domingo, 2 de fevereiro de 2014

BARULHOS DA CIDADE

Caminho pelas ruas... Caminhar nunca é reconhecido como uma experiência, a maior parte do tempo as pessoas caminham em busca de tudo, e tudo é quase sempre quase nada. Todos tem pressa, pressa de chegar ao trabalho, ao curso, a Universidade, ao encontro, ao lugar. A rua é sempre vista como uma passagem, um caminho, um meio. Mas a rua nem sempre é passageira. Por vezes eu não somente passo pelas ruas, deixo as ruas passarem... E enquanto elas passam o tempo é sempre o dobro do que é, e eu não espero que todos entendam isso, só alguns...
Às vezes o centro de uma cidade é toda a cidade, gente de todos os tipos, roupas de todos os modelos, sonhos de todos os tamanhos, às vezes não... Eu já conheci uma cidade inteira só de olhar o olhar de uma mulher sentada na calçada da sua casa simples num bairro do subúrbio, ou a maneira como as crianças correm atrás de uma bola num campinho qualquer, ou os sons dos vendedores ambulantes anunciando seus produtos nos centros comerciais, ou pelo modo que o rapaz de coração partido olhava pela janela do ônibus, ou pelo beijo apaixonado do casal adolescente na praça, que de tão atrevido e público e exibido, soava de uma inocência maior que a praça, maior que todas as praças.
Há uns meses atrás eu e uma amiga entramos num restaurante em Santiago no Chile e descobrimos que o garçom que nos atendeu, além de brasileiro, era maranhense, que assim como nós era de São Luís, ele conhecia os bairros em que morávamos e até tínhamos conhecidos em comum. A medida em que falávamos, ele, que creio já estava há um bom tempo vivendo por lá, acabou por não se conter de tanta emoção, e repetia freneticamente: “Que mundo pequeno! Que mundo pequeno!”, com as mãos para cima e nos olhando como se fossemos muito mais que duas estranhas, ali eu entendi que naquele momento éramos para ele nossa cidade inteira, e quem vai dizer que do topo da saudade que sentia do seu lugar de origem (tão diferente daquele em que estávamos), que aquele rapaz estava errado.
Caminho pelas ruas... A individualidade por muitas vezes é vista como algo ruim, eu gosto de individualidades, por momentos enxergá-las é poder levar nações pra casa, afinal, quem disse que toda filantropia é voluntária nunca flagrou as paisagens passando, os movimentos passando, as histórias passando, nunca transformou a rotina dos outros na sua eventualidade. O sol começa a se pôr, e a mulher trajando roupas finas, salto alto e bolsa de grife atravessa a Avenida em direção a garagem e nem percebe o espetáculo natural que a rodeia, a sua esquerda o sapateiro interrompe o trabalho para olhar para o céu, e eu deixo de olhar para o céu para olhar os olhos do sapateiro, porque eu poderei ver o sol se pôr muitas outras vezes, mas nunca mais numa quinta feira, num Janeiro, através dos olhos daquele sapateiro. Minutos depois a mulher vai embora no seu carro de luxo, lançamento da concessionária, recém comprado, o sapateiro volta ao seu trabalho, e eu sigo meu caminho, encharcada de comiseração, não pelo sapateiro, mas pela mulher, é dela que sinto dó.
E é sempre assim, todas essas ruas e avenidas e becos e gentes invadindo a minha imaginação, a minha consciência, os meus sentimentos, eu nunca as ignoro... Sempre me pergunto pelas pessoas que moram nesses lugares, pelos pés que ali pisaram, por quem construiu as casas, e por quem nunca encontra tempo de olhar em volta e para cima.
Há dias em que tudo me inspira, que todas as dores alheias tornam-se intimas, e eu sei que pareço lenta e distraída perto de toda pressa a ocupar os caminhos, e eu sei, muitos não compreendem. Não desejo a ninguém que como eu, possa conhecer cidades inteiras dentro de um olhar, pois imaginar assim é quase suportável, é quase descritível...
Não. Eu não espero que todos entendam isso, só alguns, alguns dos quais eu faço parte... Aqueles sempre mesmos alguns que enxergam o poema do asfalto, das tinturas gastas, dos telhados velhos, dos portões automáticos, das pessoas conversando, da natureza se exibindo, dos barulhos da cidade...
Caminho pelas ruas... E enquanto caminho, elas caminham por mim... Tiara Sousa

2 comentários:

Uma nota disse...

"...as pessoas caminham em busca de tudo, e tudo é quase sempre quase nada".
Nega..muito lindo o seu olhar, olhar de quem para e fica, de quem fica e se despede, de quem sente e chora, e se permite viver. Olhar de quem, mesmo em meio a tanto barulho, consegue escutar uma doce valsa...e se perder num mar, um diferente tipo de mar. Belo texto...amei!!

Alternativo disse...

Belíssimo comentário, você é desses alguns que como eu consegue enxergar um cidade inteira num olhar... Obrigada! Amei!