terça-feira, 28 de outubro de 2014

AS ATUAIS DOS NOSSOS EX

Ex devia sumir, sumir das baladas, das ruas, da cidade, do mapa. Ex só é ex porque no meio de tudo alguma coisa deu muito errada, alguma coisa que começou com nuvens imaginárias na cabeça e telefonemas melosos e encontros ansiosamente aguardados e dias lindos e beijos demorados e sexo impressionantemente bom.
Só que se acaba, quando acaba, não dá pra fingir, fingir que não aconteceu, que não foi bonito, que não nos fez suspirar, que eles já não nos viram nuas e tiveram o controle de todas as nossas sensações, que seus olhos já não foram labirintos para os nossos e seus braços uma extensão do nosso corpo, que já não trocamos salivas e palavras, que já não passeamos e ficamos sem fazer nada, por que fazer nada com quem se gosta é muita coisa, e quando muita coisa vira nada a ausência caminha pela sala, deita na nossa cama, beija os nossos lábios, é de sentir inteiramente e no corpo inteiro.
E quando acaba dói, não uma dor qualquer, mas uma dor profunda. Decepção é dor, saudade é dor, vontade é muita dor, e dores não tem fim até o fim, elas ocupam os lugares, transitam entre o braço e antebraço, entre os dedos das mãos e coração, entre os fios de cabelo e os olhos, entre o tudo e o nada, e no absoluto.
Daí nos resguardamos, entramos num baú de proteção fazendo o possível e torcendo pra encontrar, e torcendo pra não encontrar aqueles ex, provocando e evitando lugares e pessoas, prosas e suspiros, como se desse pra evitar suspiros, como se dores não fossem onipresentes, como se fosse doer menos ou num ritmo mais fraco.
Mas o tempo passa, e que bom, pois esse sim é Senhor de todos os sentimentos, e então a dor se transforma, finalmente está tudo ficando bem, já podemos encontrar os ex na rua e cumprimentá-los e sair de lá inteiras exatamente como entramos, exatamente como somos. Estamos livres, libertas da nossa própria impressão, do nosso próprio maldizer das coisas, da nossa experiência.
E daí olhamos eles, aquele mesmo sorriso que usavam pra seduzir, aquela bermuda que sempre os deixavam lindos, aquelas mãos que passeavam pelos nossos corpos, que eram ou pareciam ser tão deles, tudo para aquelas moças do lado, aquelas moças que devem estar fazendo tudo melhor  e diferente do que fizemos, que não devem ligar pra discutir relação, nem dar uma crise de ciúme sequer, que usam maquiagem de acordo com o clima do dia, e usam roupas que eles aprovam e acham decentes, porem belas, aquelas em que tudo cai bem, e que sorriem como as princesas dos filmes da Disney, elas que tem curvas perfeitas, e olhos bonitos e peles impecáveis, e que se bobear são até mais novas, e se não, aparentam. E pra elas, eles irão dar flores, e pagar a conta do jantar sozinhos, vão leva-las pra viajar e dizer sempre o quanto as amam e o quanto elas são importantes pra eles; Pra elas, as moças perfeitas, eles serão fieis, e as levarão pra dançar e exibirão para os amigos mais críticos, por que elas brilharão.
Mas acontece que tudo é sempre tão diferente do que imaginamos, na imaginação elas não chegavam aos nossos pés, éramos mais bonitas, mais inteligentes, mais divertidas, e daí olhávamos bem pra elas e pra eles e soltávamos um sorriso de vitória e saiamos deixando ambos com as caras no chão. Mas na realidade, elas brilham tanto que nos ofuscam, então fingimos que não os vemos e saímos dali desanimadas procurando nossos pedaços pelo chão. Vamos em busca das amigas, que certamente irão buscá-las nas redes sociais e analisá-las minunciosamente até encontrarem algum cravo ou espinha ou flacidez ou erro ortográfico, então iremos detoná-las, e elas irão concordar com a gente, porque não importa o quanto as atuais brilhem, nós somos as amigas delas. Elas são as atuais dos nossos ex.
E mais tarde, em casa, sozinhas, iremos olhar nossas fotos antigas e concluir que não importa o quanto elas sejam lindas, que eles ainda sentem ou irão sentir a nossa falta, por que cozinhávamos mal, temos estria e gordura localizada, seios imperfeitos e celulite, cabelo ressecado e uma pele oleosa, mas nós os amavamos, mesmo eles nunca tendo nos dado flores, nem pago a conta do nosso jantar sozinhos, nem nos levado pra viajar, ou dito várias vezes o quanto nos amavam, gostavamos deles tanto assim, sem eles precisarem fazer muito esforço, e isso era pra ser suficiente pra fazer de nós as mais belas, inteligentes e divertidas aos olhos deles, e se não foi, só nos resta esperar que eles sejam felizes em suas preferencias a superficialidades. Vai ver que eles nunca nos mereceram, que há alguéns por aí que nos enviem flores e nos dê bombons e nos leve pra passear, mesmo sabendo que o amaríamos sem nada disso. Tiara Sousa.

domingo, 19 de outubro de 2014

EMOCIONALMENTE INSTÁVEL

Não me leve a mal. Eu não tô bem. Há algo no desenho do livro. Aquele buraco na parede sempre esteve ali ou é só que agora ele tá me incomodando? Porque meu estômago dá tantas voltas em torno de mim? O que eu preciso é não lavar a roupa suja; Quero jogar todas as roupas sujas no lixo e seguir nua e descalça numa realidade paralela e imperfeita, mas ao meu gosto. Por que só o meu gosto é amargo e agridoce e doce e azedo, porque somente eu tenho me aguentado.
Nada demais. São só as tolices de sempre. É só a minha generosidade brigando com o meu egoísmo, eles saem na rua e brigam de faca, são milhares de investidas divididas em milésimos de segundos, mas nenhum deles se corta, só eu saio ferida, com sangue espalhado pelo corpo e escorrendo pelos olhos. Só eu realmente me machuco. Porque se há uma semana eu era pouco pra mim, agora eu sou demais.
Uma hora risos e saudade, noutra choros e acusações, e a eterna dúvida se eu tô errada. Será que é isso mesmo? Eu tô sempre errada. Eu sou tão mau assim. Será que o mundo melhor com que sonhei a vida inteira não me cabe? Ou será que isso tudo é só dor e dor não tem medida. E dor é pra doer.
Oscilações de humor. Doses de mim espalhadas pela casa. Da janela observo... O cara atravessa a rua e não vê que a rua é só uma passagem, temos contas a acertar com os dias nublados e perdão para cada dia ensolarado em que saímos trancados dentro de nós. Em que humor isso encaixa?
Quem somos no meio de tudo isso? Adultos que cortejam fantasias? Pessoas com pressa e pudor? Algozes de súbitas consciências? Somos os personagens mais profundos dos nossos próprios contos, protagonistas num palco vazio, uma plateia de dúvidas travestidas de certezas, ou a lembrança das crianças que corriam pela casa.
É uma mala pesada o passado, por que o que passa fica, se impregna no nosso corpo e se enjaula em nós. Lembranças de beijos nos assombram e tudo desmorona por aqui. Tenho algumas ressalvas entre a loucura e a dor. Prefiro a loucura. Mas cavo a dor.
E esses tempos andam estranhos, talvez porque eu sempre tenha sido como os poetas sem potencial lírico, ou como os românticos vazios caminhando por esquinas escuras em busca de dores maiores que as deles.
Necessito de sentido. Mas tudo é tão estranho depois que descobrimos algumas coisas. Os namorados nas praças no fim de tarde já me parecem tão tolos. Será que é assim mesmo? Que a medida que os anos vão passando tudo vai perdendo a graça?
Abro o meu e-mail... Mais alguém pra me dizer que não entendeu nada do meu último texto. Que as minhas palavras mais comuns soaram estranhas e que as mais cultas se popularizaram demais dentro das frases. Eu então respondo, sem humor nenhum e com todo o humor do mundo: Cada um se carrega, é assim que a gente segue, é assim que aguentamos as coisas que supomos que não íamos aguentar, é assim que levantamos e percorremos os caminhos escuros, é assim que compomos canções pra alguém ouvir exatamente como ouvimos, ou sentir do modo como sentimos. Mas sempre vai ter um pra dizer que não, não sentiu dessa forma. Espero que também não compreenda dessa vez, mas que sinta, exatamente como senti, se for possível. E não me leve a mal. Eu não tô bem. Tenho andado emocionalmente instável. Tiara Sousa

domingo, 5 de outubro de 2014

VOTEI POR ME RECUSAR A DEIXAR DE SONHAR...

Votei pelo Mago do arame, um cara que conheci por acaso em uma lanchonete, ele vendia sua arte e acabou confidenciando que estava no Narcóticos Anônimos (NA), e que vinha conseguindo vencer uma luta injusta contra as drogas. Outro dia o vi recaído, é como chamam os membros do NA que voltam para o vicio, eu mal o conheço, mas me doeu.
Votei pelos meninos das favelas do Rio de Janeiro, pelos meninos de todas as favelas, que são vítimas do tráfico e da realidade da fome, que conhecem a miséria com intimidade e são revistados só por serem pretos, só por serem pobres, só por morarem ali.
Votei pelos poetas que se embriagam todos os dias, porque a poesia diante de tudo só sobrevive na fantasia, e porque a realidade massacra e desconforto é coisa de quem sente demais.
Votei pelas mulheres que lavam, passam e cozinham, que cuidam das suas crianças, que trabalham, que vivem pros seus maridos; Pelas mulheres que se apaixonam por idiotas, que nunca se encaixam nesse padrão de beleza injusto ditado pela mídia.
Votei pelos muito altos, pelos muito baixos, pelos muito gordos, pelos muito magros, pelos índios e negros e brancos e orientais, pelos gays e heteros e sonhadores e realistas, pelos deficientes, votei pelos otimistas e pelos pessimistas, e pelos que mesmo julgados conseguem sorrir.
Votei pelo órfão, pelo playboy babaca, pelo egoísta, pelo mentiroso, pelo sábio, pelo culto, pelo morto de fome, pelos mortos de guerra, por quem não faz ideia do que é a fome e a guerra.
Votei pelas vítimas desse tempo, pelos interesseiros, pelos hipócritas, pelos infames, pelos bonzinhos, pelos maldosos, por todos aqueles que não cabem em si de tanta dor.
Votei pelas paisagens mortas, pelas vivas, pelos indignos, pelos dignos, votei pelos famosos e pelos anônimos e pela menina que puxou o meu cabelo quando eu tinha dez anos.
Votei pelo sacana do meu ex professor que se utilizava do poder de ensinar e era pernóstico e autoritário, votei pela minha ex professora que faltou uma semana de aula por causa do fim do casamento dela, ela sabe a dor que sentiu enquanto eu só tento imaginar.
Votei pela cultura de massa, e pela cultura de poucos, pelos compositores de merda e pelos geniais compositores. Votei por quem me ama e por quem me suporta, e por aquela vaca que me tratava bem enquanto dormia com o meu ex namorado enquanto ele ainda era meu namorado.
Votei pelas quebradeiras de coco e pelos ambientalistas, pelos supostos alternativos que criticam tudo o que é comum e pregam a paz e o amor; Votei por aqueles jogam lixo no chão o ano inteiro e detonam os políticos pelas sujeiras das cidades.
Votei pelos homens de farda e armas na cintura que deveriam me proteger sempre e que sempre me dão medo; Votei pelos amores que não me foram correspondidos, e pelos amores que não correspondi.
Votei pelo instruído que fez pós-doutorado em Harvard e que mora na Europa e agora fala do Brasil como uma selva, votei pelos analfabetos que não conhecem letras mas que oram os povos e os sentimentos melhor que muitos.
Votei pelo roqueiro de cabelo preto grande que me olhou com raiva na Praia Grande e disse que não gostava de pretos; Votei pelo outro roqueiro, um que se encantou por mim mesmo eu nunca tendo sido merecedora do seu encanto.
Votei pelo homem com câncer no seu leito de morte no hospital mais renomado e caro da cidade; Votei pelo homem baleado que está há horas esperando um leito e atendimento no hospital público.
Votei com a pele e com a retina, com o suor e com o delírio, com a fé e com o sangue. Votei com as lágrimas contidas por anos de caos e desigualdade. Votei acreditando em sorrisos e costurando as feridas de um povo que se recusa a desaprender a sonhar. Votei por me recusar a deixar de sonhar... Tiara Sousa