domingo, 16 de setembro de 2012

Sobriedade


Um dia você senta ao redor de uma mesa de bar e esquece que é tímido, que é introvertido, que é introspectivo, que sobretudo é sensível e frágil, porque naquela mesa tem um copo cheio de ilusão e essa ilusão parece ser aquela pela qual você esperou a vida toda, a ilusão de ser igual a todo mundo, de sorrir igual a todo mundo, de viver intensamente como todo mundo, a ilusão que te encaixa, que te da voz, que te faz não ter vergonha de ser observado. E mesmo sabendo que além daquela ilusão há uma realidade que torna-se mais inalcançável a cada dia, pois as coisas acontecem e você nunca está lá é tão difícil abandonar aquele copo, por que com aquele copo você não sente a dor de antes, com aquele copo a timidez vai embora, com aquele copo você fala, gesticula, canta, dança e paquera com uma facilidade “natural”, com aquele copo você é alegre como uma criança que tem seu capricho atendido.  Mas se um dia você corajosamente abandona aquele copo, então passa a ver as coisas do alto, e vê-las assim tão do alto é seguro, porém desconfortável, é singelo, porém estranho, é tão desconfortável, é tão estranho, é mais solitário que ter 80 anos e sentir uma profunda saudade da juventude, é muitas vezes ainda ter a juventude e ter saudade dela, é silencioso.
A sobriedade não é sentir falta do que tinha naquele copo, o nome disso é abstinência e abstinência devasta, mas passa logo, a sobriedade é não sentir-se parte de nenhuma turma, é estar num bar, boate ou festa e não conseguir aceitar os convites pra dançar, é não se entregar completamente a novos relacionamentos, é fugir de tudo que tira o ar, é fugir de tudo que emociona, é fugir de absolutamente tudo de humanamente sensível que habita em você, é atravessar a rua apressado quando se depara com uma possível paixão por temor dessa paixão te causar mágoas profundas e te levar de volta pra aquela mesa, pra aquele copo; A sobriedade é por derradeiros instantes sentir falta de como você era quando aquele copo era o seu copo, a sobriedade é não querer  sentir falta de como você era quando aquele copo era o seu copo.
A sobriedade é como escolher nunca mais correr por medo da queda, é como escolher nunca mais se apaixonar por medo da dor, é como escolher nunca mais tomar banho de chuva por medo do resfriado, é ter a ilimitada e continua coragem de se curvar ao medo e aceitá-lo como algo bom, difícil, mas bom; É insuportavelmente real, é saber que nunca mais você vai vislumbrar a ilusão com tanta liberdade e desprendimento, é uma atitude corajosa, talvez a mais corajosa atitude que um sensível pode ter, a atitude de viver 24 horas do seu dia, 7 dias da sua semana, todos os dias do seu mês, 12 meses do seu ano e os anos restantes da sua vida na realidade, e relevem o linguajar, mas tantas vezes a realidade é uma filha da puta, e dói pra caralho e abandonar a ebriedade é sentir essa dor sem morfina, é consciente, é heroico, é produtivo, é FODA em muitos altos níveis.
E haverá dias em que você vai aceitar uma dança, talvez duas. E haverá dias em que você vai paquerar e talvez até se entregar a um romance. E haverá dias em que você estará num bar sentado á mesa e até conseguirá bater um papo descontraído, fazer novos amigos. Não serão todos os dias, nem será fácil. Na verdade ainda serão raros dias assim. Mas não haverá um dia sequer que você esquecerá que agora o que há em seu copo é água, mas não haverá um dia sequer em que você não se sentirá como uma criança aprendendo a caminhar, a socializar, a falar, a viver, não haverá um dia sequer em que você não se sentirá como um adolescente tentando se encaixar e não conseguindo, não haverá um dia sequer em que você não se sentirá um idoso olhando tudo do alto, enxergando a ilusão em que você um dia habitou, não haverá um dia sequer em que você não seja tentado a desistir e principalmente, não haverá um dia sequer em que não aconteçam conquistas que o façam crer que vale a pena e o faça dormir sentindo-se um vencedor, um herói da sua própria história, alguém de quem você se orgulha muito. Orgulhosamente Tiara Sousa

Um comentário:

Roberta Costa - robertacosta747@yahoo.com.br disse...

Muito bom. Já virei fã desse blog.