sábado, 26 de outubro de 2013

PAIXÃO - Algo impublicável, para tornar público

Paixão não é um mito, é o desejo ébrio dos sóbrios, é o desejo sóbrio dos ébrios, a paixão é desmedida mesmo quando é minuciosamente medida, mesmo quando envolta de cafés da manhã e passeios na praça, é o parentesco da química, é o desatino do cotidiano, é fazer planos porque é natural e desconstruí-los por ser inevitável, ainda que evitável.
Paixão é fechar os olhos pra fugir do que sente e enxergar um rosto, é reconhecer esse rosto na multidão, mesmo que ele nunca tenha estado lá; Paixão é uma prostituta com amor próprio, não compreende-se nem quando se desmaterializa, nem quando grita, nem quando cala, nem mesmo quando faz de conta.
Paixão é a explicação para “Cinquenta tons de cinza" ser um Best Seller, é insanidade e sanidade, é suor e nudez, é nudez e suor, é delírio e busca, é fuga e fantasia, é lembrar 24 horas de um beijo de dois minutos que pode nem ser real, é a ansiedade pelos minutos que virão, ainda que eles nunca venham, ainda que eles não existam.
Paixão é o orgasmo escapando dos órgãos e dos sentidos e lubricando-se do emocional, não tem sentido, só é sentida as pressas e devagar, devagar e as pressas; Paixão é o “berço esplendido” do Hino Nacional Brasileiro, é tão trágica que chega a ser cômica, é a abominação pelas duras verdades de Maquiavel em encontro a adoração pelas singelas mentiras de Karl Marx, ou vice-versa. É uma cama, um lençol, um vazio, um corpo inteiro doente de desejo.
Paixão é a cruz de Cristo, é a cruz sem Cristo, é Cristo sem a cruz, é suportar uma tristeza profana sem as palavras sagradas, é agnóstica mesmo quando tem fé, mesmo quando se alimenta de crenças, mesmo quando cumpre promessas e adora, mesmo assim, é agnóstica.
A paixão começa pelo fim, caminha pela libido, dança na mente, destrói o ego com duas doses do próprio veneno, o egocentrismo, movimenta descuidadamente a vaidade e termina no começo, comigo mais uma vez sentada na cama, com o computador no colo, escrevendo algo impublicável, para tornar público. Tiara Sousa

sábado, 19 de outubro de 2013

PENSO EU – Entre biógrafos e gênios

Estive pensando sobre a vida, eu sempre penso sobre a vida, não que eu goste, ou seja um passatempo, é apenas inevitável e cotidiano, complicado e poético. Mas em especial, dessa última vez eu pensei de uma perspectiva diferente da de sempre, pela primeira vez, eu pensei que ela é injusta, que um dia, um dia que não sabemos ao certo, isso fica óbvio. Pensei nisso porque um jornalista por quem tenho grande apreço, o Mário Magalhães, passou, segundo ele próprio, dez anos escrevendo a biografia do Marighela, que todos os que já leram dizem ser maravilhosa, e escreveu uma carta resposta lotada de palavras cultas, embora comum, ao Artigo sobre biógrafos, Penso eu, de Chico Buarque, aparentemente sobre biógrafos. Lendo esse artigo e todas as delicadas e pesadas entrelinhas, eu li mais sobre o ser humano do que sobre biografias, dádiva desse cantor, compositor e escritor que eu tanto admiro, no fim das contas terminei o artigo, acendi um cigarro e pensei, que droga de vida essa, o Mário Magalhães é mais que bom escrevendo, é inteligente, culto, viajado, competente, mas se ele estiver certo, no fim das contas não vai valer de muita coisa, porque lhe falta a dramaticidade, a genialidade e a sensibilidade de Chico, porque quando Chico escreve, ainda que seja sobre um balde, ele escreve carregando todas as dores do mundo, carregando o mundo.__ Que droga de vida! O cara escreve uma biografia ótima, embasada e de contexto histórico único, se utiliza lindamente de frases de efeito para a carta resposta e só emociona ao citar o nome de duas canções de Chico, porque só o nome dessas duas canções tem tristeza e alegria, suor e poesia, imoralidade e caráter, tudo na mesma medida, porque só Chico é louco assim, enfim, que droga de vida, dez anos escrevendo uma biografia, que segundo ele lhe trouxe prejuízo e paixão, embora tenha sucesso, pra no final das contas ele escrever uma carta resposta a um artigo e um mundo de gente constatar que não, ele nunca vai ser Chico Buarque.
Mas enfim, eu falava sobre a vida não é? A vida tem dessas coisas, talvez essa seja a grande falha do mundo, a vida não é comunista, a vida não é democrática, a própria ausência de lógica na vida já a impossibilita de ser justa. O Mário nunca vai ser um Chico, não importa o quanto ele leia, sofra, estude, trabalhe, se apaixone, ele nunca vai doer assim tanto a ponto de sangrar palavras, é isso que Chico faz, ele sangra palavras, e eu no reduto do meu desejo mundano, vou finalmente comprar o livro sobre Marighela, por que já li algumas coisas do Mário e sei que vai ser muito bom, o foda, perdoem a expressão, mas é a que cabe, é que logo no inicio da leitura desse livro eu sei que vou pensar na primeira frase de Chico Buarque no seu artigo, “Pensei que o Roberto Carlos tivesse o direito de preservar sua vida pessoal.”, pior ainda é que a cada detalhe emocionante da vida do Marighela eu sei que vou lembrar de uma canção de Chico, o mais triste de tudo é que eu vou terminar o livro e pensar, droga de vida essa, eu também nunca vou ser Chico, não importa o quanto eu leia, sofra, estude, trabalhe, me apaixone, porque quando ele escreve, ele carrega todas as dores do mundo, ele carrega o mundo.
Sinceramente, eu não julgo o Mário Magalhães, ele tentou. Escrever uma carta resposta a Chico foi corajoso, eu não faria o mesmo, eu sou medrosa, antes mesmo de ler, escreveria. __ Ainda que você esteja errado caro Chico Buarque de Holanda, sei que no fim das suas linhas você terá razão, por que quando você escreve você rouba as razões da humanidade com humanidade, portanto não me atrevo a contestar nada do que escrever. E por fim aproveitaria uma parte da carta do Mario Magalhães, uma de beleza incontestável, em que ele demonstra realismo e derrama poesia, aquela em que ele cita as duas canções de Chico, ”Você merece interlocutores do “tempo da delicadeza” evocado em “Todo o sentimento”. Aceite um abraço e o carinho deste fã irrevogável.” Tiara Sousa
Para os que desejarem ler o Artigo e carta, eis os links:

sábado, 12 de outubro de 2013

DIA DAS CRIANÇAS – UM CONTO DESCONTENTE

Eu tenho oito anos, não tenho pai, não tenho paz, minha mãe é um vazio no meio do meu estomago, meu coração só se emociona com comida, e se emociona tão pouco, eu não acredito no Papai Noel, nunca comi um ovo de Páscoa, nunca ganhei um abraço, nem um que não durasse, nem mesmo um desse, eu não tenho os olhos verdes, nem castanhos, nem pretos, nem azuis, tenho os olhos tristes, eu nem sei mais a cor da minha pele, o excesso de Sol a confunde, o excesso de frio a confundi, eu não tenho nada, nem esperança, nem voz, nem um sorriso bonito, nem feio, nem lágrima, eu tenho uma mãe viciada que nem lembra que eu existo, porque a parte de mim que tinha nela estava num neurônio que ela não tem mais, que ela queimou com um cachimbo, eu tenho um pai que rouba, rouba celular, computador, tênis, rouba até infância, ele roubou a minha antes mesmo de saber que eu existia, alguém roubou a dele. Eu não vou à escola, não vou brincar no parque, não vou fazer compras e nunca conhecerei uma sala de cinema, eu não vou viajar, não vou me apaixonar, nem vou a Universidade, nem nada, porque eu tenho fome e a fome não me deixa pensar, a fome não me deixa brincar, a fome não me deixa crescer, a fome não me deixa, a fome não me deixa, a fome não me deixa...
Eu tenho oito anos, eu acho que sonho, ontem eu vi uma casa tão bonita, e pensei que um dia ela podia ser minha, me imaginei sentado na mesa com a minha família, me imaginei brincando naquele quintal grande cheio de flor, me imaginei andando num daqueles carrinhos que cabe a gente dentro, eu dancei com o vento, eu estava no colo dizendo mamãe eu te amo, e ela dizia, eu também te amo meu bem, e então o papai chegava e eu corria pra abraçar ele, que sussurrava a palavra saudade, aí eu abri os olhos e chorei, eu nunca mais tinha chorado, mas também eu nunca mais tinha sonhado. Eu sou tão pequeno, eu sei falar palavrão, mas eu nem sei o que quer dizer, e quando eu sei é pior, porque eu ainda nem devia saber, eu só queria uma cama quentinha, uma comida simples, água gelada, uma sobra de carinho que fosse pra mim, que fosse pra mim.
___ Ei moço! Me dá um pedaço de pão, me dá um abraço, me dá uma cama, me enxerga. Moço, moço, não vai não, não me deixa sozinho, não me deixa, hoje é dia 12 de outubro e até agora ninguém falou pra mim Feliz dia das crianças, ninguém me deu bom dia, as pessoas me empurraram na rua porque estavam com pressa de ir às lojas e comprar presentes pra suas crianças, e eu moço, eu não sou a criança de ninguém... Eu tenho oito anos, não tenho pai, não tenho paz, minha mãe é um vazio no meio do meu estomago, meu coração só se emociona com comida, e se emociona tão pouco, eu não acredito no Papai Noel, nunca comi um ovo de páscoa, nunca ganhei um abraço... Moço, eu só tenho oito anos, eu quero a minha mãe. Moço, moço, moço... Tiara Sousa

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Eu também acho isso tão bonito

Há dias em que eu acordo me sentindo a última coca cola gelada e sem ratinho do Universo, porque eu já li mais romances e escrevi mais contos e crônicas do que a maioria dos mortais, porque eu estudo ouvindo Mozart, e compro bons CDs numa época em que as pessoas baixam música ruim e interpretam poesia em letras piegas, por que eu arrumo a casa com um incenso aceso e acredito que a energia se renova, porque eu tenho um diário cujo 80% das atitudes são realmente belas.
Há dias em que eu acordo me sentindo a única fruta podre no meio de dúzias e dúzias de frutas boas, porque eu cresci assistindo a TV Educativa e atualmente assisto a “novela das nove” e “Uma família da pesada” achando o máximo, porque eu sou tímida e lenta e portanto um teste de paciência a todos que me cercam, porque eu sou mimada, preguiçosa, bagunceira e desorganizada, e além de tudo isso fumo uma carteira de cigarros por dia e como por uma multidão.
Há dias em que eu durmo me sentindo a última coca cola gelada e sem ratinho do Universo, porque durante á tarde eu passei numa construção e quinze pedreiros cansados, com fome, com sede e embaixo de um Sol torrencial me cantaram, aí eu fiquei achando que eu sou interessante, e bonita, e inteligente e formidável, e se eu levar um fora depois disso nem vai doer por que eu me já tô me achando o máximo mesmo, o azar é do cara, porque eu não uso batom, nem gasto com lingerie cara, nem faço as unhas, e sou capaz de levar um homem a loucura, só não sei se de tesão ou de raiva.
Há dias em que eu durmo me sentindo a única fruta podre no meio de dúzias e dúzias de frutas boas, porque eu tenho celulite, e gordura localizada, e cicatriz, e pele oleosa, e acne, e calo, porque eu não sou a Beyoncé, e o transito não para pra eu atravessar a rua, porque no passado algum namorado que eu julgava especial já me traiu com uma mulher que falava adEvogado e lampIda, porque eu só recebi flores uma vez na vida e elas murcharam logo, e Chico Buarque nem sabe que eu existo, porque o amor da minha vida tá por aí e eu nem sei o endereço dele, pra falar a verdade eu não sei nem o nome, pra ser ainda mais realista e sincera eu nem sei se ele existe, porque eu tenho insônia e acordo com a cara tão enchada parecendo a Whoopi Goldberg, só que sem o dinheiro e a fama dela.

Mas tudo bem, há dias e dias, certa vez uma amiga minha disse que eu era a maluca mais certinha que ela já conheceu na vida, e no fundo o que ela queria dizer é que eu sou abstrata demais pra ter atitudes tão comuns, mas aí Lulu Santos compôs uma canção que diz: “Eu acho tão bonito isso de ser abstrato baby, a beleza é mesmo tão fulgás, como uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de convencer”; E aí eu me convenci, que eu também, eu também acho isso tão bonito. Tiara Sousa