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O sexo era incrível, ele
não. Ele tava tão perdido que haviam momentos em que toda verdade era meio
verdade e meio cínica, e então só sobravam mentiras pra ornamentar os espaços que
ele não preenchia. E eu me apaixonei pelos problemas dele, pela dor dele, pela
incapacidade dele de sair do fundo do poço em que se enfiou. É que sempre achei
tão bonito pensar que alguém é mais do que a realidade em que vive, do que as
limitações que tem, do que a tristeza que esconde ou tenta esconder, do que as
perdas que coleciona. Mas a gente é sempre uma junção de tudo isso, e eu não me
sentia especial por estar com ele, eu me sentia especial por me familiarizar
com o que ele passava, por já ter passado parecido, e por ter sobrevivido, e
isso me fez pensar que estar com ele era certo.
Das 3.672 horas que passei
com ele, nenhuma me ensinou a me sentir acompanhada. Ele batia em minha porta,
e eu o deixava entrar, na minha casa, no meu quarto, no meu corpo, na minha
carteira de cigarros. Eu esperava por aquilo, eu meio que desejava aquilo, eu
meio que detestava aquilo. Vez ou outra ele falava de namoro, eu sempre fugia
do assunto, eu sempre dizia que não, que ainda não, e não era que eu estivesse
certa do que falava, é só que eu mal me aguento, e que às vezes é mais fácil eu
ser exclusividade minha, e eu desejo tanto medir as palavras e pensar antes de
falar, que isso me esmaga, é como colar uma concha na orelha e não conseguir ouvir
o barulho do mar.
Ele aparecia e eu pensava...
Isso pode dar certo, eu posso sair por aí
catando os pedaços dele até ele ficar inteiro. Ele sumia e eu pensava... Isso não pode dar certo, eu não posso sair
por aí catando os pedaços dele até eu ficar em pedaços. Ele falava do
passado e eu morria um pouco, porque a presença do passado ocupava todos os
espaços e eu ficava oprimida entre a minha lingerie cor de rosa e a
incapacidade dele de ver além das rendas que a enfeitavam. E me chamem de louca,
mas eu sempre trajei longos e abdiquei de decotes pra ser vista, eu sempre
achei que nenhuma das minhas curvas eram páreas para o meu cérebro, mas o
problema de se pensar assim é que pensar assim faz do mundo um auto retrato do
que você apenas suporta, e eu nem me dava conta de que apenas suportava aquela
situação.
É que ele tava perdido em teorias que pra mim não
significavam nada, é que eu tava contemplando letras de canções que pra ele não
diziam nada, é que ele exaltava lembranças que não cabiam em nenhum dos meus
sapatos, nem mesmo na sola dos mais desgastados, é que eu calculava horas que
ele não exitava em jogar fora. E eu sou sonhadora demais pra aceitar pedidos de namoro
que não façam os músculos do meu braço esquerdo tremerem, sou sonhadora demais
pra não ser a protagonista da vida do cara que tiver comigo, e não consigo ser
mais ou menos gostada e nem gostar mais ou menos, é que entre o meu estômago e
o meu baço tem mais de uma década de experiências constrangedoras publicadas e
expostas pra quem quiser ler.
E
eu... Que sempre me senti estranha por gostar de músicas que quase ninguém da
minha geração gosta, por detestar cós muito baixo e querer que cada uma dessas novas
feministas que saem por aí sem blusa e apenas de sutiã vermelho paguem as
minhas entradas nas festas em que antes mulher não pagava e que agora “graças”
a elas, pagam. E eu... Que sempre me senti extremamente antipática por achar
que é foda (no bom sentido) ser
politicamente correto ou a favor do meio ambiente ou defensor dos direitos dos
animais ou a favor da preservação do boto rosa ou do tipo que economiza água em
prol do futuro da humanidade, ou daqueles que detonam glúten, frituras e
gordura trans, mas que ser todas essas coisas juntas é ser chato pra caralho e soa
um tanto hipócrita. E eu... Que sempre me achei absurdamente difícil por pensar
que se for pra fingir orgasmo é melhor nem abrir as pernas, que se for pra
aguentar descaso é melhor nem se apegar, que se for pra sofrer por uma paixão
que seja pra doer da alma até a vagina.
E
eu... Que sempre me senti assim sobre tantas coisas, deitei no chão da sala
após o último telefonema dele, após a maneira rude com que ele falou comigo, e tomando
consciência do modo displicente como ele vinha me tratando, ali, deitada naquele
chão gelado, apenas com a visão inalterada do teto, eu percebi que eram essas tantas
coisas sobre mim que davam sentido ao fato de que ele não deve, mas até pode
agir desse modo com algumas mulheres por aí, mas comigo não, porque eu posso me
sentir e ser estranha e extremamente antipática e absurdamente difícil, mas eu
sou incrível, ele não. Tiara Sousa
Um comentário:
Caral%#*....Tu é foda mesmo...é isso mesmo...Vc é uma mulher incrível...e eu sou sua amiga....resumindo....me sinto incrível tmbm...hehehe....show.
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