sábado, 4 de janeiro de 2014

FELIZ ANO NOVO! Eu lhes desejo... Alegria! Alegria!

Quando a cidade termina há algumas casas numa estrada de terra. Por algum motivo que finjo desconhecer, tudo muda, da minha capacidade de sentir até as tecnologias dos aparelhos eletrônicos, mudam as estações, o ano, o mês, o dia, mudam as redes sociais da moda, a capacidade dos celulares, surgem novos conceitos, reescrevem velhos romances, mas aquelas casinhas, naquela estrada de terra continuam feitas de barro e areia e taipa, com alguns metros quadrados de largura e comprimento, e eu nunca soube quem mora ali.
Tem alguma coisa diferente, desde que o ópio deixou de ser um hábito social as pessoas passaram a busca-lo nos espaços vazios dos seus corações, e o mais triste, o mais triste de tudo o que é triste é que encontraram.
Vou até a pia do banheiro, ligo a torneira, molho as mãos, mas é o rosto que lavo, miro o espelho, lavo o rosto novamente, miro o espelho uma vez mais, e outra, e outra, e outra... Mas nada mudou, os meus olhos ainda são os mais tristes que vi nas últimas horas.
A tristeza é uma filha da puta, não é a puta, a puta não é mais nada desde que se deitou pela primeira vez com alguém por dinheiro. A filha da puta é que é julgada e condenada antes mesmo de sair do útero, e se a tristeza tivesse uma forma humana, certamente seria a dela.
Caminho pela rua, gostaria de saber para onde estou indo, mas já não sou a mesma de ontem e sou aquela do ano passado, que foi ontem. E ser aquela é sempre mais doloroso do que ser essa, porque aquela é o que fui pela primeira vez e que não serei pela última.
A tristeza é uma ordinária, que intimida qualquer esperança e cria qualquer fé, que simula crenças até que elas pareçam reais em cada aspecto da sua irrealidade, não quer companhia, quer súditos, é rainha em sua crueldade e diverte-se com a desgraça alheia, não tem moral nem bons costumes, furta sorrisos e assombra sonhos.
O tempo é como um ressaca de whisky baleado, sei disso, porque há tempos que não espero sentir dores, aprendi a tomar analgésicos e a fugir antes mesmo de senti-las, e tantas vezes não é suficiente. Os anos nos ensinam a temer desde gentilezas até a maneira familiar com que os móveis estão dispostos em casa, eu sempre acabo mudando todos de lugar, só os meus sapatos velhos é que permanecem embaixo da minha cama, a espera dos meus pés, e de mais caminhos.
A tristeza é o fim da música, é o fim da rua, é fim da fase, é fim da frase, é o falso começo. É a conspiração, é a vaidade, é a impressão de que se é superior, é a dobradiça da porta que dá para o quintal mas não para a rua, é o soluço guardado, é o fardo, é um fardo, é a constatação, a fuga do crime nunca cometido, mas temido, é nunca caber-se em si de tanta dor.
Feliz Ano Novo! Que os seus sonhos se realizem, que as suas paixões sejam correspondidas, que as suas contas estejam cheias, suas mesas fartas e suas saúdes ótimas. E que vocês possam ir aos domingos na igreja para agradecer por suas felicidades e pedirem por si e pelos seus, e que cada vez que chegarem em casa continuem erroneamente sentindo-se superiores aos homens boêmios nos botequins.
Feliz Ano Novo! Que o Brasil ganhe a Copa e ganhe as guerras, é tudo por isso mesmo não é? Uma questão de território. Que vocês tenham sempre tempo de se acharem muito cultos e inteligentes e conhecedores, enquanto são ignorantes o suficiente para supor que os textos políticos, filosóficos e sociais que leem os tornam mais sábios que a lavadora num povoado do Piauí.
Feliz Ano Novo! Que vocês continuem a comer bem e a votar em interesse próprio, que continuem a se importar demais consigo mesmos e a nunca admitirem um erro ou um equivoco, que não ouçam, e façam tipo pra parecerem melhores do que são, sem nunca dar-se conta que fazer tipo é coisa pra quem se gosta pouco. Que mintam e traiam e iludam e comovam com a mesma singeleza com que beijam a testa de alguém. Que se cubram de joias, e roupas caras, e regalias pra esconderem a humanidade que supõem os fazerem fraquejar, que permaneçam submetendo as pessoas as suas crueldades travestidas de sinceridades.
Feliz Ano Novo! Que as suas capacidades de fazerem sexo sem nenhuma estima permaneçam intactas, e que vocês nunca percebam que essa falta de estima os atingem também. Que seus olhos continuem a contemplar as mais belas paisagens e as suas cegueiras continuem imperceptíveis para os que lhe rodeiam como é para os que passam por vocês.
A tristeza é pior do que estar a sete palmos da terra, é nunca estar onde se está, e não somente, mas também por isso, diferente dos meus olhos, eu nem estou triste hoje, que hoje é o dia 1º de Janeiro, e a minha obrigação é achar tudo lindo, enquanto na rua atrás da minha um garoto é torturado pelo pai, e a mãe é tão mais filha da puta do que própria tristeza que sente, que deita-se todas as noites ao lado desse homem, o chama “bem”, e abre as pernas para ele sempre que ele quer.

Portanto... Feliz Ano Novo! Peço perdão pela lucidez melancólica de considerar cada diversão dessas datas festivas de fim de ano, solitárias como a esperança que carregam. Espero que vocês nunca se deem conta que quando a cidade termina há algumas casas numa estrada de terra, e que enquanto tudo muda elas continuam feitas de barro e areia e taipa, e que mesmo que vocês as percebam um dia, continuem sem saber quem mora ali. É essa a minha maneira de dizer que lhes desejo Alegria! Alegria! Tiara Sousa

4 comentários:

Unknown disse...

UAU. Esse texto incomoda, perturba e é genial exatamente por isso. Voltou bem!

Alternativo disse...

Obrigada!!! A intenção é exatamente essa, perturbar e incomodar, essa é uma forma de tomar consciência, uma dose cavalar de realidade.

Uma nota disse...

Sem palavras....."alegria... alegria"!!!
Genial..!

Alternativo disse...

Uau! Obrigada Uma nota só!