Por Laila Lopes
Sempre que pensava
naquelas coisas, lavava as mãos repetidas vezes. Como quem procura punição, esfregava
uma na outra até que não conseguia mais distinguir sangue e água, escorrendo
pelo ralo da pia. Pensava em quantos meninos iguais a ele teriam tentado
enterrar dentro de si aquela maldição. E quanto mais limpava, mais tinha
certeza de estar sujo com uma sujeira sem volta, algo que gruda, emporcalha e
torna-se a segunda pele de alguém. Lembrou-se de como aquilo tudo havia
começado: nunca quis a bola, o carrinho, ou seus dedos por entre o sexo menino
daquelas meninas. Então se escondeu na barra da saia da mãe, por entre as
tarefas do lar, por trás das roupas a passar, da comida por fazer, da preguiça
dos irmãos em ajudar. E fazia tudo com o maior zelo, para ter sua feminilidade
justificada, para que não precisasse mais acompanhar os irmãos naquelas
brincadeiras de meninos, para que sua vida passasse despercebida. E passou,
passou sem que ao menos perguntassem quem ele era ou mesmo o que queria. Até
aquele dia. Naquele dia a mãe recebeu a visita de um parente distante, um primo
de algum grau que não se calcula. Um homem bonito, bonito como nunca tinha
visto. O primo se hospedou ali por alguns meses, tempo suficiente pra redespertar
no menino vontades que a vida ensinou-lhe a esconder, a enterrar em algum lugar
no seu desejo. Até que não pôde mais lutar, até que ficaram finalmente sozinhos.
Embarcou com o hóspede num passeio que nem sequer tirou-o de casa, mas que foi
capaz de mostrar-lhe o mundo que evitou por anos, conhecer. Não se sentia mais
sujo, não queria mais lavar as mãos até ferir-se, talvez porque já não queria
mais livrar-se de si mesmo. Talvez porque não visse mais naquilo que era a
realização de seus pensamentos mais imundos, uma maldição. Naquele momento
percebeu que nada poderia fazer para fugir de quem era, percebeu mesmo que
gostava de ser assim. Precisava desesperadamente, ser feliz. Pegou algumas
roupas poucas, um tanto mais de coragem e partiu. Algumas semanas depois,
quando as pilhas de louças, roupas e sujeira se acumularam, foi que deram por
sua falta: __ Uma empregada, precisamos urgentemente contratar uma empregada.
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