Dia
25 de Janeiro teve show do Rappa aqui em São Luís, mas como não é exatamente
sobre o show que quero falar, não vou dizer que atrasou mais de duas horas, que
eu não conhecia nenhuma das músicas novas da banda, que houve uma queda de
energia ou sei lá o quê que interrompeu a apresentação, que Falcão (o
vocalista) tirou uma mulher da plateia pra dançar e deixou não sei quantas mil
se mordendo de ódio (incluindo eu), que mais uma vez conheci um carinha que
achou que eu estava dando o fora nele quando ao pedir meu número eu disse que
não usava celular, não que eu não estivesse dando o fora, mas porra, quando é
que os homens vão aceitar que no século XXI, ano de 2014, há alguém com menos
de trinta anos que resolveu passar um tempo sem essa grande invenção
tecnológica, que o show lotou e eu tenho medo de multidões e que as pessoas
pulavam e se empurravam e eu (constatando que estou ficando velha) desejei
estar ouvindo as músicas na segurança da minha casa. Não, eu definitivamente não
irei falar sobre nada disso.
Bem,
mas pra começar a falar sobre o que quero, terei que introduzi-los a essa noite.
Saímos todos num só carro, eu, duas amigas, um primo carioca de uma delas, e
Mirelle, uma amiga de uma delas. Pois é, Mirelle nem gosta do Rappa, mas o
carinha que ela gosta, gosta, então ela já tinha motivos suficiente para
desembolsar 60 reais, e ir até lá. Com 24 anos, mas com um coração de 16,
Mirelle se arrumou toda e chegando até lá fez cara de surpresa ao encontra-lo
(e do topo da sua inocência ela jura que colou), foram logo se beijando e ela passou
o show inteiro com ele. Eu e os outros ficamos mais próximos do palco e só
voltamos a encontrar com Mirelle no fim do show, ela estava chorando, pois o
cara a tinha deixado sozinha (devido ao seu choro público, confesso que inicialmente
a julguei mal).
Já
era mais de quatro da manhã quando na volta do show, o pessoal decidiu parar
pra lanchar, encontramos um trailer e eu ainda atordoada com a multidão que
tinha no show, decidi ficar esperando no carro, Mirelle muito triste também
decidiu não descer, e foi então que ela me contou sobre o como estava
apaixonada e como não era correspondida. Falou que sai com esse rapaz há mais
de dois anos, que ele tem um filho que ela trata com muito carinho, que sempre
que viaja traz presentes para os dois, que as poucas vezes em que ele foi a
casa dela, seus pais o receberam muito bem, que ela faz de tudo por ele, mas
que ele nunca a assumiu de fato, que fica com outras, não a trata com carinho,
não demonstra consideração ou paixão, que ele faz ela se sentir um nada, e que
isso a deixa muito triste, mas que é mais forte do que ela, e que por isso sempre
acaba indo atrás dele, ou aceitando seus convites rapidamente, por que o ama. A
medida em que ela falava se debulhando em lágrimas o meu pré-julgamento sobre
ela ia se transformando em simpatia, e eu me revoltava contra ele, quando ela
disse então que ele tem 35 anos eu juro que o xinguei mentalmente de termos
impublicáveis, afinal, alguém com essa idade já tem o discernimento de saber o
mal que causa.
Mirelle
falava com todo aquele romantismo e esperança e tristeza e ingenuidade, e eu,
numa altura dessas percebendo a menina por trás daquelas palavras, a inocência
por trás de suas atitudes e a certeza mórbida que ela tinha de que aquela obsessão
era amor, quis alertar Mirelle, dizer que todos (homens e mulheres) vivem essa
fase juvenil e dolorosa de gostar de quem não gosta, de quanto mais maltratados,
rejeitados, traídos, mais gostam, ou melhor, mais acham que gostam. Quis dizer
que um dia não muito distante ela vai dar as costas a ele, que gostar de
verdade é gostar que faz bem, e gostar que faz bem é o que tem feedback, que a
maioria das vezes essa história de amor não correspondido é uma tardia ilusão
adolescente que deixa jovens adultos com baixa auto estima e falta de vergonha
na cara. Mas diante de tudo o que Mirelle imaginava que sentia, e que não doía
menos por ser imaginação, seriam palavras jogadas ao vento (e eu prezo muito as
palavras para desperdiça-las assim), ela precisaria viver e sofrer tudo isso
completamente. Eu entendi dessa maneira, pois vendo aquela menina sofrendo
dores das quais os conceitos ela ignora e para a qual não esta preparada,
lembrei de uma outra menina, ingênua e destemida, aquela que eu fui um dia, e então disse apenas que
ela vai sair dessa e que melhor, vai aprender com essa. Ao ouvir minhas
palavras Mirelle esboçou um sorriso de esperança, finalmente o pessoal terminou
o lanche e seguimos para as nossas casas.
Quando
cheguei em casa lembrei das lágrimas que caiam pelo rosto daquela quase
desconhecida enquanto ela me contava a sua história, me perguntei se assim como
aconteceu comigo, depois disso ela vai ter medo de se entregar, vai duvidar do
amor e fugir muitas vezes do que sente. Temi que ela se transforme numa falsa
fria como eu, que guarda o romantismo num baú e finge que sabe de tudo quando
na realidade é só mais uma mocinha tola com medo de gostar de alguém pra valer
e sofrer suportando o sublime do insuportável.
Pela
primeira vez em muito tempo me desfiz da máscara de mulher forte que vinha
usando até pra eu mesma, e chorei... Chorei por Mirelle e pela menina que eu
nunca mais vou ser, que pior, tenho muito medo de voltar a ser... Chorei por
cada traição, por cada desilusão, por cada perda, por cada sacana ordinário que
foi me furtando pedaço em pedaço até me transformar nesse poço de medo e blindagem
que atualmente as pessoas equivocadamente nomearam de mulher segura, madura,
independente e altruísta. Chorei pelos últimos
tempos em que nem conseguia mais chorar...
Depois
deitei invadida por um alívio súbito de quem lava a roupa suja de todos os
corações partidos da humanidade sozinha, e pensei no lado positivo da minha história,
do que um dia vai ser a história da Mirelle, de todas as histórias (amo lados
positivos!). Me dei conta que as mesmas desilusões e decepções que nos fazem
mais comedidos em relação aos romances também nos tornam pessoas que gostam de
ser correspondidas e que naturalmente perdem o interesse por quem não demonstra
interesse, claro que a primeira coisa que nos interessa em alguém continua
sendo que tipo de alguém é, mas a segunda certamente é a reciprocidade. E pensando
assim, me entreguei ao sono com a mesma singeleza e liberdade com que mais
jovem me entregava a vida e aos sentimentos, e sonhei com o dia em que eu vou
de fato superar isso tudo e deixar de ter medo. Sonhei pelos últimos tempos em
que nem conseguia mais sonhar...
Ouvir
a Mirelle me ensinou muito mais do que eu jamais poderia prever, pois não
importa por quantas coisas já passamos, ou o quanto já sentimos, sempre temos
algo a aprender, e naquela noite, daquele show, ela me ensinou que de vez em
quando é muito bom olhar para trás e então por fim, ou melhor, por futuros começos
se permitir seguir. Horas depois acordei, leve como a brisa da tarde que
entrava pela janela do quarto, celebrando o dia, o tempo, a vida, cada
experiência (mesmo as abomináveis), e sabendo que por trás de tudo aquilo o que
fazia era comemorar o fato de agora eu ser o tipo de mulher que manda caras
como esse (que a Mirelle jura que ama) á merda e ainda sai cantarolando... “Aiôa
êê, aiôua, é!”. Tiara Sousa
2 comentários:
Você sempre me surpreendendo nega...Parabéns!!
E concordo que não podemos ter medo de viver... de ter a certeza daquilo que amanhã poderá até ser incerteza, mas vivamos o JÁ, sempre!! abraços... e fique tranquila..sempre soube que você vestia uma bela armadura...rsrs..abraços amiga!!
Brindemos a vida, aos nossos amores e a nossa família!! hehe...
Obrigada!!! Sempre soube é, e eu jurando que a minha máscara de mulher forte colava, rsrsrs. E brindemos, afinal, "mal, mal vai passar, mal vou me abalar, Aiôa"
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