sábado, 2 de dezembro de 2017

DETESTO DEZEMBRO

Eu gosto daquela saia velha e colorida com a bainha gasta e com lembranças de um tempo em que eu não contava as horas. Hoje, eu e o meu relógio de pulso somos inseparáveis, é que pra lá da janela tem um mundo inteiro esperando que a gente se comporte como alguém da nossa idade, e a única coisa que eu queria desse mundo era a liberdade de poder desejar um trio do Bob’s, uma canção do Bob Marley e uma prateleira cheia de romances fúteis pra ler.
Já é Dezembro. De novo dezembro. Eu amo as luzes de Natal que iluminam a cidade, passo horas na frente do shopping olhando aquelas cortinas de lâmpadas e pego o caminho mais longo só pra passar pelas pontes e apreciar as iluminações natalinas, mas detesto a sensação que esse mês me trás de que preciso trocar a mochila por uma bolsa de couro cheia de zipers dourados, de que preciso doar todas as minhas havaianas e camisetas e comprar sapatilhas e blusas sociais, de que preciso superar o meu vício em cigarros e em analgésicos e em coca cola e em guloseimas e em homens encantadoramente complicados e me conformar com saladas de atum e quinoa, mesmo não fazendo ideia do que é mesmo quinoa.
Detesto dezembro porque toda vez que o ano chega ao fim começo a me perguntar até quando vou poder abrir a porta do quarto da minha mãe e fazer o maior drama por causa de uma dor de cabeça, uma dor de cólica, uma merda de alergia. Até quando eu vou poder pedir pra minha avó fazer aquele bolo que eu gosto, só porque eu gosto. Até quando vou poder ser bagunceira e pular em cima da cama e do sofá cada vez que tocar uma música legal na rádio. Até quando eu vou poder me dar ao luxo de escrever, mesmo sabendo que eu se eu quiser ganhar dinheiro mesmo, a melhor opção é o inferno de um concurso público.
Detesto Dezembro porque cada versão minha é mais antiga que a outra. Porque eu sou um vestido de 1999, sou o sabor do verão passado, sou um disco de vinil, sou a incapacidade de comer um cachorro quente sem sujar a mesa toda. Porque nunca me habituei a cruzar as pernas ao sentar, ou a perguntar a alguém se esta tudo bem sem realmente querer saber se esta tudo bem, ou a desfazer as malas pensando em como é um saco desfazer as malas. Porque há um gosto ácido na minha boca que me faz quebrar as regras, e nessas, eu sempre me quebro. Porque eu gosto de andar descalça e de contestar moralismos, porque sou medrosa e sonhadora e egoísta e mimada e egocêntrica e agridoce e dou o maior trabalho pra todo mundo que me cerca. Porque pra me entender tem que detestar Dezembro pelo menos um pouco.

Detesto Dezembro porque é Dezembro, porque é o fim de alguma coisa, e eu nunca me habituei aos fins. Detesto, porque não me conformo que anos no meu RG ditem quem eu sou, ou como devo me vestir, ou me comportar, ou até onde posso errar. Detesto Dezembro. Mas amo Janeiro.  Porque Janeiro é começo e me lembra aquela saia velha e colorida com a bainha gasta e com lembranças de um tempo em que eu não contava as horas. Porque me dá vontade de mandar o mundo inteiro pra lá da janela que espera que a gente se comporte como alguém da nossa idade ir se fuder, e porque é a melhor época pra se comer um trio do Bob’s, pra se ouvir uma canção do Bob Marley e ler todos aqueles romances fúteis da prateleira. Tiara Sousa

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