Eu
tenho oito anos, não tenho pai, não tenho paz, minha mãe é um vazio no meio do
meu estomago, meu coração só se emociona com comida, e se emociona tão pouco,
eu não acredito no Papai Noel, nunca comi um ovo de Páscoa, nunca ganhei um
abraço, nem um que não durasse, nem mesmo um desse, eu não tenho os olhos
verdes, nem castanhos, nem pretos, nem azuis, tenho os olhos tristes, eu nem
sei mais a cor da minha pele, o excesso de Sol a confunde, o excesso de frio a
confundi, eu não tenho nada, nem esperança, nem voz, nem um sorriso bonito, nem
feio, nem lágrima, eu tenho uma mãe viciada que nem lembra que eu existo,
porque a parte de mim que tinha nela estava num neurônio que ela não tem mais,
que ela queimou com um cachimbo, eu tenho um pai que rouba, rouba celular,
computador, tênis, rouba até infância, ele roubou a minha antes mesmo de saber
que eu existia, alguém roubou a dele. Eu não vou à escola, não vou brincar no
parque, não vou fazer compras e nunca conhecerei uma sala de cinema, eu não vou
viajar, não vou me apaixonar, nem vou a Universidade, nem nada, porque eu tenho
fome e a fome não me deixa pensar, a fome não me deixa brincar, a fome não me
deixa crescer, a fome não me deixa, a fome não me deixa, a fome não me deixa...
Eu
tenho oito anos, eu acho que sonho, ontem eu vi uma casa tão bonita, e pensei
que um dia ela podia ser minha, me imaginei sentado na mesa com a minha família,
me imaginei brincando naquele quintal grande cheio de flor, me imaginei andando
num daqueles carrinhos que cabe a gente dentro, eu dancei com o vento, eu estava
no colo dizendo mamãe eu te amo, e ela dizia, eu também te amo meu bem, e então
o papai chegava e eu corria pra abraçar ele, que sussurrava a palavra saudade,
aí eu abri os olhos e chorei, eu nunca mais tinha chorado, mas também eu nunca
mais tinha sonhado. Eu sou tão pequeno, eu sei falar palavrão, mas eu nem sei o
que quer dizer, e quando eu sei é pior, porque eu ainda nem devia saber, eu só
queria uma cama quentinha, uma comida simples, água gelada, uma sobra de
carinho que fosse pra mim, que fosse pra mim.
___
Ei moço! Me dá um pedaço de pão, me dá um abraço, me dá uma cama, me enxerga.
Moço, moço, não vai não, não me deixa sozinho, não me deixa, hoje é dia 12 de
outubro e até agora ninguém falou pra mim Feliz dia das crianças, ninguém me
deu bom dia, as pessoas me empurraram na rua porque estavam com pressa de ir às
lojas e comprar presentes pra suas crianças, e eu moço, eu não sou a criança de
ninguém... Eu tenho oito anos, não tenho pai, não tenho paz, minha mãe é um
vazio no meio do meu estomago, meu coração só se emociona com comida, e se
emociona tão pouco, eu não acredito no Papai Noel, nunca comi um ovo de páscoa,
nunca ganhei um abraço... Moço, eu só tenho oito anos, eu quero a minha mãe. Moço,
moço, moço... Tiara Sousa
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