quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Enquanto fingimos nos importar...


Observo as estrelas, constelações que unem-se pra enviar recados aos homens sem esperança. Vejo estradas, sombras; Horas que demoram a passar; As ruas estão cheias de pedintes, são estas um espelho da sociedade.

O governo diz que o progresso está por vir, mas há anos o progresso vem e nunca chega na casa dos mais humildes. Eu acendo um incenso pra afastar as energias ruins do meu quarto, no entanto continuo a ter pesadelos.

Na faculdade receberemos a visita de um renomado professor, que irá nos falar sobre as novas regras de ortografia da língua portuguesa. Eu não consigo fixar uma só regra, penso na África, nos homens, mulheres, crianças morrendo de fome, de Aids, de dor.

Vou dormir cedo nesta sexta-feira, no conforto da minha cama vou assistir a novela em que ninguém passa necessidade e escolher entre meus inúmeros vestidos caros um perfeito para apresentar um seminário tocante sobre a miséria de alguns povos.

Minha mãe vai chegar cansada do trabalho de educadora com crianças humildes e eu vou relatar a ela que o queijo e a geléia estão acabando. Meu pai vai me ligar pra contar do artigo que escreveu sobre o descaso dos políticos, dizer que achou linda a crônica que escrevi sobre socialismo e que já posso pegar o dinheiro pra comprar o sapato de meio salário mínimo que vi na vitrine.

Vou assistir ao Repórter Record e me emocionar com a reportagem sobre a crackolândia em São Paulo, aquelas crianças se prostituindo pra sustentar um vício que irá matá-las antes que adquiram maturidade. Enquanto isso, meu filho espera ansiosamente o fim de semana, vamos ao Bob’s ou ao shopping passear.

Minha tia vem nos visitar, como sempre vai contar as histórias tristes decorrentes da falta de leitos no hospital público em que trabalha, enquanto conversamos, assustada com tais dificuldades vou lembrar de procurar minha carteira do plano de saúde, sabe lá quando posso precisar.

Outra noite se aproxima, começo a pensar na violência da cidade, trabalhar na redação de um jornal e saber em primeira mão das notícias policiais tem assombrado meu sono, tenho tido muitos pesadelos. Enquanto isso milhões de pessoas vivem um pesadelo e ainda me considero sensível em relação a situação de miséria que vive grande parte da população, estou errada, vou levando a minha vida de classe média, vocês vão levando suas vidas de classe média, fingindo se importar. Continuam no conforto de suas casas e ligam uma vez no ano para o ‘Criança Esperança’, fingindo se importar.

Se não tivermos a infelicidade de sermos vítimas da violência decorrente da desigualdade social e a morte for por causas naturais, morreremos num apartamento com TV, ar-condicionado e frigobá de um hospital caro e famoso, fingindo nos importar.

Tiara Sousa

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