sábado, 29 de dezembro de 2012

Ele amou


(Conto inspirado num e-mail enviado por um leitor deste blog)  

Ele amou o volume do cabelo dela, a maneira como os cachos caiam sobre o rosto e o sinal que ela tinha do lado esquerdo da barriga. Ele amou a abominação dela diante do moralismo imoral do mundo e amou ainda mais a carta de amor que ela nunca escreveu a ele.
Ele amou os dentes molares dela, e os pré-molares, e os caninos, e os incisivos e a maneira velha com que ela era jovem. Ele amou os batimentos cardíacos dela e a maneira como os olhos dela se fechavam cada vez que ela sorria, e amou ainda mais a declaração de amor que ela nunca fez a ele.
Ele amou a música favorita dela, mesmo ela nunca tendo contado a ele qual era a música e amou cada conquista dela como se fossem as dele. Ele amou o modo disforme com que ela calçava as sandálias e as abotoava e amou ainda mais a ligação ás duas da manha pra dizer que estava com saudade que ela nunca fez a ele.
Ele amou a blusa branca que ela usou para ir num encontro com um homem que não era ele e a maneira como ela discordava dos jornalistas políticos, a maneira como ela discordava de todos os jornalistas. Ele amou a lentidão dela comparada com a agilidade do resto das pessoas e amou ainda mais o cartão postal que ela nunca enviou a ele.
Ele amou o dia em que ela sorriu com o mar como se o mar falasse com ela e o fato de ela sempre esquecer onde colocava as chaves, o celular e qualquer objeto. Ele amou o curativo que ela colocou em cima de um calo no pé esquerdo e amou ainda mais o olhar apaixonado que ela nunca direcionou a ele.
Ele amou a rua pela qual ela passou na quinta retrasada, ele amou todas as ruas pelas quais ela passou e amou a timidez que ela sentia, a solidão que ela cultivava, os sonhos que ela proclamava e as piegas comédias românticas americanas que ela sempre assistia chorando. Ele amou com tanta pureza, e com tanto cuidado, e com tanta poesia, e tanto, mas tão devagar, que ele nem sabia definir, apenas sentia.
Ele amou sozinho, e por uma multidão, e ainda assim nunca amou à toa, amando ele ia tornando o mundo melhor para todos, para ele mesmo e para ela. Ele amou os amores dela, como se os amores dela fossem para ele e amou ainda mais o último texto que ela escreveu e o penúltimo, e o antepenúltimo, e os anteriores, como se os textos dela fossem para ele. Tiara Sousa

domingo, 16 de dezembro de 2012

Memórias de um amor


Agora que o vento está brando, que as mágoas se foram, que o sonho parou de atormentar e as lágrimas secaram, eu posso enfim dizer que meu coração é nobre, e só por isso eu sofri. Eu posso enfim contar que nunca o desejei mal, apenas parei de tentar fazer bem a ele, pois tentar consumia a minha juventude, assassinava a minha alegria, destruía a minha pureza.
É que eu não fui a Guerra, nem passei pela Ditadura Militar, nem participei das Revoluções Comunistas, eu nunca lutei por nada disso, guardei minhas lutas para o amor. É que eu não passei fome, não abracei arvores, nem contei estrelas, guardei minhas experiência para o amor.
Mas eu me perdoo, se amando eu sufoquei meus sonhos, se fantasiando eu apaguei meu brilho, se sentindo eu agonizei de dor, eu não sabia o que fazia, ou porque fazia, ou para que fazia, eu sabia apenas para quem fazia.
Ainda lembro do abraço verdadeiro que não recebi, do beijo que não durou, das noites em que sendo dele, nunca fui. Até hoje ainda recolho pedaços do meu coração pelas ruas escuras, pelas páginas dos cadernos velhos, pelas memórias sofridas. Ainda guardo sonetos dos tempos em que me furtava de mim. Até hoje tenho medo de sentir novamente, de querer tanto alguém novamente, de sofrer outra vez. Eu nunca me recuperei.
Se a frieza hoje me consome, é porque a sensibilidade e o romantismo ainda me perseguem. Eu tenho medo de amar e amando deixar de me amar outra vez, eu tenho medo de deixar alguém me amar, eu tenho medo da minha poesia e do meu desacato, então eu me recolho num mundo só meu, onde ainda que alguém entre pela porta, nunca passe da sala. Eu nunca me recuperei.
Se eu disser que ainda o amo, ou sinto falta dele, estarei mentindo. Eu não o amo mais. Doeu imensamente e por tanto tempo, que o tempo tratou de findar, passou. Porém mesmo não o amando, sobrou alguma coisa numa gaveta, ou debaixo duma cama, ou num baú, alguma coisa que me traumatiza, me amedronta, me entristece e me paralisa, algo que eu não sei o que é, nem de onde vem, talvez seja a inocência que as dores desse amor roubaram de mim, e talvez seja só por isso que eu, eu nunca me recuperei. Tiara Sousa

domingo, 9 de dezembro de 2012

Dezembro


Os turistas chegam na cidade, enquanto eu procuro nas agendas antigas um motivo pra partir. Esses casarões coloniais já não dizem tanto, é o fim do ano, é o fim de mais um ano. Acabaram-se as palavras, e eu suplico as palavras para o teto, para a cama, para o céu, para a fotografia antiga, para a dor do outro que dói tanto em mim quanto nele. Mais um ano acaba, os anos acabam, as paixões acabam, as dores acabam, nós acabamos, o vestido que comprei  antes de ontem irá acabar um dia, o fim está em tudo, em todos os lugares, em todos os móveis, num beijo que você deu há anos atrás sem imaginar que seria o ultimo beijo que daria naquela pessoa, o fim está em nós.
Debaixo dos lençóis, os amantes se concedem o momento que nunca é eterno como nos sonhos e o céu chora e chove o orgasmo dos passados, recentes e futuros corações partidos, sempre tem mais corações partidos em dezembro. Por que Janeiro não chega logo para podermos começar novamente? Porque? A vida é uma incógnita diante de tanto desamor, já que ninguém conhece mais a vida do que o amor, ele conhece a vida, pois a vida é um sintoma do amor e o amor é um sintoma nosso. Quem já chorou o choro de outra pessoa sabe que chorar o choro de outra pessoa é mais insensato do que chorar a falta da mesma, e já choramos tanto a falta, que a falta sobra, a falta escorre, a falta é a psicose natural, mas a dor do outro doendo dentro da gente é lindo, é triste e é finito, pois o fim está em tudo, em todos os lugares, em todos os móveis, num beijo que você deu há anos atrás sem imaginar que seria o ultimo beijo que daria naquela pessoa, o fim está em nós.
Dezembro é solitário, ainda que animado, o animo transpira solidão. Dezembro é uma janela se fechando, somos nós analisando o que aconteceu, o que não aconteceu, o que feriu, o que mudou, o que passou, o que ficou. Dezembro é a mãe do presidiário sendo revistada num dia de visitas, é o relacionamento que acabou, é a frase não dita e engasgada , é a frase dita e arrependida, é a imagem de 365 pores do Sol. Dezembro é o fim temido, é o fim aguardado, é o fim concedido, é o fim constatado, é o fim em tudo, em todos os lugares, em todos os móveis, num beijo que você deu há anos atrás sem imaginar que seria o ultimo beijo que daria naquela pessoa, é o fim em nós, é a chegada dos turistas na cidade, enquanto eu procuro nas agendas antigas um motivo pra partir. Tiara Sousa


domingo, 25 de novembro de 2012

Ser adulto dói mais a cada ano...


Estamos todos assim, perdidos, ser adulto dói mais a cada ano... E caminhamos, caminhamos, muitas vezes esquecemos de sentir, n’outras sentimos demais. Tantas, tantas vezes caminhamos pra não chegar e não chegar é como nunca ter ido, é sentir-se estático no tempo. Não sorriam para mim hoje, amanhã talvez, porém hoje não, hoje meu coração está pendurado no varal, hoje eu tento compreender a vida e tenho a impressão que fiz tudo errado, acho que muitos sentem-se assim, confusos, inseguros, sensatos ou insensatos demais.
Eu sinto falta daquele frio na barriga, daquele desejo imenso, do irresistível, do inapropriado, do inconsequente, eu sinto falta da pureza, da inocência, da descoberta, eu sinto falta do Sol, mesmo quando está Sol. Eu já fiz as malas, eu já parti, sei que já parti mesmo estando aqui, eu sei que estando aqui já não significa nada. Eu não leio mais jornais, eu escrevo pra jornais, mas não os leio mais, a curiosidade é a minha roupa velha, amontoada numa sacola velha, eu não a uso mais.
Estamos todos assim, perdidos, ser adulto dói mais a cada ano... Nós sonhamos, mas não como antes, sonhamos de olhos abertos, mas não como antes, sonhamos acompanhados e sós, mas nunca como antes, porque antes não é agora, antes não volta, antes não tem conserto. Não venham me falar da beleza da vida nesta fase da minha vida, deixem seus salmos, seus conselhos, seu otimismo em casa, pois nesta fase da vida eu só preciso de um copo de leite e um comprimido pra dormir, nesta fase da vida eu só preciso de um analgésico e tempo, nesta fase da vida eu só preciso de uma música mais alta que o meu pensamento.
Eu quero silencio, mas atualmente eu só consigo silencio gritando por silencio, eu quero mais natureza e menos tecnologia, e mais do que tudo quero um, apenas um motivo que me faça chorar, após algum tempo chorar fica cada vez mais difícil, nós acabamos por nos habituar ao sofrimento, nos habituamos tanto a ponto de sofrê-los friamente. Meu coração está inteiro, eu é que estou pela metade e estar pela metade é não estar.
Estamos todos assim, perdidos, ser adulto dói mais a cada ano... Eu sei mais do que as crianças, eu sei mais do que os adolescentes, mas tudo que eu quero e preciso é saber menos e menos e menos. Eu não tenho mais 20 anos, mas também ainda não tenho 30, tudo que eu tenho é pressa, insônia, compromisso, obrigação, responsabilidade, dor de cabeça. Ainda tenho vontade de mudar o mundo, mas acordo todos os dias cansada demais pra isso, sem tempo nenhum pra isso, sem animo nenhum pra isso e isso é tão abominável que definitivamente eu sei, eu realmente sei, que ser adulto dói mais, e mais, e mais a cada ano. Tiara Sousa

domingo, 11 de novembro de 2012

Nenhum deles era você


Preparem-se para ler a mais bela, doce e meiga história já postada neste blog...

Quase um ano se passou desde aquele quase romance, ou sei lá que nome dou àquilo, flerte prolongado, paixão tímida, sintonia perfeita, não sei. Quase um ano organizando a desorganização rotineira que se tornou a minha vida e aí você reaparece, com esse jeito cínico achando que pode bagunçar a minha cabeça quando quiser, se achando o tal, quem você pensa que é? Será que você acha que eu vou estar sempre aqui disponível, que nada aconteceu nesses últimos tempos, que eu não conheci ninguém? Eu conheci. Devo ter tido, sei lá, uns vinte encontros, com uns seis caras diferentes, só não deu certo. Um era lindo, a cara de um ator aí que eu não lembro o nome, trabalhava no banco como gerente, tinha uns olhos hipnotizantes, castanhos, graúdos, dava até pra se perder naquele olhar e só não aconteceu nada de mais sério, porque ele tinha o péssimo hábito de rir de tudo que eu falava e cada vez ele ria eu percebia que a risada dele não era como a sua e aí eu desencantava. Teve um outro que era tão obcecado pelo mar quanto eu, nós tínhamos a mesma mania de sentar à beira-mar só pra ficar olhando aquela beleza toda, e eu gostei tanto disso que quase fui pra cama com ele no terceiro encontro, e ele beijava bem, mas nos beijamos tantas vezes que deu tempo de eu perceber que ele nunca ia beijar como você, aí eu caí fora, voltei a contemplar sozinha a beleza do mar. Ah e ainda teve o carinha que eu conheci no shopping, veja só que inusitado encontrar  um cara tão livre, politizado, de bom gosto pra filmes, músicas e livros num shopping, só comigo mesma pra essas coisas acontecerem. Eu comecei a conversar com ele e pensei, se eu deixar ele escapar eu serei a maior idiota do século, pois eis aqui a maior idiota do século, porque eu deixei, porque depois de, sei lá, umas duas horas conversando, eu percebi que ele não falava como você, e aí fui eu que falei, falei até logo, e nunca mais voltei a vê-lo. Daí passei uns dois meses só, devo ter saído com mais uns dois depois disso, não lembro muito bem o que despertou meu interesse por eles, só lembro mesmo que um deles não andava como você e o outro, bem, o outro não olhava como você e não olhar como você soava como um desacato. Então resolvi ficar com um carinha do passado, um que já existia antes de você, é, eu sei, foi mesmo um pouco de apelação, é um ex-namoradinho de adolescência, sabe, reencontro depois de anos, foi legal, o redescobri como um homem maduro, atrevido, que pegava de um jeito, e devo admitir, com esse eu transei, só pra saber se com o tempo ele melhorou em tudo mesmo, e gostei, aprovei, mas aí depois de algumas tórridas semanas de sexo e passeios, finalmente aquele momento de constatar se eu estava apaixonada, então eu lembrei que eu não cheguei a transar com você e fugi dele com mais de mil, ele não podia continuar tendo o que você não teve, ele não era você, nenhum deles era você. É, sei, talvez você não tenha entendido muito bem porque eu não transei com você, já que só você dava risada como você, já que só você beijava como você, já que só você falava, andava e olhava como você, já que só você era você. Não é que eu seja puritana, sabe, nunca tive aptidão pra promiscuidade, mas puritana também nunca fui, nem que eu não quisesse me entregar completamente a você, ah, eu quis tanto, quis com a cabeça, com o corpo, com a língua, com as mãos, com os olhos, e continuo querendo com tudo isso. Mas é que eu já tinha passado por poucas e boas quando te conheci e fiquei morrendo de medo de que depois que acontecesse, eu ainda quisesse com a cabeça, com o corpo, com a língua, com as mãos, com os olhos e que eu quisesse mais, e que eu quisesse pra sempre, e que eu quisesse sozinha. Eu sei, devia ter arriscado, mas eu nem sabia, ainda não sei como fazer isso depois das tantas coisas que eu vivi e senti, eu já tinha sentido dor antes de você, doeu tanto e tão devagar, que me tornei covarde, mas quando você apareceu e aconteceu na minha vida, eu fui escapando do que eu previ que seria uma nova dor, só que maior e ainda mais abominável que qualquer dor que eu já tivesse sentido, que qualquer um já tivesse sentido, uma dor estranha, e íntima, e agonizante e ainda mais estranha, e ainda mais íntima, e ainda mais agonizante , e então fingi que não sentia desejo, e passar a desejar somente o que eu pudesse imaginar me pareceu mais seguro. Mas não consegui superar assim de uma hora pra outra, só agora estava passando essa saudade daqueles três meses em que nos víamos todos os dias e nos víamos inteiramente porque quando estávamos juntos éramos muito autênticos e o curto tempo em que nos conhecíamos não mascarava nossas personalidades, juntos éramos nós e ser nós foi a coisa mais singela, meiga e divertida que já me aconteceu. Será que foi só uma amizade colorida, será que foi um romance preto e branco, será que aconteceu da forma como eu me lembro ou eu estou fantasiando, não sei, mas estava mesmo mais fácil, já que você sumiu e eu tinha que passar os dias te esquecendo, ou fingindo que te esquecia. Só que agora, logo agora que estava tudo indo bem, eu estudando, trabalhando, batendo papo por aí, finalmente te superando, você reaparece, com esse jeito cínico achando que pode bagunçar a minha cabeça quando quiser, se achando o tal. Quem você pensa que é? Será que você acha que eu vou estar sempre aqui disponível, que nada aconteceu nesses últimos tempos, que eu não conheci ninguém? Eu conheci, só que nenhum deles dava risada como você, nenhum deles beijava como você, nenhum deles falava, andava e olhava como você, só que nenhum deles era você. Tiara Sousa

domingo, 4 de novembro de 2012

Dizer não


Dizer não às vezes é fácil, é natural e genuíno, ás vezes, só às vezes, pois outras vezes dizer não dói como a fome e a fome dói mais do que a vontade, a fome é a vontade elevada à necessidade, a fome é a falta elevada a consciência. Eu não quero dizer não, mas eu preciso; Eu não preciso dizer não, mas eu tenho. A dúvida é o fim da linha, a linha é o começo da agonia, a agonia é o fantasma da moral.
Dizer não querendo dizer sim é uma coisa estranha, dizer não precisando dizer sim é também uma coisa estranha, dizer não para alguém por quem se está apaixonado é a tortura da ditadura militar, é o militar da ditadura militar, são os olhos tristes das mulheres de Atenas, é a submissão das mulheres de Atenas, é o discurso de Hitler sendo aplaudido, é a mente de quem aplaude o discurso de Hitler, é o conhecimento ignorante, é a ignorância conhecida, é infame.
Entender um não é difícil, aceitar um não é exageradamente difícil, dizer um não contra a vontade, contra o sentimento, contra a expectativa é o exílio, é como ser insultado por quem sonhou ser elogiado, dizer não é a costa leste, é a costa oeste, é a bandeira de outro país, é fazer amor sem amor, é amar sem fazer amor, é anulação, é ilusão.
Gostar e ser gostado, falar e ser ouvido, sentir e ser sentido, é lindo, é voluntário, é nobre. Dizer não para quem gosta, para quem ouve, para quem sente é um palavrão na boca de uma criança, é o reflexo de um desfigurado, é o conformismo de um comunista, é a anarquia usando grife, é mentira.
Dizer não enquanto a mente exclama um sim, enquanto o coração clama um sim, enquanto as cordas vocais exigem um sim é bravo, é corajoso, é intimo, é triste. É uma boca implorando outra boca, é uma vontade implorando outra vontade, é um corpo implorando outro corpo, é a audição querendo, a visão querendo, o tato querendo, o olfato querendo, o paladar querendo e você ter que dizer não. NÃO. Tiara Sousa

domingo, 28 de outubro de 2012

Adoráveis estranhos


Fazia um tempo que eles não se viam, e voltando a se ver pareciam estranhos (adoráveis estranhos), mas o romantismo tem dessas peculiaridades, o amor é singular sempre, não importa que esteja em todas as canções, textos, poemas, o amor é singular ainda que seja de uma pluralidade absurda.
Ela não sabia que ele estaria naquele lugar, ele também não sabia que ela iria, ela apenas teve a impressão de que aquela noite estava menos vazia do que as outras e que as estrelas pareciam querer dizer alguma coisa. Ele também não esperava que ela aparecesse, já estava tão acostumado com a rotina, com o previsto, que quando a viu entrar pelo salão sentiu seu coração acelerar e ficou nervoso como um adolescente apaixonado, é incrível como os momentos mais lindos, podem também ser os mais desconfortáveis, mas aquele desconforto era de alguma maneira uma constatação de que ainda que o tempo e a distancia façam certos sentimentos adormecerem, eles ainda estão lá, como uma bomba relógio prestes a explodir.
E então eles se olharam, num misto de surpresa e incomodo, numa união exata de excitação e dúvida, e enquanto eles se olhavam o mundo parou, nem ele, nem ela sabem ao certo quanto tempo durou aquilo, porém sabem que enquanto se olhavam, era devolvido a eles tudo que a vida, as dores, os anos, as decepções haviam lhes tirado, recuperavam ainda que brevemente a ingenuidade, a nobreza, a inocência. Haviam outras pessoas além deles naquele lugar, algumas delas estimadas e que faziam parte de suas vidas, mas enquanto se olhavam não viam mais nada, não pensavam em mais nada, só se sentiam completos, e isso é mais do que muitos já chegaram a sentir durante toda a vida.
Então ambos pensaram no porque de ser errado se permitirem amar-se, se parecia tão certo, ambos estavam presos a conveniências, ética, obrigações, que transformavam um sentimento tão puro num romance improvável.
Ele sabia o que tinha que fazer, ele deveria esquecê-la cada vez que a visse, ele deveria, mas não era o que ele queria, ele queria tê-la em seus braços, ele queria acordar ao lado dela, ele queria desvendá-la e torná-la intima de seus defeitos e qualidades, ele queria amá-la todos os dias, ele queria, mas não deveria, ele não deveria.
Ela também sabia o que tinha fazer, ela deveria esquecê-lo cada vez que o visse, ela deveria, mas não era o que ela queria, ela queria se jogar em seus braços, ela queria acordar ao lado dele, ela queria desvendá-lo e torná-lo intimo de seus defeitos e qualidades, ela queria amá-lo todos os dias, ela queria, mas não deveria, ela não deveria.
Então eles se abraçaram, numa despedida injusta e obscena, tão injusta e obscena quanto a impossibilidade de eles viverem aquele romance. E ela foi embora daquele lugar enquanto ele ficou lá parado, ambos inconformados, ambos sedentos, ambos invadidos, ambos sós, ainda que acompanhados, ambos morrendo de um desejo tão pecaminoso quanto sacro de correrem um até o outro e se despirem, se tocarem, se amarem, como se não houvesse nada mais no mundo além da vontade de ambos, a vontade de se entregarem um ao outro como se estivessem entregando-se a si mesmos, numa sintonia profunda e profana que lhes trariam uma paz necessária.
Porém eles não seguiram os seus instintos, a realidade dos dois não lhes permitiu tal atitude, eles apenas comportaram-se como adoráveis estranhos, depois chegaram em suas casas e fingiram esquecer, por que era isso que eles deveriam fazer, não era o que eles queriam, mas era o que eles deveriam, e foi o que eles fizeram. Tiara Sousa

domingo, 21 de outubro de 2012

Nesta eleição votarei em...

Temo parecer prepotente, confusa e até leiga, mas como temo ainda mais ser hipócrita e omissa, devo admitir, nesta eleição votarei em... calma, não tão depressa Pra lá com a esquerda direita, com a direita errada, com o idealismo, com a fantasia e até com o sonho, aquele sonho que eu cresci sonhando, mas que não me mantém em pé, que não paga as minhas contas e pior ainda, não paga as contas do povo, que não muda a cabeça das pessoas, que não melhora o mundo, que não dá fim ao preconceito, que só discursa e discursa e discursa. É, eu sei, é um belo discurso e de certa forma é o meu discurso também, mas é só um discurso, sem curso, sem realidade, sem atualidade. Pareço da direita errada agora? Não se enganem, eu serei uma eterna canhota política, mas isso não quer dizer que eu não perceba as coisas, isso só faz de mim uma sentimental.
Havia uma criança no meio dos comunistas, de braços dados com a mãe, toda esclarecida, falando do passado, do presente e do futuro, fazendo boca de urna por convicção pelo centro de São Luís, chamando a atenção dos adultos pela maneira madura de expor sua crença num futuro melhor, sem diferenças, sem autoritarismo, sem desigualdade, pois é, aquela menina sou eu (ou ao menos costumava ser), aquele futuro nunca chegou, eu comemorei Lula, eu comemorei tantos e ainda tenho medo de assaltos, ainda perco amigos para as drogas, ainda vejo gente passando fome, ainda sou discriminada, ainda leio poemas pra não ter que sentir a dor de escrevê-los. O meu país se tornou o Brasil da esquerda direita por nunca ter deixado de ser aquele Brasil da direita errada, o meu partido, como disse Cazuza, é de fato “um coração partido” e “as minhas ilusões estão todas perdidas”, e cá entre nós, ser esclarecido é de uma confusão sem proporção, e aí as pessoas mandam mensagens, e-mails, fazem provocações: __E aí moça, o 2º turno das eleições pegando fogo e o seu blog não se pronuncia? A todos os pedidos de pronuncia, só tenho uma resposta a dar, não é a que vocês gostariam de ouvir, mas é a que eu tenho no momento: Eu me recuso a anular o meu voto, o voto é uma conquista árdua para todos e ainda mais para mim, que além de cidadã, sou mulher e negra, portanto dou a ele muito valor exercitando-o, e como tenho estado pouco inspirada ultimamente, me pronuncio citando Cazuza: “Aquel(a) garot(a) que ia mudar o mundo, mudar o mundo, agora assiste a tudo em cima do muro, em cima do muro...” Ou seja, neste momento só o que posso dizer é que estou pensando para quem votar no 2º turno, pensem também, anular o voto não deveria ser uma opção e escolher não está tão fácil, nem tão óbvio como aparenta. Tiara Sousa

domingo, 14 de outubro de 2012

Conto do Adeus


São Luís fez 400 anos e eu ainda nem arrumei a casa, sequer consegui terminar de tirar as roupas dele do armário, nem me livrei daquelas fotos da nossa última viagem e da penúltima e da antepenúltima. Dizer adeus é difícil, é como deixar de usar as suas roupas favoritas, é como se despir na frente de estranhos, é como procurar desculpas pra ser como você é. Dizer adeus é não ter mais alguém pra sempre, e pra sempre é tempo demais.
Ele já foi embora há umas duas semanas, saiu de casa com o mesmo olhar que entrou, com o mesmo sorriso, com a mesma voz, com aquele jeito petulante e charmoso e perdido, só eu continuei amando, amando aquele olhar, aquele sorriso, aquela voz, aquele jeito, só eu mudei, ele não, ele continuou o mesmo cara por quem eu me apaixonei há três anos, e eu sou o resto de alguma coisa que já fui, que me tornei, que se perdeu, que se foi com ele.
O mais triste não é ele ter ido embora, nem mesmo eu ter que tirar as roupas dele do armário, o mais triste é a cidade está fazendo aniversário e eu sepultando meu coração, o mais triste é ele comemorando o aniversário da cidade e eu lavando a roupa suja de três anos de relacionamento sozinha, o mais triste é toda a população ludovicence comemorando e eu morrendo de amor, de saudade, de solidão.
E o pior foi ter encontrado no meio do armário, das camisas estampadas dele, que eu odiava e ele sempre teimava em usar, aquela dor da semana retrasada, a dor de vê-lo indo embora e saber só de olhar como ele caminhava até a porta, que nunca mais eu iria poder odiar sair com ele usando uma daquelas camisas, e a dor de saber que nunca mais vai se fazer algo com quem se ama é uma dor imoral.
Ontem ele ligou e disse um monte de coisas, que saiu, que brindou, que passeou, e disse pra eu fazer o mesmo, continuar, mas eu não sei como continuar sem ele, ainda não, agora não, agora eu sei chorar o dia inteiro, fazer de conta que ele vai voltar, que ele esta chorando como eu, que não acabou, que é só um tempo pra nós sentirmos falta um do outro, e eu vou fazer de conta até quando der, pra eu conseguir comer, tomar banho e trabalhar, aí talvez um dia passe e eu possa continuar, ou sei lá, começar tudo novamente com outro cara que infelizmente nunca vai ser ele, com mais força, com mais amor próprio, melhor e pior.
Eu fico pensando como vai ser quando ele vier buscar as coisas dele, fico pensando quando foi que ele deixou de me amar, eu lembro que até bem pouco tempo  ele velava o meu sono e enlouquecia de ciúmes das minhas roupas, dos meus amigos, até da minha sombra. Eu ainda não entendi o que aconteceu pra ele acordar um triste dia e dizer que acabou, que não sentia mais a mesma coisa, que ia embora, que ainda queria a minha amizade e que depois voltava pra pegar o restante das suas coisas, como eu queria ser parte do restante das coisas dele, só pra ele me levar junto, eu iria pra qualquer lugar. Eu até pensei que poderia ter sido outra mulher, mas todas as minhas amigas disseram que viram ele sozinho nos últimos dias, e faz sentido por que ele não é o tipo de cara que deixa um amor como o meu por qualquer aventura, e eu amei cada parte dele, cada comentário, cada coisa irritante, eu amei tudo, ainda amo, amo até o cheiro que ele deixou na casa e não faço ideia de como desamar.
Eu já aprendi algumas coisas na vida, já sofri algumas vezes por quem nada mereceu, mas o que mais me dilacera e me corrompe agora é saber que mesmo agindo como ele agiu no final, ele merece o meu sofrimento, cada lágrima que derramo, porque independente de como acabou, ele me deu os melhores anos da minha vida, e nem a falta de sentido, o desamor, ou a forma como ele terminou são capazes de mudar o que vivemos, e embora eu esteja cheia de dúvidas uma certeza eu tenho, durante aqueles anos eu fui amada por um homem que muito provavelmente eu vou amar pelo resto da vida, vou amar até quando não tiver mais nada dele nessa casa e até quando não tiver mais a casa, vou amar até quando o cheiro dele não tiver mais por aqui, até quando eu não tiver mais por aqui, vou amar até quando não tiver mais uma foto de nós dois juntos, até quando tiver outro homem na minha cama, vou amar até quando pensar que não amo mais. E vou lembrar pra sempre que enquanto a cidade fazia 400 anos a saudade que eu sentia era tão grande que parecia que faziam 400 anos que ele havia me deixado, despedaçando o meu coração e arrancando da minha face meu sorriso com a mesma propriedade que um dia ele colocou lá. Tiara Sousa

domingo, 7 de outubro de 2012

Me afetam


Me afeta algumas pessoas preferirem flores de plástico, me afeta ainda mais as flores verdadeiras murcharem. Me afetam os comentários maldosos que ouço, me afetam ainda mais os comentários maldosos que não ouço, mas que sei que existem. Eu quero um mundo melhor sabe, não quero ter que me esconder atrás de um sorriso quando tudo dentro de mim tá ferido, não quero ter que beijar uma boca só pra me sentir viva, não quero ter que medir palavras e muito menos usar palavras pra magoar ninguém.
Me afeta o sexo sem sentimento, transformar um momento tão intimo, num momento sem nenhuma intimidade, ninguém tem que agir como se tivesse um instinto animal, somos humanos e o nosso desejo também é. Me afeta ainda mais o sexo com sentimento, por que quase sempre resulta ou é resultado de paixão e no final das contas sempre deixa a impressão egoísta de que só eu que me dei mal, só eu que sofri, só eu que gostei e isso tudo é uma droga. Eu quero um mundo melhor sabe, não quero ter que maltratar o coração de ninguém pra ser adorada, não quero adorar ninguém que me maltrate, me desrespeite, faça pouco dos meus sentimentos, eu quero sintonia, seja lá o que isso for.
Me afeta o moralismo, essa postura maldosa e preconceituosa de que alguns preceitos, comportamentos e virtudes são os certos e que todo o resto é errado e repugnante. Me afeta o novo cool, light, saudável, “intelectual” e supérfluo conceito de Sociedade Alternativa, que define-se como minoria julgada enquanto julga maiorias que não possuem as mesmas oportunidades, conhecimentos, apreciações e preferências culturais, sociais, de entretenimento e de gostos. Me afeta ainda mais esse velho e fantasioso conceito de Sociedade Democrática, que de democrático não tem nada, nada mesmo. Eu quero um mundo melhor sabe, em que eu possa ouvir o que tô afim, crer no que tô afim, amar como eu tô afim, ler o que tô afim, comer o que tô afim, vestir o que tô afim, sem me prejudicar e nem incomodar os outros, sem ter a pretensão de parecer alguém que eu não sou, sem ser rotulada, verdade é viver como tá afim, todo o resto é propaganda enganosa, insegurança e carência de atenção.
Me afeta a maneira ofensiva como vários jovens envolvem-se na política atualmente, ofendendo uns aos outros durante as campanhas eleitorais ao invés de expor suas opiniões de maneira respeitosa e somadora. Me afeta ainda mais os muitos jovens que sequer envolvem-se na política, que não participam, nem incluem-se na construção do cenário social que vai influir diretamente na vida de toda a sociedade. Me afeta a conveniência, todo esse cinismo disfarçado de gentileza. Me afeta ainda mais a inconveniência, toda essa autoafirmação de que não se é hipócrita e que não se tem papas na língua, chega a ser hipócrita e deseducado ao extremo e as coisas ao extremo são quase sempre exageradas e cruéis. Eu quero um mundo melhor sabe, onde a palavra respeito seja também uma prática, onde o conceito de sinceridade não seja usado para atingir e ofender os outros.
Eu realmente quero um mundo melhor, muitos querem, eu sei. Eu acredito que a melhor maneira de começar a conquistá-lo é sentir-se afetado pelas mazelas, misérias, aparências e julgamentos ao invés de contribuir para que aumentem. Eu quero um dia escrever sobre esse mundo melhor, e eu quero que esse dia chegue logo, chegue lindo, ensolarado e inspirador. Tiara Sousa

domingo, 30 de setembro de 2012

Larissa


Amanheceu Larissa, e o mundo tá tão vazio que eu só sei que amanheceu porque alguém contou, já que eu nem pude perceber o Sol. Como é que se diz eu te amo, assim tão de longe, se quase nunca te vejo, se eu nem conheço essa dor que de tão tua, de tão distante, de tão desconhecida, já é tão minha, tão próxima, tão intima. Eu perguntei a algumas pessoas: Afinal, onde é que fica o fim da tristeza? Mas ninguém soube me responder, e eu precisava tanto saber, só pra te contar Larissa, só pra te contar.
Eu passei tanto tempo incomodada com a aglomeração de pessoas, com o caos no transito, com os sons altos, com a minha rotina, com as minhas ocupações, que nem reparei que a tua tristeza tinha deixado o mundo assim, tão vazio, que nem pensei numa maneira de te alegrar, e agora fico me perguntando, como é eu posso te alegrar, se os olhos dos teus filhos não fizeram. Como é que eu posso te alegrar?
Não chora Larissa, você sempre foi pura demais pra esse mundo cruel, eu sei. Mas vai passar, essa dor que invadiu a casa, que invadiu o guarda-roupas, que invadiu as ruas, que invadiu você, vai passar.
Dói tanto não é, as flores murcharem, as pessoas magoarem, o dia nascer enquanto se morre por dentro, o dia nascer enquanto se procura um canto escuro onde ninguém entrou. É ter pernas e se sentir amputado, é ter visão e se sentir cego, é ter motivos de alegria e se sentir triste, e mais triste, e mais triste, é de repente deixar de sentir.
Mas eu sinto que você ainda há de ver o mar e sorri, nós ainda vamos brincar, lembra de como é brincar? Pois é, nós vamos brincar livres, felizes e inocentes, como fazíamos quando éramos crianças, e não haverá tristeza no mundo que invada nossa brincadeira. Um dia o mundo será puro como você e aí vai ser tudo mais simples, eu prometo, vai ser tudo mais simples.
Sabe Larissa, quando você acordar, levantar dessa cama, o mundo não vai mais ficar vazio, nunca mais, quando você acordar eu finalmente vou saber onde é que fica o fim da tristeza, e vou esquecer a aglomeração de pessoas, o caos no transito, os sons altos, a minha rotina, as minhas ocupações e vou aí correndo te contar. É só você acordar Larissa, e eu vou correndo te contar que o fim da tristeza é você levantando dessa cama e tirando o vazio do mundo com o teu sorriso.
Então eu vou dizer: Olha o céu Larissa, olha o mar, olha a tua família, os teus amigos, olha o sorriso das tuas crianças, olha o sorriso de todas as crianças, olha alguma coisa, mas olha agora, olha agora, olha agora minha irmã. Tiara Sousa



domingo, 23 de setembro de 2012

O amor


Amamos o chão em que pisamos, os caminhos que percorremos, os amores que encontramos, e antes de tudo isso já amávamos o chão em que não pisamos, os caminhos que não percorremos, os amores que não encontramos. Sinto dizer, e como sinto... Mas o amor não é o delírio presente nos poemas, nem a revolta situada na ausência, nem a ansiedade transitando nos corpos, o nome disso é paixão. O amor é a primeira coisa que o cego gostaria de ver, a primeira palavra que o mudo gostaria de falar, a primeira música que o surdo gostaria de ouvir, é tudo o que as cartas não conseguiram descrever. O amor são os amigos que estão sempre ali, mas um dia podem não estar e não estando ainda estarão de alguma maneira, é a proteção da família que um dia pode não conseguir proteger mas sempre vai tentar, é gostar gratuitamente e tanto e não ter a dimensão do que significa gostar gratuitamente e tanto, de tanto gostar. O amor é querer bem, mais do que querer perto, mais do querer certo, mais do que querer junto e isso é tão nobre que até parece ilusão.
Amamos as ruas que de tão nossas, nunca foram nossas, amamos os abraços, aqueles que de tão confortantes nem estão nas fotografias, amamos as bocas que ainda iremos beijar, o tesão que ainda iremos sentir, e antes de tudo isso amamos saber que amaremos mais do que amávamos os abraços que já demos, as bocas que já beijamos, o tesão que já sentimos, porque somente o amor pode vir antes de tudo isso ainda que venha depois, por que somente o amor ainda vai querer bem quando os abraços não estiverem ao alcance dos braços, quando os beijos não forem mais novidade, quando o tesão passar. Sinto dizer, e como sinto... Mas o amor não é o desespero da dúvida, nem a impulsividade do desejo, nem a tristeza profunda e temporal, o nome disso é paixão. O amor é aquela frase engasgada que precisamos tanto falar e não falamos pra não magoar, o amor é respeitar tanto alguém a ponto de agir como se esse alguém estivesse sempre ao lado ainda que esteja a quilômetros de distancia, o amor é sentir-se em casa ao ouvir uma determinada voz, é se comunicar através de olhares, é se compreender. O amor é se preocupar mais do que precisa, é precisar muito, mais ainda assim precisar menos do que se preocupa e isso é tão nobre que até parece ilusão.
Gostamos da procura, da indagação, da atitude, do mistério, do perigo, porém não amamos nada disso, nós amamos mesmo é o encontro, é o familiar, é a naturalidade, é a clareza, é a segurança. Devo admitir que há paixão num tipo de amor (o amor romântico), porém sinto dizer, e como sinto... Que quando é amor, ama-se antes, ama-se durante e ama-se depois, só durante é só paixão, quando é amor a dor não corrompe transformando em ódio, se corrompe, é só paixão, quando é amor não é egoísta, se é, é só paixão, quando é amor cuida-se e não apropria-se, pois se crê-se dono(a) é só paixão. O amor é poder dizer tudo e é poder dizer nada, o amor é poder fazer tudo e é poder fazer nada, é simples e é grande como sentir. O amor é inconscientemente de extrema consciência, é ir a um jardim e encontrar rosas que vai se regar sempre, se querer sempre, se admirar sempre, mesmo quando perderem o perfume, mesmo quando murcharem, mesmo quando não estiverem, e isso é tão belo, tão puro, tão nobre que até parece ilusão. Tiara Sousa

domingo, 16 de setembro de 2012

Sobriedade


Um dia você senta ao redor de uma mesa de bar e esquece que é tímido, que é introvertido, que é introspectivo, que sobretudo é sensível e frágil, porque naquela mesa tem um copo cheio de ilusão e essa ilusão parece ser aquela pela qual você esperou a vida toda, a ilusão de ser igual a todo mundo, de sorrir igual a todo mundo, de viver intensamente como todo mundo, a ilusão que te encaixa, que te da voz, que te faz não ter vergonha de ser observado. E mesmo sabendo que além daquela ilusão há uma realidade que torna-se mais inalcançável a cada dia, pois as coisas acontecem e você nunca está lá é tão difícil abandonar aquele copo, por que com aquele copo você não sente a dor de antes, com aquele copo a timidez vai embora, com aquele copo você fala, gesticula, canta, dança e paquera com uma facilidade “natural”, com aquele copo você é alegre como uma criança que tem seu capricho atendido.  Mas se um dia você corajosamente abandona aquele copo, então passa a ver as coisas do alto, e vê-las assim tão do alto é seguro, porém desconfortável, é singelo, porém estranho, é tão desconfortável, é tão estranho, é mais solitário que ter 80 anos e sentir uma profunda saudade da juventude, é muitas vezes ainda ter a juventude e ter saudade dela, é silencioso.
A sobriedade não é sentir falta do que tinha naquele copo, o nome disso é abstinência e abstinência devasta, mas passa logo, a sobriedade é não sentir-se parte de nenhuma turma, é estar num bar, boate ou festa e não conseguir aceitar os convites pra dançar, é não se entregar completamente a novos relacionamentos, é fugir de tudo que tira o ar, é fugir de tudo que emociona, é fugir de absolutamente tudo de humanamente sensível que habita em você, é atravessar a rua apressado quando se depara com uma possível paixão por temor dessa paixão te causar mágoas profundas e te levar de volta pra aquela mesa, pra aquele copo; A sobriedade é por derradeiros instantes sentir falta de como você era quando aquele copo era o seu copo, a sobriedade é não querer  sentir falta de como você era quando aquele copo era o seu copo.
A sobriedade é como escolher nunca mais correr por medo da queda, é como escolher nunca mais se apaixonar por medo da dor, é como escolher nunca mais tomar banho de chuva por medo do resfriado, é ter a ilimitada e continua coragem de se curvar ao medo e aceitá-lo como algo bom, difícil, mas bom; É insuportavelmente real, é saber que nunca mais você vai vislumbrar a ilusão com tanta liberdade e desprendimento, é uma atitude corajosa, talvez a mais corajosa atitude que um sensível pode ter, a atitude de viver 24 horas do seu dia, 7 dias da sua semana, todos os dias do seu mês, 12 meses do seu ano e os anos restantes da sua vida na realidade, e relevem o linguajar, mas tantas vezes a realidade é uma filha da puta, e dói pra caralho e abandonar a ebriedade é sentir essa dor sem morfina, é consciente, é heroico, é produtivo, é FODA em muitos altos níveis.
E haverá dias em que você vai aceitar uma dança, talvez duas. E haverá dias em que você vai paquerar e talvez até se entregar a um romance. E haverá dias em que você estará num bar sentado á mesa e até conseguirá bater um papo descontraído, fazer novos amigos. Não serão todos os dias, nem será fácil. Na verdade ainda serão raros dias assim. Mas não haverá um dia sequer que você esquecerá que agora o que há em seu copo é água, mas não haverá um dia sequer em que você não se sentirá como uma criança aprendendo a caminhar, a socializar, a falar, a viver, não haverá um dia sequer em que você não se sentirá como um adolescente tentando se encaixar e não conseguindo, não haverá um dia sequer em que você não se sentirá um idoso olhando tudo do alto, enxergando a ilusão em que você um dia habitou, não haverá um dia sequer em que você não seja tentado a desistir e principalmente, não haverá um dia sequer em que não aconteçam conquistas que o façam crer que vale a pena e o faça dormir sentindo-se um vencedor, um herói da sua própria história, alguém de quem você se orgulha muito. Orgulhosamente Tiara Sousa

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Sentir falta não é saudade


Sentir falta não é saudade, sentir falta está em qualquer idioma, fica em qualquer coração, mora em qualquer buraco, come qualquer resto. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é lembrar da alegria imensa que sentíamos ao ganhar um idealizado brinquedo quando crianças e constatar que nunca mais ficaremos alegres daquele jeito pelo ganho de uma coisa tão simples, e que talvez nunca mais fiquemos alegres daquele jeito. Sentir falta é passar por uma rua e lembrar como ela era há anos atrás e saber que aquela rua, aquelas pessoas e até nós mesmos não seremos mais como éramos. Sentir falta é duas doses de whisky e nenhuma pedra de gelo, é inapropriado, é cotidiano, é intimo, é familiar, e quanto mais sentimos, mais fica inapropriado, mais fica cotidiano, mais fica intimo, mais fica familiar. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é uma verdade enfeitada com miçangas e paetês pra não assustar tanto, é uma ressaca moral, é um desgosto costumeiro, sentir falta é a prostituta na esquina aguardando mais uma dor de no máximo uma hora, é imoral. Sentir falta é a mesa posta, a comida pronta e a pessoa não chegar, é o sorriso fingido escondendo uma nova tristeza pra não incomodar ninguém, sentir falta é desejar Feliz dia dos pais pelo telefone, é gelado. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é mandar pra “aquele lugar” alguém que você quer em seus braços, é corajoso. Sentir falta é bater papo na internet num sábado á noite, é caminhar de cabeça baixa pra que ninguém olhe nos seus olhos, é solitário. Sentir falta é sair por aí tarde da noite se expondo aos mais diversos perigos pra comprar uma carteira de cigarros, é ansioso e impensado. Sentir falta é olhar uma foto antiga e ter a ilusão de que se era mais feliz, é sempre ter a ilusão de que se era mais feliz, é fantasioso. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é assistir o mesmo filme várias vezes, é ouvir a mesma música várias vezes, é ler o mesmo poema várias vezes, é amar a mesma pessoa várias vezes, é varias vezes inevitável. Sentir falta é um monologo, é um quadro isolado pendurado na parede de uma sala de estar, é uma garagem escura, é uma crônica traduzindo o que sentimos, é invasivo. Sentir falta é a infância da saudade, é a paródia da saudade, é o projeto da saudade, é a saudade pedindo esmola. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Saudade é a agonia de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade é o pior tormento, é pior do que o esquecimento, é pior do que se entrevar”; Saudade é a dor imensa de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”; Saudade é a loucura de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade dói latejada, é assim como uma fisgada no membro que já perdi”. A saudade é um pedaço inteiro de alguém, é alguém inteiramente despedaçado, é você ir a todos os lugares que costuma frequentar e não se encontrar em nenhum deles. Tiara Sousa

sábado, 25 de agosto de 2012

Eles

Não tô aqui pra explicar os homens, nem vou entrar nessas de tentar decifra-los, não sou tão ingênua a ponto de supor que conseguiria, hoje (agora), eu só quero falar sobre eles, falar sem a moral da história, sem as comparações, sem o disse-me-disse, sem o feminismo, só falar.
Eu não sei de onde eles vem, de que lugar vem esses risos que comprometem, que nunca são inocentes e nunca são culpados, não sei de onde vem esses olhos capazes de despir assim tão de longe, tão de perto. Não faço a mais remota ideia de quem construiu esses corpos sem curvas, aos quais multidões de mulheres se curvam, eu realmente não sei.
Se querem saber, eu os considero ingênuos, até quando mentem e quando ansiosos invadem os corações das mulheres, eles nunca pedem licença pra matar uma mulher de amor. É que as vezes (quase sempre), é difícil não morrer de amor por eles, é como chegar na beira do mar e não mergulhar, é quase covarde. E se eles não sabem que podem matar de amor, eles são ingênuos, ingênuos até quando beijam, pois beijam como se a boca que beijassem fosse a última, fosse a primeira, fosse a única, beijam com vontade, com desejo, destemidos, beijam como homem.
Sei que as mulheres são conhecidas pela ideias românticas, a adoração pelos filminhos de amor, o idealismo em cima do casamento e isso é bonitinho, mas românticos como eles eu nunca vi. Tem algo mais carinhoso do que o cara te puxar pelo cabelo sem “carinho nenhum”, tem algo mais atemporal do que ele morder o teu lábio, te pegar nos braços e te mostrar “quem manda”, ah isso é romântico demais. E definitivamente não há nada mais romântico do que o cara te dominar desse jeito na intimidade e depois te deixar escolher o filme que irão ver, o restaurante onde irão comer, os lugares que irão conhecer, e se for o caso a Igreja onde irão casar e a escola onde o filho de vocês vai estudar .
Eu não sei de onde eles vem, essas vozes graves que deixam as pernas bambas, as barbas que de tão malfeitas são bem feitas aos olhos femininos, a proteção que quando na medida e ainda que desnecessária é linda por que é proteção e que mulher nesse mundo não gosta disso. Não faço a mais remota ideia de onde vem esses ciúmes medidos, esse medo avassalador de ser traído, essa mania de querer bem sem fazer alarde, essa despretensão pretensiosa de nunca estarem tranquilos com seus relacionamentos ou seu desempenho sexual, eu realmente não sei.
O que sei é que eles são assim, uns menos, outros mais, e que sendo assim, são especiais. O jeito como andam, o modo como falam, a calma apressada como sentem, a intensidade com que desejam, e sobretudo a maneira avassaladora como chegam e se instalam na vida das mulheres. E como não amá-los, e como não admirá-los e como nunca e nem por segundo se inspirar tanto com o universo masculino, a ponto de escrever uma crônica de 520 palavras sobre ELES.
Tiara Sousa





segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Os lentos

Tá tudo tão rápido que as pessoas não olham mais para o céu, que as adolescentes não rabiscam mais as carteiras da escola com os nomes dos seus namorados, que o mundo não aceita mais as rebeldias como manifestações da juventude, que a lua não mais empolga os amantes. Tá tudo tão rápido que as ondas do mar não são mais capazes de quebrar o silencio, pois não há mais silencio.
As cidades estão cheias de engarrafamentos, as filas do cinema estão maiores que a arte dos filmes, os celulares chamam sem parar a ponto de não dá mais tempo de sentir saudade, os cheiros passam despercebidos, os olhares insinuam mas não inspiram e os sorrisos são sempre mal interpretados e olha que um sorriso é das coisas mais belas desse mundo.
Os lentos não acompanham muito bem esses novos tempos, são motivo de graça e impaciência, imagina só, a economia mundial abalada, a sociedade pegando fogo com a proximidade das eleições, o engarrafamento, as filas, o estresse, os dependentes químicos, a violência, as festas e os lentos lá, sentados na praia olhando o mar, nos cinemas chorando em finais de filmes, andando devagar pois sabem que chegarão ao seu destino, falando pouco pois sabem que cedo ou tarde as palavras certas serão ditas, e sentindo rápido, intensamente e desesperadamente, pois sentir para os lentos nunca é lento e é sempre maior.
Tá mesmo tudo tão rápido que as pessoas encontram amores e não param pra dizer um oi, sabe, aquele oi que iria bagunçar tudo, pois é, as pessoas não param pois estão atrasadas pra uma reunião, ou tem uma aula, ou tem milhões de coisas pra fazer. Tá tudo tão rápido que os corações não aceleram, que o romantismo ficou démodé, que a chuva é sempre rotulada como inoportuna e as gentilezas há muito deixaram de gerar gentileza, afinal quem tempo de ser gentil.
Mas e se parássemos de correr e começássemos a caminhar, a sentir o cheiro das coisas, o gosto dos beijos, o toque do encantador. E se apreciássemos as vistas, perguntássemos aos outros como eles vão, não apenas disséssemos bom dia, mas sobretudo desejássemos bom dia, eu não sei, mas acho que se assim fosse as pessoas seriam mais felizes, as sociedades mais justas, os corações mais leves.
Mas enquanto isso não acontece, os lentos continuam não acompanhando muito bem esses novos tempos, continuam sendo motivo de graça e de impaciência, mas imagina só, com a economia mundial abalada, a sociedade pegando fogo com a proximidade das eleições, o engarrafamento, as filas, o estresse, os dependentes químicos, a violência, as festas, quem será mais feliz os acelerados tão engajados e envolvidos em todo esse processo estressante ou os lentos sentados na praia olhando o mar.
Tiara Sousa

domingo, 29 de julho de 2012

Essa dor



Essa dor é do tamanho do mundo, das distrações dos boêmios, do orgasmo dos amantes apaixonados, essa dor é infinita e só cessa quando te vejo. Essa dor é maior que eu, é a fome dos menores e maiores abandonados, é a crença dos devotos, é o cinismo dos magoados, é o cheiro que você deixou no ar quando se foi.
Essa dor não mora aqui, não tem nome, endereço, nem se parece com nada, não tá na Bíblia, nem nos romances literários, nem mesmo nos livros de ciência, transita pelo meu corpo longe do teu corpo, pela minha boca seca com a falta da tua saliva e de nenhuma saliva mais, anda pelo quarto e me acompanha até nos lugares que não previ passar.
No começo achei que fosse exagero, depois achei que fosse morrer, agora prefiro essa dor a nada e nem sei se essa dor é o nada.
Será a mesma dor de Shakespeare quando escreveu Romeu e Julieta, ou a de Chico Buarque quando compôs O que será que será, será que é só minha ou pensar assim é egoísmo, será que um dia vou esquecer toda inocência que essa dor me tirou.
Essa dor é mal educada, se instala pelos cômodos da casa, deita ao meu lado na cama, ouve as minhas canções favoritas e chora as minhas tristezas como se fosse eu, ela tá no cinzeiro cheio de pontas cigarro, tá no diário cheio de páginas em branco, tá nas roupas nunca usadas porque eu comprei pra usar com você. Tá no samba que passou sem dizer olá, no reggae que agitou meu coração quando deveria acalmá-lo, nos poemas de Cecília Meireles que iluminaram a casa, quando nem mesmo sol pôde fazê-lo.
Essa dor é a libido que foi nossa e agora é apenas minha, é o verbo sem a companhia do substantivo, é o adeus sem a esperança do até logo, é a minha nudez sem os teus olhos. Essa dor é o começo do fim, é o meio do fim, é o fim do fim e ela só cessa quanto te toco, quando me tocas, depois eu abro os olhos e ela ainda está aqui, nos lençóis que não consegui lavar, nos sorrisos que não consegui dar, no nós que não existe mais, dentro de mim. Tiara Sousa


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Foda-se! Um conto brega


Quando vai passar essa impressão de que apreciamos a lua ao mesmo tempo, de que recordamos os nossos beijos com a mesma vontade, de que cada nascer do sol é uma oportunidade pra gente se reencontrar, quando eu hei de te esquecer, quando o teu riso vai sair da minha mente, o teu cheiro vai sair do meu corpo, o teu gosto da minha boca, quando?Eu não sei, nem mesmo guardei aquelas fotos, nem desisti do futuro, nem pensei no trágico, apenas chorei e comecei a agir como uma pessoa fria enquanto contraditoriamente ouvia Waldick Soriano e arrancava flores dos quintais da vizinhança, sentindo a dor que não é física, mas dilacera tanto quanto ou mais que um ferimento à bala.Quando vou parar de sentir dó de mim, quase me amarrei na cama pra não ir atrás de você e dizer que o meu coração se importa, que só não larguei tudo pra ficar contigo, que só não briguei mais por nós, porque sou uma romântica e românticos se apaixonam perdidamente por uma pessoa, mas continuam a amar o resto do mundo, família, amigos, paisagens e até estranhos, se lhe soarem simpatia.Lembro de nós, sentados à beira-mar, apreciando a vista exibida e falando da vida tão dura e tão pura, sei que sempre terei a juventude como um tempo belo, confuso, sofrido, mas belo, porque você esteve lá, e sei que ainda você mude, viaje pessoas, conheça lugares, se apaixone perdidamente ou desacredite de tudo, eu vou estar lá, naquela praia e dentro da tua mente esperando aquele “fevereiro chegar”.Já te vi em várias faces, nas ruas cheias, nas multidões vazias, o vejo tanto que quase acredito que é você, mas nunca é, a saudade que sinto é uma distancia próxima, e atravesso as avenidas sem distribuir um sorriso, sem lançar um olhar. Não sou como esses estreantes da juventude que acreditam que química se encontra em cada esquina, nem sou das antigas gerações que acham que química pouco importa, minha química é você garoto e a sua sou eu e deve mesmo existir algum motivo pra essa química tão grande.Mas neste momento, enquanto ouço Waldick Soriano: “Volta, fica comigo só mais uma noite, quero viver junto a ti, volta meu amor”, penso em você e sinto que pensas em mim ao mesmo tempo, com a mesma intensidade e igual leveza e isso é tão brega que deve mesmo ser verdadeiro, assim como todas as canções exageradamente românticas que um dia ainda hei de ouvir ao seu lado.

Tiara Sousa

domingo, 17 de junho de 2012

Brasil Negro


Houve um tempo em que em diversos países, negros eram negociados como mercadorias, tratados como animais e escravizados como seres não pensantes; Só o Brasil trouxe da África 4 milhões de escravos, com base nesses números pode-se afirmar que o Brasil foi fundado e teve o seu desenvolvimento e a sua economia baseados no trabalho escravo, esse tempo foi o da escravidão. Protegidos por uma brutal legislação negra que permitia castigos, penas e maus tratos ao escravo, os fazendeiros e donos de engenho abusavam do direito de maltratar o negro, sendo eles chicoteados, presos a correntes de ferro, obrigados a usar um colar de ferro, entre outras brutalidades. Embora nessa época mais da metade da população fosse de escravos, o Brasil foi o último país independente do continente americano a abolir completamente a escravatura. Esse tempo passou, é o que dizem os livros de história, os programas de TV, os discursos políticos. Ecoam por este país miscigenado os sons dos cavacos e dos tamborins configurando o samba, o gingado dos corpos cansados e o som dos berimbaus e dos pandeiros sofridos configuram a capoeira e a bola nos pés une-se a esperança de um futuro digno configurando o futebol, e dos meios de comunicação isso soa tão lindo, tão democrático, que gente de todo lugar do mundo fantasia um Brasil Negro. Mas se esse tempo passou, por que nós negros ainda sentimos a dor das chicotadas nas piadas preconceituosas, nos dedos apontando para nossos cabelos crespos, nos padrões discriminatórios de beleza que excluem nossos traços faciais, nos olhares que relacionam nossa bela pele escura com um caráter ruim que não temos; Porque ainda nos sentimos presos a correntes de ferro que nos obrigam a lutar diariamente para provar que somos capazes, por que ainda há tanta intolerância e estupidez?
Atualmente o Brasil tem a maior população negra fora da África e a segunda maior do planeta, baseada nisso não entendo como tal sociedade privilegia clara e abertamente os brancos, um estudo mostrou que um trabalhador de fábrica branco ganha cerca de 75% mais do que um negro que realiza o mesmo serviço, outro dado obtido foi o de que para cada ano escolar cursado, brancos ganham 3,5% a mais enquanto mulatos ganham 2,3% e negros apenas 2,2%.
Então alguém se puder explica “que país é esse”, que lucra cotidianamente com a cultura negra e não permite que esses lucros cheguem aos negros, alguém se puder explica o que a melanina do nosso sangue interfere em nossa inteligência, capacidade e moralidade, alguém se puder explica qual a lógica usada para explicar o fato de que deve-se sentir vergonha de ter antepassados que foram escravizados e não deve-se sentir vergonha de antepassados que escravizaram, alguém se puder explica para o mundo a fome, a miséria, a submissão, a falta de oportunidades as quais sofrem milhões de negros nesse “Brasil Negro”.
Finalizo esse texto com as reivindicações que escravos fugitivos da Fazenda Santana, em Ilhéus, na Bahia deixaram escritas em 1789: "Meu senhor, não queremos guerra, queremos paz...Queremos permissão para trabalhar nas nossas roças nas sextas e no Sábado e no Domingo até brincar, folgar e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos impeça e nem seja preciso licença." Diante de tais palavras, alguém se puder explica por que passados 223 anos dessas escritas e 124 anos do fim da escravatura no Brasil essas reivindicações ainda fazem tanto sentido? Tiara Sousa







terça-feira, 5 de junho de 2012

Entre paixões e ciências


Quem nunca se apaixonou, nunca perdeu o amor próprio, cutucou as feridas, conheceu a loucura, não sabe dos motivos das ruas cheias de coisa alguma, dos corações vazios de dias de sol. Toda paixão é insana, é sofrida e precipitada, porém toda paixão é nenhuma, nada, qualquer coisa familiar, descritível, explicável. Dizem que apaixonar-se é como perder os sentidos, humildemente discordo, a paixão é ter todos os sentidos ativados e entrelaçados, e se pensa com o corpo, se sente com a mente, se fere com a ausência, se entorpece com a proximidade, se toca com os olhos, sobretudo se permite, se consente, se consome.
Recentes pesquisas cientificas afirmam que a duração da paixão varia entre alguns meses até 2 ou 3 anos, que há um elemento químico chamado neurotrofina, que provoca o desejo e que com o passar do tempo a quantidade dessa substância diminui. Não sei ao certo sobre os argumentos científicos, não estudei sobre essa tal substancia e ainda não vivi o suficiente pra dizer o que passa e o que fica com o tempo, mas creio que sentimentos são intensos demais pra serem medidos com elementos químicos, ciências exatas, conhecimento frio. Prefiro acreditar na química que não se explica, na atração que não respeita a mente, no olhar que procura o outro e provoca sorrisos, nos corpos que envelhecem juntos, nos corações acelerados e sem prazo pra acalmar.
Com todo respeito aos cientistas, estudiosos, curiosos, entre outros, há doenças sem cura, remédios ineficazes, paralisias, cegueira, vícios.  Portanto parem de assombrar as ilusões das pessoas, nesse mundo já tem dores demais, parem de classificar nossas sensações, desejos, preferências. Não preciso saber porque o sol nasce, a lua aparece, as folhas balançam ao vento, os pássaros cantam, prefiro ver essas belezas e ouvir esses sons sem tabelas e artigos científicos do lado. Principalmente não quero saber o porque da paixão, ou se vai durar um dia, um ano, a vida inteira, enquanto sentimos é para sempre, é cor de rosa, é ébrio, é forte e pra que tentar explicar, pra que dizer que o que faz um apaixonado sentir-se assim são diversas substâncias cerebrais liberadas, pra que dar nome as oscilações de humor, isso não vai mudar o que sentimos.
Prefiro dormir pensando que entre guerras e egoísmo, muitas pessoas no mundo poderão sentir-se assim e que entre estas, algumas, talvez sintam-se assim até os últimos dias de suas vidas. Apenas por esse motivo entre paixões e ciências, ainda prefiro as paixões. Tiara Sousa

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Maturidade: uma droga necessária


Já fomos melhores, embalamos redes, confessamos sonhos e sorrimos do que realmente tinha graça. Mas a vida é cruel, poucos sonhos tornam-se reais, algumas memórias ruins permanecem por toda uma existencia e algumas boas são esquecidas ou perdem todo o motivo de ser. Não sei se as caminhadas irão nos cansar para sempre, se nos levarão a um bom lugar, muitas vezes nem sei se devemos caminhar. Por isso é tão doído amadurecer, tornar-se maduro é aprender e aprender é mais dor do que fomos preparados pra sentir, de tão amados e protegidos que fomos por nossos pais. É que pelo caminho alguma coisa rouba nossa inocencia, sentimos por outros bem mais que eles merecem, nos tornamos muito ou pouco vaidosos e ás vezes nem mais nos olhamos no espelho por medo de não nos reconhecer, além de achar que qualquer aproximação com outro ser humano poderá nos desarmar e consequentemente nos magoar mais uma vez.
Já fomos mais tristes, já sentimos tanta dó de nós mesmos que quase desejamos morrer, já nos ferimos com tão pouco e com tanto que quase nos trancamos em casa para sempre, isso tudo pra aprender que até as maiores decepções são suportáveis. Quanto mais o tempo passa, mais temos medo, a maturidade é uma droga e nunca mais seremos iguais, não andaremos de montanha russa tão destemidos, nem diremos eu te amo tão rapidamente, nem viajaremos com uma mochila, pouca grana e um lindo sorriso, nem faremos sexo sem amor sem perder o amor próprio. Seremos precavidos, pois já vamos conhecer as ruas e as estradas e não permitiremos que elas nos tirem mais nada.
Então concluiremos que não vamos saber tudo dos processos do mundo, desse vai e vem da vida, do destino ou da falta deste, de o porque de algumas pessoas não suportarem a realidade e outras parecerem encaixar-se tão bem. O que sabemos ainda será pouco, embora tanto já nos doeu saber  desse pouco que destrói nossas ilusões todos os dias e nos deixa um pouco como quem sempre teimamos em julgar. Faço minhas as palavras de Almir Sater, quando em extrema sobriedade, creio eu, disse “ando devagar porque já tive pressa e levo meu sorriso porque já chorei demais”, amadurecer é isso aí mesmo e só o que nos resta é aceitar os conselhos das flores, que ao unir suas belezas tornam-se jardim e unidos podemos lembrar que de fato já fomos melhores e que ainda que amadurecer seja uma droga é uma droga necessária. Tiara Sousa

sábado, 5 de maio de 2012

Não somos hippies, nós somos livres


Para nós a lua nunca é a mesma, o mar tem temperamento e o sol tem seus motivos. A terra alimenta, é sempre mais do que o chão em que pisamos, os seres humanos são mais que espectadores de um palco sem arte, são artistas de uma mesma história em que não deve-se representar, pois apenas acontece e só de acontecer já liberta. Portanto, aos moralistas, recatados, presos a conveniências, escravos do capitalismo, alheios dos sentimentos, sóbrios do amor, declaro que corações vazios nunca irão alcançar a lua, perceber as paisagens, somar a terra, compreender o mar, nunca irão amar como amamos, assim tanto que vai dos raios de sol aos sorrisos dos outros, estarão sempre presos a roupas sem cor, a noites sem poema, ao julgamento sempre precipitado, a pressa que nunca leva aos lugares que realmente vale a pena conhecer.
Não somos hippies, apenas contemplamos as cores, suportamos as dores e conversamos com quem já não sabe pra onde ir. Nós somos livres, pois amamos os corações, não as carteiras, o caráter, não os modos, o motivo, não a pressa, as árvores mais que os prédios, a música mais que os ternos. E amamos os hippies também, reconhecemos e até nos apropriamos de muitos fatores históricos e pensamentos desse movimento de contracultura dos anos 60, respeitamos até mesmo os que se perderam e se entorpeceram tentando rever esse movimento como fuga para a dura realidade dos dias atuais, pois ainda assim sabem mais, são mais dignos do que os que julgam roupas e modos, do que os que discriminam gente e bicho, do que os que equivocados sentem-se melhores e nem conhecem a grandiosidade da igualdade e da aceitação.
Aos que nos julgam, desejamos as melhores vistas, as canções mais lindas, as roupas mais coloridas, uma melhor compreensão. E sobretudo que desaprendam a discriminar, a pré-julgar, a caçoar. Não somos hippies, mas desejamos a estes paz e amor pra entenderem que sentir vai além do que vemos, do que supomos, ou do que nos falam, sentir é conhecer e conhecer é abandonar a ignorância, a intolerância e a estupidez. Tiara Sousa 

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Como citou Décio Sá

Vamos chorar pelo mundo, pelas paisagens modificadas, pelos sons abafados, pelos romances terminados, pelos sonhos deixados de lado, pelos lugares que passamos, e só passamos, e passamos sós. Vamos sentir o ferimento no peito, a mente desolada, o pensamento triste, a lágrima que não coseguimos conter, a procura do dia perfeito ou do perfeito no dia e a sensação infeliz de não encontrar. Vamos nos esconder dessa gente cruel, das ofensas, dos tormentos, do cotidiano, vamos ficar em casa fazendo de conta que não existem fantasmas em paraísos, e que existem paraísos. Vamos cantar canções de ninar para nossas crianças, que de tão puras já nasceram sabendo preocupar. Vamos ouvir canções de poucas notas, ler livros de poucas páginas, nos acomodar com programas de TV de pouco conteúdo e nadar em rios de solidão. Vamos olhar em volta, não há perfeição, nem dores sãs, nem mesmo sonhos pequenos. Há, os filhos que tivemos, os dias que vivemos, as vírgulas e os pontos dos romances que passamos e que passaram, ou ficaram, e a multidão vazia do que é de fato importante. Vamos realmente olhar em volta, não há beleza em Festivais de Rock com estelionato, em jornalistas assassinados, em políticas injustas, nos altos índices de analfabetismo, na pobreza extrema, na sonegação, corrupção, militarismo, coronelismo. O que há é uma ilha chamada São Luís, um povo chamado dor, paisagens lindas e bandidos feios, dos quais nem podemos citar os nomes, como citou Décio Sá. Tiara Sousa

terça-feira, 17 de abril de 2012

Filhos

Dedicado a Ian
Se amar tanto é desacato, desacatei todas as leis do mundo quando você nasceu, tirei do primeiro lugar meus modos, e sonhos e anseios e coloquei os modos, sonhos e anseios teus. Voltei a acreditar em contos de fada, papai Noel e coelhinho da páscoa para que nem nas crenças você se sentisse só. Fui médica, índia, curandeira , cientista, para curar doenças, que ainda que habitassem o seu corpo, destruíam meu coração. Sei que falei e esbravejei com você tanto quanto com o mundo, é que não eram os recados da professora, a bagunça na casa, a premonição da queda, as notas no boletim, as más companhias, a teimosia, sempre foi o mundo que não estava preparado pra te receber, e naquelas broncas, era com o mundo que eu brigava. Se amar tanto é loucura, enlouqueci por toda a humanidade quando você nasceu, fui poeta só de observar o teu sorriso, teu andar e teu jeito de falar , fui astronauta quando você se interessou pelos planetas, fui criança quando você não tinha ninguém pra brincar, fui adulta pra segurar tua mão e te mostrar os caminhos mais seguros, fui imperfeita, por ainda assim continuar apenas uma humana qualquer capaz de falhar, e falhei, falho, peço perdão por não acertar sempre. Fui mãe, amiga e a chata da história se isso te trouxesse segurança. Passei noites inconformada por não poder invadir teu sono e tirar os pesadelos, por não poder adoecer no teu lugar, ou adquirir tuas decepções só para mim. Nunca precisei me esforçar pra amar você tanto assim, a ponto de amar mais do que a mim ou que qualquer outra beleza que não fosse a tua, te amar é como caminhar, falar, sentir, respirar. Se amar tanto é invenção, inventei o amor quando você nasceu e nunca, nunca mais deixei de acreditar no amor que eu mesma inventei. Tiara Sousa

terça-feira, 10 de abril de 2012

Enquanto houver tempo

Ainda há tempo de colorir os cadernos, inventar formas com massas de modelar e colecionar tampas de refrigerantes. Há tempo de temer a entrega do boletim, esquecer o dia da semana e esconder-se atrás de super-heróis e princesas. A infância não acabou. Ainda há tempo de colecionar fotos de artistas, se apaixonar por professores, fantasiar ou realizar com os populares da escola e amar perdidamente quem sequer se tocou. Há tempo de ler os horóscopos todos os dias, fazer testes de revistas teens e prever que o final do mundo é não ir a uma determinada festa ou a um show. A adolescência não acabou. Ainda há tempo de conhecer lugares novos, de mudar de opinião, de assimilar informações, de se encontrar em amores, de protestar, de gerar vida. Há tempo de cultuar a natureza, temer um primeiro encontro ainda que seja o centésimo primeiro encontro da vida, fazer amor pela manhã e aprender com os erros e os finais. A juventude não acabou. E se acabarem a infância, a adolescência e a juventude, ainda haverá tempo para lembrar dos cadernos coloridos, das paixões por professores, dos lugares que conhecemos. Ainda haverá um dia que seja para produzirmos lembranças e contarmos histórias e nos descobrirmos numa vida que nunca sabe do tempo e mesmo assim sempre perceber que ainda há tempo, enquanto aguardamos a beleza do nunca decifrado amanhã. E enquanto houver tempo, haverão sorrisos e choros e verdades e vida, e teremos tanto que o tempo há de passar grande como o amor, simples como o gostar, real como a dor e completo como o toque. Tiara Sousa

domingo, 1 de abril de 2012

Conto do desamor

Deixa passar essa noite, esse exibicionismo da lua, esse brilho hipnotizante das estrelas e as cortinas do teatro se fecharem. Deixa eu não estar presente pra você dizer o quanto me ama, pra declarar-se ao vento e transar com o vazio que eu deixei ou com alguma mulher que nunca e nem que eu permita será eu. Conforme-se em me observar de longe, em não poder comemorar meus anos, minhas conquistas e nem caminhar de mãos dadas comigo pelas ruas que eu faço de passarela do meu conhecer. Abandone seus discursos que tanto me atrairam e me trairam, abandone o celular simples, o geito meigo, o olhar triste e perdido, a bicicleta velha que tanto me encantaram e encaixe-se de uma vez por todas nesse universo importante que não me convence, nem me encanta. Provoque em mim, não fantasias, nem suspiros, nem vontades, nem saudade, esse tempo já passou. Provoque apenas compaixão, as vezes ainda consigo sentir a sua necessidade de chamar minha atenção, porém é só o que sinto. Não me espere, nem me procure, nem deposite em mim qualquer esperança, tesão ou saudade. Aquele tempo passou, aquela menina cresceu, já sentiu de verdade, já olhou de verdade, já tem seus próprios conceitos, suas histórias, já conheceu o fundo do poço e o pico da montanha, já caminhou desorientada pelas mesmas praias que você outrora caminhou, já te sentiu, não sente mais. Perdoe-me, meu não, meu nunca mais, não é uma afronta, mágoas soltas, vingança, é apenas desamor. Tenho certeza que não foi escolha sua a vida que tens agora, mais saiba também não escolhi deixar amá-lo, é que um dia acordei e você não era mais o homem dos meus sonhos, não sei se foi o tempo, a minha ou a sua mudança, mas foi dessa maneira. Então deixa passar essa noite, esse exibicionismo da lua , esse brilho hipnotizante das estrelas e as cortinas do teatro se fecharem, você vai ficar bem, essa dor vai passar, acredite, eu já senti dores mais fortes, já tive amores maiores, já velei meu coração e tudo passou, com você vai passar também, você vai chegar em casa e aprender a gostar da sua realidade como eu gosto da minha e vamos nos ver por aí pelo resto de nossas vidas como duas pessoas que se amaram em épocas distintas, e constatar que tinha de ser assim. Tiara Sousa