domingo, 16 de junho de 2013

O Hóspede

Por Laila Lopes

Sempre que pensava naquelas coisas, lavava as mãos repetidas vezes. Como quem procura punição, esfregava uma na outra até que não conseguia mais distinguir sangue e água, escorrendo pelo ralo da pia. Pensava em quantos meninos iguais a ele teriam tentado enterrar dentro de si aquela maldição. E quanto mais limpava, mais tinha certeza de estar sujo com uma sujeira sem volta, algo que gruda, emporcalha e torna-se a segunda pele de alguém. Lembrou-se de como aquilo tudo havia começado: nunca quis a bola, o carrinho, ou seus dedos por entre o sexo menino daquelas meninas. Então se escondeu na barra da saia da mãe, por entre as tarefas do lar, por trás das roupas a passar, da comida por fazer, da preguiça dos irmãos em ajudar. E fazia tudo com o maior zelo, para ter sua feminilidade justificada, para que não precisasse mais acompanhar os irmãos naquelas brincadeiras de meninos, para que sua vida passasse despercebida. E passou, passou sem que ao menos perguntassem quem ele era ou mesmo o que queria. Até aquele dia. Naquele dia a mãe recebeu a visita de um parente distante, um primo de algum grau que não se calcula. Um homem bonito, bonito como nunca tinha visto. O primo se hospedou ali por alguns meses, tempo suficiente pra redespertar no menino vontades que a vida ensinou-lhe a esconder, a enterrar em algum lugar no seu desejo. Até que não pôde mais lutar, até que ficaram finalmente sozinhos. Embarcou com o hóspede num passeio que nem sequer tirou-o de casa, mas que foi capaz de mostrar-lhe o mundo que evitou por anos, conhecer. Não se sentia mais sujo, não queria mais lavar as mãos até ferir-se, talvez porque já não queria mais livrar-se de si mesmo. Talvez porque não visse mais naquilo que era a realização de seus pensamentos mais imundos, uma maldição. Naquele momento percebeu que nada poderia fazer para fugir de quem era, percebeu mesmo que gostava de ser assim. Precisava desesperadamente, ser feliz. Pegou algumas roupas poucas, um tanto mais de coragem e partiu. Algumas semanas depois, quando as pilhas de louças, roupas e sujeira se acumularam, foi que deram por sua falta: __ Uma empregada, precisamos urgentemente contratar uma empregada.


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