Eu
me perguntei o que iria fazer quando eu acordasse e não fosse mais nada disso, disso
de louco, disso de vício, disso que vai enquanto fica e fica muito, o que iria
fazer quando eu virasse do lado da cama em que você deveria estar e que não
estava. Eu perguntei pra mim, em pensamento, mas o seu velho e incomodo talento
de decifrar cada olhar e gesto e meias palavras ainda estava lá, então você
respondeu: _Você vai chorar talvez, lembrar, se martirizar pensando no que
deveria e poderia ter feito de diferente e não fez, talvez queira ser outra
pessoa, talvez vá atrás de mim, ou então seja só previsível e faça tudo isso e depois
dê pro primeiro idiota que aparecer.
Então
um dia aconteceu, eu acordei e não era mais nada daquilo e você não estava mais
lá e eu fui só previsível, droga, mais uma vez você tinha razão. Porque você
sempre tinha razão, se quando eu te olhava eu perdia toda a minha? Isso era
muito injusto.
Você
sumiu umas duas semanas e então voltou, me agarrou e me beijou com a propriedade
de sempre, daí falou: _ Eu não gosto do seu beijo, eu gosto é da sua culpa, é
da sua crueldade de me querer só pra você, do seu beijo não, eu quero é o teu
sofrimento, quero que a tua menstruação dure trinta dias e que todos eles sejam
de muita cólica. Você sabia que eu tinha ficado com outros caras, não por ter
visto, ou por terem te falado, mas somente porque sabia de tudo sempre, e
porque até a minha saliva me denunciava, é claro que eu não iria saber lhe dar
com a tua ausência sozinha.
Talvez
você troque as minhas lâmpadas e recolha o meu lixo, tanto faz, talvez você se
mande outra vez, talvez. Tudo o que eu tenho de moderna é démodé pra você e eu
espero que você se foda por isso. Um dia eu me canso disso tudo, vendo o guarda
roupas, a TV de plasma, teus livros de sociólogos famosos, toda a tua coleção
de filmes de arte e o teu Gol velho na minha garagem, fico só com aquela camisa
do Fluminense que você usou naquele jogo que ganharam de 3 X 1 e que você ficou
tão feliz que disse que eu te trazia sorte.
Ás
vezes me aproveito do fato de você ser competitivo e te desafio dizendo: _Vem,
chega mais perto, duvido você me amar como ama aquele tênis velho com molas na
sola, duvido você duvidar do que eu sinto estando dentro de mim, duvido você
ser fiel enquanto eu te traio com a minha solidão. E ás vezes você cai nos meus
desafios, mas nunca dura pra sempre, nunca.
Não,
eu não gosto de você porque você é bonito, porque tem olhos verdes e cabelos
crespos, eu gosto de você porque eu sou fútil demais pra gostar de alguém que
me merece. Hoje eu só quero um vinho caro, uma casa grande, uma conta cheia, calmantes
e você por perto, só pra não deixar tudo isso pra trás e ir atrás de
você, com a certeza de que já vai estar ciente da minha chegada, porque você
sabe de tudo sempre, e isso é injusto.
Quando
eu te conheci naquela festa boba de gente tola, em que juro, não esperava
encontrar ninguém que me encantasse, mas eu te encontrei, então, lembra, logo
depois do nosso primeiro beijo, falei: _ Já entreguei tudo pra antigos amores,
minha doçura, minha inconstância, minha poesia, meus pensamentos, meus sonhos,
meu hímen, agora pode vir, seremos somente eu e você. Mas não foi nada disso,
eu te entreguei tudo de novo, mesmo o que eu já não tinha.
Ás
vezes tudo o que eu preciso é não precisar de você, então eu ensaio te dizer
certas verdades, dizer que você se acha muito, que enquanto tudo for mentira,
você nunca será digno do amor de ninguém, mas nunca digo, pois amo gente que se
acha, porque gente que se acha tá se lixando pro resto do mundo e porque eu
tenho mais medo de te perder do que de ser infeliz. Tanta propaganda no mundo e
você só diz que me ama pra se sentir melhor, isso é cruel comigo, mas admito, é
inteligente da sua parte, mas se quer saber, vá a merda você e seu intelecto,
eu quero querer é emoção, e que vá a merda eu e o meu intelecto também, porque
quando a minha nudez não te inspirar mais, o meu cérebro é que não vai te
seduzir.
Mas
acredite, eu já vi coisas demais pra crer que vai ser sempre assim, quando
passar eu vou transar com você só pra sentir nada, ninguém nem nada que venha
depois vai me tirar esse prazer. Mas enquanto não passa quero que saiba que se
você morresse amanhã eu morreria depois de amanhã, mas acho que você já sabe,
você sabe de tudo sempre, e isso é injusto, isso é muito injusto, isso me mata.
Tiara Sousa