Eu
gosto daquela saia velha e colorida com a bainha gasta e com lembranças de um
tempo em que eu não contava as horas. Hoje, eu e o meu relógio de pulso somos
inseparáveis, é que pra lá da janela tem um mundo inteiro esperando que a gente
se comporte como alguém da nossa idade, e a única coisa que eu queria desse
mundo era a liberdade de poder desejar um trio do Bob’s, uma canção do Bob
Marley e uma prateleira cheia de romances fúteis pra ler.
Já
é Dezembro. De novo dezembro. Eu amo as luzes de Natal que iluminam a cidade,
passo horas na frente do shopping olhando aquelas cortinas de lâmpadas e pego o
caminho mais longo só pra passar pelas pontes e apreciar as iluminações
natalinas, mas detesto a sensação que esse mês me trás de que preciso trocar a
mochila por uma bolsa de couro cheia de zipers dourados, de que preciso doar
todas as minhas havaianas e camisetas e comprar sapatilhas e blusas sociais, de
que preciso superar o meu vício em cigarros e em analgésicos e em coca cola e
em guloseimas e em homens encantadoramente complicados e me conformar com
saladas de atum e quinoa, mesmo não fazendo ideia do que é mesmo quinoa.
Detesto
dezembro porque toda vez que o ano chega ao fim começo a me perguntar até
quando vou poder abrir a porta do quarto da minha mãe e fazer o maior drama por
causa de uma dor de cabeça, uma dor de cólica, uma merda de alergia. Até quando
eu vou poder pedir pra minha avó fazer aquele bolo que eu gosto, só porque eu
gosto. Até quando vou poder ser bagunceira e pular em cima da cama e do sofá
cada vez que tocar uma música legal na rádio. Até quando eu vou poder me dar ao
luxo de escrever, mesmo sabendo que eu se eu quiser ganhar dinheiro mesmo, a
melhor opção é o inferno de um concurso público.
Detesto
Dezembro porque cada versão minha é mais antiga que a outra. Porque eu sou um
vestido de 1999, sou o sabor do verão passado, sou um disco de vinil, sou a
incapacidade de comer um cachorro quente sem sujar a mesa toda. Porque nunca me
habituei a cruzar as pernas ao sentar, ou a perguntar a alguém se esta tudo bem
sem realmente querer saber se esta tudo bem, ou a desfazer as malas pensando em
como é um saco desfazer as malas. Porque há um gosto ácido na minha boca que me
faz quebrar as regras, e nessas, eu sempre me quebro. Porque eu gosto de andar
descalça e de contestar moralismos, porque sou medrosa e sonhadora e egoísta e
mimada e egocêntrica e agridoce e dou o maior trabalho pra todo mundo que me
cerca. Porque pra me entender tem que detestar Dezembro pelo menos um pouco.
Detesto
Dezembro porque é Dezembro, porque é o fim de alguma coisa, e eu nunca me
habituei aos fins. Detesto, porque não me conformo que anos no meu RG ditem
quem eu sou, ou como devo me vestir, ou me comportar, ou até onde posso errar.
Detesto Dezembro. Mas amo Janeiro.
Porque Janeiro é começo e me lembra aquela saia velha e colorida com a
bainha gasta e com lembranças de um tempo em que eu não contava as horas.
Porque me dá vontade de mandar o mundo inteiro pra lá da janela que espera que
a gente se comporte como alguém da nossa idade ir se fuder, e porque é a melhor
época pra se comer um trio do Bob’s, pra se ouvir uma canção do Bob Marley e
ler todos aqueles romances fúteis da prateleira. Tiara Sousa
Um comentário:
Maravilha! Me diverti!
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