Caminho
pelas ruas... Caminhar nunca é reconhecido como uma experiência, a maior parte
do tempo as pessoas caminham em busca de tudo, e tudo é quase sempre quase
nada. Todos tem pressa, pressa de chegar ao trabalho, ao curso, a Universidade,
ao encontro, ao lugar. A rua é sempre vista como uma passagem, um caminho, um
meio. Mas a rua nem sempre é passageira. Por vezes eu não somente passo pelas
ruas, deixo as ruas passarem... E enquanto elas passam o tempo é sempre o dobro
do que é, e eu não espero que todos entendam isso, só alguns...
Às
vezes o centro de uma cidade é toda a cidade, gente de todos os tipos, roupas
de todos os modelos, sonhos de todos os tamanhos, às vezes não... Eu já conheci
uma cidade inteira só de olhar o olhar de uma mulher sentada na calçada da sua
casa simples num bairro do subúrbio, ou a maneira como as crianças correm atrás
de uma bola num campinho qualquer, ou os sons dos vendedores ambulantes
anunciando seus produtos nos centros comerciais, ou pelo modo que o rapaz de
coração partido olhava pela janela do ônibus, ou pelo beijo apaixonado do casal
adolescente na praça, que de tão atrevido e público e exibido, soava de uma inocência
maior que a praça, maior que todas as praças.
Há
uns meses atrás eu e uma amiga entramos num restaurante em Santiago no Chile e
descobrimos que o garçom que nos atendeu, além de brasileiro, era maranhense,
que assim como nós era de São Luís, ele conhecia os bairros em que morávamos e até
tínhamos conhecidos em comum. A medida em que falávamos, ele, que creio já
estava há um bom tempo vivendo por lá, acabou por não se conter de tanta emoção,
e repetia freneticamente: “Que mundo pequeno! Que mundo pequeno!”, com as mãos
para cima e nos olhando como se fossemos muito mais que duas estranhas, ali eu
entendi que naquele momento éramos para ele nossa cidade inteira, e quem vai
dizer que do topo da saudade que sentia do seu lugar de origem (tão diferente
daquele em que estávamos), que aquele rapaz estava errado.
Caminho
pelas ruas... A individualidade por muitas vezes é vista como algo ruim, eu
gosto de individualidades, por momentos enxergá-las é poder levar nações pra
casa, afinal, quem disse que toda filantropia é voluntária nunca flagrou as
paisagens passando, os movimentos passando, as histórias passando, nunca
transformou a rotina dos outros na sua eventualidade. O sol começa a se pôr, e
a mulher trajando roupas finas, salto alto e bolsa de grife atravessa a Avenida
em direção a garagem e nem percebe o espetáculo natural que a rodeia, a sua
esquerda o sapateiro interrompe o trabalho para olhar para o céu, e eu deixo de
olhar para o céu para olhar os olhos do sapateiro, porque eu poderei ver o sol
se pôr muitas outras vezes, mas nunca mais numa quinta feira, num Janeiro,
através dos olhos daquele sapateiro. Minutos depois a mulher vai embora no seu
carro de luxo, lançamento da concessionária, recém comprado, o sapateiro volta
ao seu trabalho, e eu sigo meu caminho, encharcada de comiseração, não pelo sapateiro,
mas pela mulher, é dela que sinto dó.
E
é sempre assim, todas essas ruas e avenidas e becos e gentes invadindo a minha
imaginação, a minha consciência, os meus sentimentos, eu nunca as ignoro... Sempre
me pergunto pelas pessoas que moram nesses lugares, pelos pés que ali pisaram, por
quem construiu as casas, e por quem nunca encontra tempo de olhar em volta e
para cima.
Há
dias em que tudo me inspira, que todas as dores alheias tornam-se intimas, e eu
sei que pareço lenta e distraída perto de toda pressa a ocupar os caminhos, e
eu sei, muitos não compreendem. Não desejo a ninguém que como eu, possa
conhecer cidades inteiras dentro de um olhar, pois imaginar assim é quase
suportável, é quase descritível...
Não.
Eu não espero que todos entendam isso, só alguns, alguns dos quais eu faço
parte... Aqueles sempre mesmos alguns que enxergam o poema do asfalto, das
tinturas gastas, dos telhados velhos, dos portões automáticos, das pessoas
conversando, da natureza se exibindo, dos barulhos da cidade...
Caminho pelas ruas...
E enquanto caminho, elas caminham por mim... Tiara Sousa
2 comentários:
"...as pessoas caminham em busca de tudo, e tudo é quase sempre quase nada".
Nega..muito lindo o seu olhar, olhar de quem para e fica, de quem fica e se despede, de quem sente e chora, e se permite viver. Olhar de quem, mesmo em meio a tanto barulho, consegue escutar uma doce valsa...e se perder num mar, um diferente tipo de mar. Belo texto...amei!!
Belíssimo comentário, você é desses alguns que como eu consegue enxergar um cidade inteira num olhar... Obrigada! Amei!
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