sábado, 12 de abril de 2014

CRUA

Eu me perguntei o que iria fazer quando eu acordasse e não fosse mais nada disso, disso de louco, disso de vício, disso que vai enquanto fica e fica muito, o que iria fazer quando eu virasse do lado da cama em que você deveria estar e que não estava. Eu perguntei pra mim, em pensamento, mas o seu velho e incomodo talento de decifrar cada olhar e gesto e meias palavras ainda estava lá, então você respondeu: _Você vai chorar talvez, lembrar, se martirizar pensando no que deveria e poderia ter feito de diferente e não fez, talvez queira ser outra pessoa, talvez vá atrás de mim, ou então seja só previsível e faça tudo isso e depois dê pro primeiro idiota que aparecer.
Então um dia aconteceu, eu acordei e não era mais nada daquilo e você não estava mais lá e eu fui só previsível, droga, mais uma vez você tinha razão. Porque você sempre tinha razão, se quando eu te olhava eu perdia toda a minha? Isso era muito injusto.
Você sumiu umas duas semanas e então voltou, me agarrou e me beijou com a propriedade de sempre, daí falou: _ Eu não gosto do seu beijo, eu gosto é da sua culpa, é da sua crueldade de me querer só pra você, do seu beijo não, eu quero é o teu sofrimento, quero que a tua menstruação dure trinta dias e que todos eles sejam de muita cólica. Você sabia que eu tinha ficado com outros caras, não por ter visto, ou por terem te falado, mas somente porque sabia de tudo sempre, e porque até a minha saliva me denunciava, é claro que eu não iria saber lhe dar com a tua ausência sozinha.
Talvez você troque as minhas lâmpadas e recolha o meu lixo, tanto faz, talvez você se mande outra vez, talvez. Tudo o que eu tenho de moderna é démodé pra você e eu espero que você se foda por isso. Um dia eu me canso disso tudo, vendo o guarda roupas, a TV de plasma, teus livros de sociólogos famosos, toda a tua coleção de filmes de arte e o teu Gol velho na minha garagem, fico só com aquela camisa do Fluminense que você usou naquele jogo que ganharam de 3 X 1 e que você ficou tão feliz que disse que eu te trazia sorte.
Ás vezes me aproveito do fato de você ser competitivo e te desafio dizendo: _Vem, chega mais perto, duvido você me amar como ama aquele tênis velho com molas na sola, duvido você duvidar do que eu sinto estando dentro de mim, duvido você ser fiel enquanto eu te traio com a minha solidão. E ás vezes você cai nos meus desafios, mas nunca dura pra sempre, nunca.
Não, eu não gosto de você porque você é bonito, porque tem olhos verdes e cabelos crespos, eu gosto de você porque eu sou fútil demais pra gostar de alguém que me merece. Hoje eu só quero um vinho caro, uma casa grande, uma conta cheia, calmantes e você por perto, só pra não deixar tudo isso pra trás e ir atrás de você, com a certeza de que já vai estar ciente da minha chegada, porque você sabe de tudo sempre, e isso é injusto.
Quando eu te conheci naquela festa boba de gente tola, em que juro, não esperava encontrar ninguém que me encantasse, mas eu te encontrei, então, lembra, logo depois do nosso primeiro beijo, falei: _ Já entreguei tudo pra antigos amores, minha doçura, minha inconstância, minha poesia, meus pensamentos, meus sonhos, meu hímen, agora pode vir, seremos somente eu e você. Mas não foi nada disso, eu te entreguei tudo de novo, mesmo o que eu já não tinha.
Ás vezes tudo o que eu preciso é não precisar de você, então eu ensaio te dizer certas verdades, dizer que você se acha muito, que enquanto tudo for mentira, você nunca será digno do amor de ninguém, mas nunca digo, pois amo gente que se acha, porque gente que se acha tá se lixando pro resto do mundo e porque eu tenho mais medo de te perder do que de ser infeliz. Tanta propaganda no mundo e você só diz que me ama pra se sentir melhor, isso é cruel comigo, mas admito, é inteligente da sua parte, mas se quer saber, vá a merda você e seu intelecto, eu quero querer é emoção, e que vá a merda eu e o meu intelecto também, porque quando a minha nudez não te inspirar mais, o meu cérebro é que não vai te seduzir.
Mas acredite, eu já vi coisas demais pra crer que vai ser sempre assim, quando passar eu vou transar com você só pra sentir nada, ninguém nem nada que venha depois vai me tirar esse prazer. Mas enquanto não passa quero que saiba que se você morresse amanhã eu morreria depois de amanhã, mas acho que você já sabe, você sabe de tudo sempre, e isso é injusto, isso é muito injusto, isso me mata. Tiara Sousa