Sentir falta não é
saudade, sentir falta está em qualquer idioma, fica em qualquer coração, mora
em qualquer buraco, come qualquer resto. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é
lembrar da alegria imensa que sentíamos ao ganhar um idealizado brinquedo
quando crianças e constatar que nunca mais ficaremos alegres daquele jeito pelo
ganho de uma coisa tão simples, e que talvez nunca mais fiquemos alegres
daquele jeito. Sentir falta é passar por uma rua e lembrar como ela era há anos
atrás e saber que aquela rua, aquelas pessoas e até nós mesmos não seremos mais
como éramos. Sentir falta é duas doses de whisky e nenhuma pedra de gelo, é
inapropriado, é cotidiano, é intimo, é familiar, e quanto mais sentimos, mais
fica inapropriado, mais fica cotidiano, mais fica intimo, mais fica familiar. Mas
saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é uma
verdade enfeitada com miçangas e paetês pra não assustar tanto, é uma ressaca
moral, é um desgosto costumeiro, sentir falta é a prostituta na esquina
aguardando mais uma dor de no máximo uma hora, é imoral. Sentir falta é a mesa
posta, a comida pronta e a pessoa não chegar, é o sorriso fingido escondendo
uma nova tristeza pra não incomodar ninguém, sentir falta é desejar Feliz dia
dos pais pelo telefone, é gelado. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é
mandar pra “aquele lugar” alguém que você quer em seus braços, é corajoso.
Sentir falta é bater papo na internet num sábado á noite, é caminhar de cabeça
baixa pra que ninguém olhe nos seus olhos, é solitário. Sentir falta é sair por
aí tarde da noite se expondo aos mais diversos perigos pra comprar uma carteira
de cigarros, é ansioso e impensado. Sentir falta é olhar uma foto antiga e ter
a ilusão de que se era mais feliz, é sempre ter a ilusão de que se era mais
feliz, é fantasioso. Mas saudade, saudade é outra coisa.
Sentir falta é
assistir o mesmo filme várias vezes, é ouvir a mesma música várias vezes, é ler
o mesmo poema várias vezes, é amar a mesma pessoa várias vezes, é varias vezes inevitável.
Sentir falta é um monologo, é um quadro isolado pendurado na parede de uma sala
de estar, é uma garagem escura, é uma crônica traduzindo o que sentimos, é
invasivo. Sentir falta é a infância da saudade, é a paródia da saudade, é o
projeto da saudade, é a saudade pedindo esmola. Mas saudade, saudade é outra
coisa.
Saudade é a agonia de Chico Buarque na
canção Pedaço de mim: “A saudade é o pior
tormento, é pior do que o esquecimento,
é pior do que se entrevar”; Saudade é a dor
imensa de Chico Buarque na canção Pedaço de mim: “A saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”; Saudade é a loucura de Chico Buarque
na canção Pedaço de mim: “A saudade dói latejada,
é assim como uma fisgada no membro que já perdi”. A saudade é um pedaço inteiro
de alguém, é alguém inteiramente despedaçado, é você ir a todos os lugares que
costuma frequentar e não se encontrar em nenhum deles. Tiara Sousa
3 comentários:
Eis aí a nova campeã de postagens do Alternativo. Valeu a todos os leitores, valeu a todos os amigos e desconhecidos por compartilharem e curtirem os textos deste blog. "Valeu a pena, sou um pescador de ilusões"
Poxa Tiara assim não vale, desse jeito seria até covardia do texto não ser campeão né, ele simplesmente deixa a pessoa com saudade de toda a sua vida, como sempre tu arrasou <3!!!
Valeu Isolda!
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