sábado, 9 de março de 2013

Vinte e oito

Daqui do alto, dá pra ver o povo caminhando, e é tão bonito e solitário ver o caminho que esses pés cansados trilham. É como se esses pés ainda fossem os meus.
Daqui do alto, dá pra sentir como os poetas sentem, e é tão triste e íntimo ter a poesia dos becos e esquinas da cidade no coração. É como se essa cidade ainda fosse a minha.
Daqui do alto, dá pra compreender como os pedreiros unem os tijolos nas construções que um dia chamaremos lar, e é tão encantador e injusto entender que eles erguem paredes que não serão deles. É como se esse lar ainda fosse o meu.
Daqui do alto, dá pra ouvir os sussurros dos amantes, e é tão físico e emocional ouvir no libidinoso, o sentimental. É como se essa libido ainda fosse a minha.
Daqui do alto, dá pra observar os jovens de dezoito anos se acometerem de erros semelhantes aos que eu já cometi. E é tão constrangedor e estranho só poder observar. É como se erros ainda fossem os meus.
Mas não são. Daqui do alto, eu vejo tanto, eu sinto tanto, eu compreendo tanto, eu ouço tanto, que tantas vezes só vejo, sinto, compreendo e ouço o que eu quero, que tantas vezes não sou nada, além de tudo o que já vivi.
Daqui do alto, o tempo importa, os dias correm, as situações ensinam, as experiências contam, há menos acasos e mais coerência.
E às vezes é tudo tão natural e familiar, que mesmo do alto, sinto como se eu fosse completar dezoito anos, não vinte e oito. Como se eu fosse perder as minhas memórias, e perdendo-as, reencontrar a inocência que essa última década tirou de mim. Sinto como se eu fosse todos os mais jovens, que de muitas maneiras e apesar de tudo, ainda vivem em mim. Tiara Sousa

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