é simples, não vem com o enredo pronto e não é ornamentada por finais felizes e moral da história, a vida não é um romance mexicano e somos todos sobreviventes.
Memórias vão e vem, e eu sorrio na frente dos outros pra fazer de conta que tá tudo bem, ouço dramas alheios pra ficar alheia aos meus, conto piadas que já tiveram graça e não tem mais, porque de alguma forma nos últimos dias nada mais tem graça. Quero gritar, mas tenho medo de alguém me ouvir, cubro o rosto com uma almofada e choro até a minha cabeça doer, então tomo analgésicos até a dor passar e me distraio com o mensageiro dos sonhos a balançar na minha janela.
Acabou, flores não tem cor. Que droga de mundo é esse em que a ignorância maltrata belezas e preconceitos são maiores que virtudes, e vaidades pisoteiam sentimentos? Tá tudo tão grande aqui dentro e tudo tão pequeno lá fora. Quero me esconder, me esconder das lembranças, das paredes brancas de cal, do espelho que me conhecia tão bem e agora parece um estranho, me esconder da minha saliva amarga, da minha pele, de cada célula morta do meu corpo vivo, de atitudes que não consigo compreender.
Não sou do tipo que abraça, que discursa sentimentos, ou se impõe, não lidero motins, eu apenas sinto. E acordo e faço um esforço imenso pra levantar, e sinto uma vez mais. As vezes tudo que preciso é de quem diga... Dane-se que você seja do tipo que não abraça e me force abraços e me obrigue a dizer como eu realmente me sinto, como eu tô ferrada e triste e perdida, ao invés de me deixar fazer como eu sempre faço e dizer que tá tudo bem. Não tá droga, não tá nada bem. Enquanto eu sentir os sentimentos dos subúrbios e ouvir os ruídos dos olhares baixos e me entreter de impressões populares e sentir a dor exata das canções óbvias de tão humildes vou lembrar que um dia o que inteiro me soava belo, (embora nada ali nunca fosse tão bonito aos meus olhos, tão habituados a belezas menos comuns e óbvias do que aquela), foi o que me deixou aos pedaços, mas sempre foi assim, só o enredo da história que mudou, o fim é o mesmo, é comigo de olhos direcionados ao chão catando os meus pedaços. Achei que seria fácil viver como as 7 bilhões de pessoas que povoam o mundo, não é. O fim sempre é o mesmo, e não, não tá nada bem, mas sim, vai ficar, vai ficar tudo bem, sei disso porque não é a primeira vez que morro, e nem será a última. Tiara Sousa.