Votei
pelo Mago do arame, um cara que conheci por acaso em uma lanchonete, ele vendia
sua arte e acabou confidenciando que estava no Narcóticos Anônimos (NA), e que
vinha conseguindo vencer uma luta injusta contra as drogas. Outro dia o vi
recaído, é como chamam os membros do NA que voltam para o vicio, eu mal o
conheço, mas me doeu.
Votei
pelos meninos das favelas do Rio de Janeiro, pelos meninos de todas as favelas,
que são vítimas do tráfico e da realidade da fome, que conhecem a miséria com
intimidade e são revistados só por serem pretos, só por serem pobres, só por
morarem ali.
Votei
pelos poetas que se embriagam todos os dias, porque a poesia diante de tudo só
sobrevive na fantasia, e porque a realidade massacra e desconforto é coisa de
quem sente demais.
Votei
pelas mulheres que lavam, passam e cozinham, que cuidam das suas crianças, que
trabalham, que vivem pros seus maridos; Pelas mulheres que se apaixonam por
idiotas, que nunca se encaixam nesse padrão de beleza injusto ditado pela
mídia.
Votei
pelos muito altos, pelos muito baixos, pelos muito gordos, pelos muito magros,
pelos índios e negros e brancos e orientais, pelos gays e heteros e sonhadores
e realistas, pelos deficientes, votei pelos otimistas e pelos pessimistas, e
pelos que mesmo julgados conseguem sorrir.
Votei
pelo órfão, pelo playboy babaca, pelo egoísta, pelo mentiroso, pelo sábio, pelo
culto, pelo morto de fome, pelos mortos de guerra, por quem não faz ideia do
que é a fome e a guerra.
Votei
pelas vítimas desse tempo, pelos interesseiros, pelos hipócritas, pelos
infames, pelos bonzinhos, pelos maldosos, por todos aqueles que não cabem em si
de tanta dor.
Votei
pelas paisagens mortas, pelas vivas, pelos indignos, pelos dignos, votei pelos
famosos e pelos anônimos e pela menina que puxou o meu cabelo quando eu tinha
dez anos.
Votei
pelo sacana do meu ex professor que se utilizava do poder de ensinar e era pernóstico
e autoritário, votei pela minha ex professora que faltou uma semana de aula por
causa do fim do casamento dela, ela sabe a dor que sentiu enquanto eu só tento
imaginar.
Votei
pela cultura de massa, e pela cultura de poucos, pelos compositores de merda e
pelos geniais compositores. Votei por quem me ama e por quem me suporta, e por
aquela vaca que me tratava bem enquanto dormia com o meu ex namorado enquanto
ele ainda era meu namorado.
Votei
pelas quebradeiras de coco e pelos ambientalistas, pelos supostos alternativos
que criticam tudo o que é comum e pregam a paz e o amor; Votei por aqueles
jogam lixo no chão o ano inteiro e detonam os políticos pelas sujeiras das
cidades.
Votei
pelos homens de farda e armas na cintura que deveriam me proteger sempre e que
sempre me dão medo; Votei pelos amores que não me foram correspondidos, e
pelos amores que não correspondi.
Votei
pelo instruído que fez pós-doutorado em Harvard e que mora na Europa e agora
fala do Brasil como uma selva, votei pelos analfabetos que não conhecem letras
mas que oram os povos e os sentimentos melhor que muitos.
Votei
pelo roqueiro de cabelo preto grande que me olhou com raiva na Praia Grande e disse
que não gostava de pretos; Votei pelo outro roqueiro, um que se encantou por
mim mesmo eu nunca tendo sido merecedora do seu encanto.
Votei
pelo homem com câncer no seu leito de morte no hospital mais renomado e caro da
cidade; Votei pelo homem baleado que está há horas esperando um leito e
atendimento no hospital público.
Votei com a pele e
com a retina, com o suor e com o delírio, com a fé e com o sangue. Votei com as
lágrimas contidas por anos de caos e desigualdade. Votei acreditando em
sorrisos e costurando as feridas de um povo que se recusa a desaprender a
sonhar. Votei por me recusar a deixar de sonhar... Tiara Sousa
Um comentário:
É..votamos!!
Texto duro e poético. vc sempre me surpreende!!Parabéns nega!! xeruuu!!
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