domingo, 14 de outubro de 2012

Conto do Adeus


São Luís fez 400 anos e eu ainda nem arrumei a casa, sequer consegui terminar de tirar as roupas dele do armário, nem me livrei daquelas fotos da nossa última viagem e da penúltima e da antepenúltima. Dizer adeus é difícil, é como deixar de usar as suas roupas favoritas, é como se despir na frente de estranhos, é como procurar desculpas pra ser como você é. Dizer adeus é não ter mais alguém pra sempre, e pra sempre é tempo demais.
Ele já foi embora há umas duas semanas, saiu de casa com o mesmo olhar que entrou, com o mesmo sorriso, com a mesma voz, com aquele jeito petulante e charmoso e perdido, só eu continuei amando, amando aquele olhar, aquele sorriso, aquela voz, aquele jeito, só eu mudei, ele não, ele continuou o mesmo cara por quem eu me apaixonei há três anos, e eu sou o resto de alguma coisa que já fui, que me tornei, que se perdeu, que se foi com ele.
O mais triste não é ele ter ido embora, nem mesmo eu ter que tirar as roupas dele do armário, o mais triste é a cidade está fazendo aniversário e eu sepultando meu coração, o mais triste é ele comemorando o aniversário da cidade e eu lavando a roupa suja de três anos de relacionamento sozinha, o mais triste é toda a população ludovicence comemorando e eu morrendo de amor, de saudade, de solidão.
E o pior foi ter encontrado no meio do armário, das camisas estampadas dele, que eu odiava e ele sempre teimava em usar, aquela dor da semana retrasada, a dor de vê-lo indo embora e saber só de olhar como ele caminhava até a porta, que nunca mais eu iria poder odiar sair com ele usando uma daquelas camisas, e a dor de saber que nunca mais vai se fazer algo com quem se ama é uma dor imoral.
Ontem ele ligou e disse um monte de coisas, que saiu, que brindou, que passeou, e disse pra eu fazer o mesmo, continuar, mas eu não sei como continuar sem ele, ainda não, agora não, agora eu sei chorar o dia inteiro, fazer de conta que ele vai voltar, que ele esta chorando como eu, que não acabou, que é só um tempo pra nós sentirmos falta um do outro, e eu vou fazer de conta até quando der, pra eu conseguir comer, tomar banho e trabalhar, aí talvez um dia passe e eu possa continuar, ou sei lá, começar tudo novamente com outro cara que infelizmente nunca vai ser ele, com mais força, com mais amor próprio, melhor e pior.
Eu fico pensando como vai ser quando ele vier buscar as coisas dele, fico pensando quando foi que ele deixou de me amar, eu lembro que até bem pouco tempo  ele velava o meu sono e enlouquecia de ciúmes das minhas roupas, dos meus amigos, até da minha sombra. Eu ainda não entendi o que aconteceu pra ele acordar um triste dia e dizer que acabou, que não sentia mais a mesma coisa, que ia embora, que ainda queria a minha amizade e que depois voltava pra pegar o restante das suas coisas, como eu queria ser parte do restante das coisas dele, só pra ele me levar junto, eu iria pra qualquer lugar. Eu até pensei que poderia ter sido outra mulher, mas todas as minhas amigas disseram que viram ele sozinho nos últimos dias, e faz sentido por que ele não é o tipo de cara que deixa um amor como o meu por qualquer aventura, e eu amei cada parte dele, cada comentário, cada coisa irritante, eu amei tudo, ainda amo, amo até o cheiro que ele deixou na casa e não faço ideia de como desamar.
Eu já aprendi algumas coisas na vida, já sofri algumas vezes por quem nada mereceu, mas o que mais me dilacera e me corrompe agora é saber que mesmo agindo como ele agiu no final, ele merece o meu sofrimento, cada lágrima que derramo, porque independente de como acabou, ele me deu os melhores anos da minha vida, e nem a falta de sentido, o desamor, ou a forma como ele terminou são capazes de mudar o que vivemos, e embora eu esteja cheia de dúvidas uma certeza eu tenho, durante aqueles anos eu fui amada por um homem que muito provavelmente eu vou amar pelo resto da vida, vou amar até quando não tiver mais nada dele nessa casa e até quando não tiver mais a casa, vou amar até quando o cheiro dele não tiver mais por aqui, até quando eu não tiver mais por aqui, vou amar até quando não tiver mais uma foto de nós dois juntos, até quando tiver outro homem na minha cama, vou amar até quando pensar que não amo mais. E vou lembrar pra sempre que enquanto a cidade fazia 400 anos a saudade que eu sentia era tão grande que parecia que faziam 400 anos que ele havia me deixado, despedaçando o meu coração e arrancando da minha face meu sorriso com a mesma propriedade que um dia ele colocou lá. Tiara Sousa

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