domingo, 5 de outubro de 2014

VOTEI POR ME RECUSAR A DEIXAR DE SONHAR...

Votei pelo Mago do arame, um cara que conheci por acaso em uma lanchonete, ele vendia sua arte e acabou confidenciando que estava no Narcóticos Anônimos (NA), e que vinha conseguindo vencer uma luta injusta contra as drogas. Outro dia o vi recaído, é como chamam os membros do NA que voltam para o vicio, eu mal o conheço, mas me doeu.
Votei pelos meninos das favelas do Rio de Janeiro, pelos meninos de todas as favelas, que são vítimas do tráfico e da realidade da fome, que conhecem a miséria com intimidade e são revistados só por serem pretos, só por serem pobres, só por morarem ali.
Votei pelos poetas que se embriagam todos os dias, porque a poesia diante de tudo só sobrevive na fantasia, e porque a realidade massacra e desconforto é coisa de quem sente demais.
Votei pelas mulheres que lavam, passam e cozinham, que cuidam das suas crianças, que trabalham, que vivem pros seus maridos; Pelas mulheres que se apaixonam por idiotas, que nunca se encaixam nesse padrão de beleza injusto ditado pela mídia.
Votei pelos muito altos, pelos muito baixos, pelos muito gordos, pelos muito magros, pelos índios e negros e brancos e orientais, pelos gays e heteros e sonhadores e realistas, pelos deficientes, votei pelos otimistas e pelos pessimistas, e pelos que mesmo julgados conseguem sorrir.
Votei pelo órfão, pelo playboy babaca, pelo egoísta, pelo mentiroso, pelo sábio, pelo culto, pelo morto de fome, pelos mortos de guerra, por quem não faz ideia do que é a fome e a guerra.
Votei pelas vítimas desse tempo, pelos interesseiros, pelos hipócritas, pelos infames, pelos bonzinhos, pelos maldosos, por todos aqueles que não cabem em si de tanta dor.
Votei pelas paisagens mortas, pelas vivas, pelos indignos, pelos dignos, votei pelos famosos e pelos anônimos e pela menina que puxou o meu cabelo quando eu tinha dez anos.
Votei pelo sacana do meu ex professor que se utilizava do poder de ensinar e era pernóstico e autoritário, votei pela minha ex professora que faltou uma semana de aula por causa do fim do casamento dela, ela sabe a dor que sentiu enquanto eu só tento imaginar.
Votei pela cultura de massa, e pela cultura de poucos, pelos compositores de merda e pelos geniais compositores. Votei por quem me ama e por quem me suporta, e por aquela vaca que me tratava bem enquanto dormia com o meu ex namorado enquanto ele ainda era meu namorado.
Votei pelas quebradeiras de coco e pelos ambientalistas, pelos supostos alternativos que criticam tudo o que é comum e pregam a paz e o amor; Votei por aqueles jogam lixo no chão o ano inteiro e detonam os políticos pelas sujeiras das cidades.
Votei pelos homens de farda e armas na cintura que deveriam me proteger sempre e que sempre me dão medo; Votei pelos amores que não me foram correspondidos, e pelos amores que não correspondi.
Votei pelo instruído que fez pós-doutorado em Harvard e que mora na Europa e agora fala do Brasil como uma selva, votei pelos analfabetos que não conhecem letras mas que oram os povos e os sentimentos melhor que muitos.
Votei pelo roqueiro de cabelo preto grande que me olhou com raiva na Praia Grande e disse que não gostava de pretos; Votei pelo outro roqueiro, um que se encantou por mim mesmo eu nunca tendo sido merecedora do seu encanto.
Votei pelo homem com câncer no seu leito de morte no hospital mais renomado e caro da cidade; Votei pelo homem baleado que está há horas esperando um leito e atendimento no hospital público.
Votei com a pele e com a retina, com o suor e com o delírio, com a fé e com o sangue. Votei com as lágrimas contidas por anos de caos e desigualdade. Votei acreditando em sorrisos e costurando as feridas de um povo que se recusa a desaprender a sonhar. Votei por me recusar a deixar de sonhar... Tiara Sousa

Um comentário:

Uma nota disse...

É..votamos!!
Texto duro e poético. vc sempre me surpreende!!Parabéns nega!! xeruuu!!