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Eu nunca fui a princesa. - Nunca trajei os vestidos glamorosos e cheios de
brilho. - Meu príncipe nunca chegou. - O final feliz nunca foi pra mim. - Nenhuma
fada visitou o meu conto, porque ninguém o contou.
Entre
tantos entretantos, cresci, sem participar dos contos de fadas da minha
infância, sem me enxergar nas mocinhas das novelas, sem arrasar os corações nos
bailes dos filmes que me faziam delirar. Cresci, no equivoco de não povoar a
imaginação de ninguém, nem a minha. Eu só me enxergava nas mulheres seminuas nos
desfiles das escolas de samba, nas jogadoras de futebol e de basquete e em
manifestações artísticas, populares e culturais, que mesmo com extrema
importância e beleza, não deveriam ser as minhas únicas melhores opções, mas o
mundo afirmava que eram, porque o mundo também cresceu e crescia sem me ver nas
histórias das suas infâncias, e nem da minha.
Entre
tantos entretantos, cresci, sem nunca protagonizar as histórias dos autores renomados,
ou sendo no mínimo a que enxugava o chão da sala e esquentava a barriga no
fogão e no máximo tratada como categoria alegórica e superficial, ou na melhor
das hipóteses sendo um artigo de resgate cultural ou um signo de esclarecimento
histórico-social. Eu estava por todos os lados, nas ruas, nas praças, nas
praias, nas escolas, nos lazeres, nos empregos, portanto não haviam possibilidades
reais de eu não povoar todos os lados da imaginação dos autores, eu apenas
permanecia arraigada a um universo subterrâneo
de exclusão, e nunca coloria as ilustrações e as imagens, e nunca
preenchia as linhas e as falas, mas existia, inspirava, acomodava e incomodava
tanto quanto as outras, as que se tornavam publicações e exibições e que invadiam
as fantasias do mundo.
Embasada
pelo que li, vi e vivi, mas sobretudo pelo que não pude ler, nem ver, nem
viver, desmascarei os interesses e a estupidez de manter as sociedades na
ignorância, e compreendi que as histórias que tanto contavam, e que não me
incluíam, alienavam mais do que instruíam, furtavam mais do que entrertiam,
figuravam mais do que protagonizavam, eram ilusões comedidas e medidas, e que
no fundo, eu, que tanto as quis, nunca as realmente precisei.
Nos
contos que não pude ler, nas coisas que não pude assistir, aqueles em que
todos, de todos os modos, e preferências, e gêneros, e condições, e classes, e
cores, e faces, e corpos, e lugares, e alma, e sedes, e fomes, e etnias povoam,
percebi que era meu direito ser tudo o que desejasse, fazer parte de todas as
histórias, então, não desfilei seminua em escolas de samba, nem joguei futebol
ou basquete, nada escrachadamente contra, apenas nunca foi o que eu queria, e
eu não o faria apenas pra ser maquiagem pra estatística sugestiva que impulsiona
um povo aos pedaços pra uma ignorância inteira, elevada a desumanidades,
intolerâncias, preconceitos e interesses, e que afirmavam que essas eram as
minhas únicas melhores opções.
E
evidenciando todo o meu respeito e apreço a todas as etnias, pois embora
orgulhosamente e predominantemente Negra, sou antes de tudo, miscigenada, parte
de um povo, de uma cultura e de uma família miscigenados, é que hoje mando, por
tudo que me foi aos tantos furtado e aos poucos revelado, a Cinderela para o
Espaço, a Rapunzel á merda, a Bela Adormecida pra puta que pariu, a Pequena
Sereia ir tomar naquele lugar e a Branca de Neve ir se foder, porque entre inúmeros,
difíceis, pesados, dolorosos, injustos, tantos entretantos, eu sempre fui a
princesa, o final feliz sempre foi pra mim, eu sempre trajei os vestidos glamorosos
e cheios de brilho, o meu príncipe chega, e todas as fadas me visitam, e eu só
levei um tempo pra descobrir isso, porque ninguém, absolutamente ninguém contou.
Tiara Sousa
7 comentários:
Você sabe que eu nem gosto de usar certas expressões, mas nega TU É FODA!!...que texto foi esse?!
De fato, que se dane os rótulos, as medidas, as manias de impor o que 'querem' que seja o perfeito. Somos reis e rainhas,de princesas já chega, essa nomenclatura é pouco para quem luta, quem ama, quem sonha, quem sofre, quem faz acontecer. Somos o mundo circulando em nossos vasos sanguíneos, somos todos coloridos.!! abraços....Evoé NEGRA!!
"A Bela Adormecida pra puta que pariu"
Kkkkkkk... parabéns, otimo texto.
Eu nunca tive essa percepção qnt aos contos de fada, mas é uma coisa a gnt (do lado de cá das histórias) sente inconscientemente. De uns tempos pra cá já fizeram uma Cinderela negra, uma outra princesa nada feminina (aquela Valente, acho que é esse o nome). Mas a reação de mtas pessoas ainda é estranheza pq a imagem de 'princesa' foi estigmatizado num padrão que ninguém consegue alcançar e vai envenenando a mente das gurias desde cedo, pq todas querem ser princesas (e alguns guris tbm, com todo respeito).
Não sei, vai ver por isso minha princesa favorita sempre foi Pocahontas (pq eu pareço com ela kkkk sqn).
Uma nota só, é isso mesmo, somos todos coloridos,minha consciência é multicores. Rsrsrs, e de fato compreendeu bem o texto, tudo o que eu quis dizer no fundo foi que a maioria das mulheres não se encaixam nesse padrão das princesas, mas que mesmo assim somos fodas.
Iasmin Carvalho, no fundo não apenas as negras, mas todas que não se encaixam nesse padrão absurdo impregnado em nós desde cedo já sentiram vontade de mandar essas princesas para esses lugares, rsrs.
Eu abordei um dos lados da realidade, a etnia Negra, mas poderia ter abordado diversas realidades, porque no fundo alcançar certos padrões é impossível e desnecessário. Você entendeu tudo garota esperta, parabéns, obrigada por comentar, volte sempre!!!
Precisamos nos valorizar e não esperar dos outros.
Concordo Erlon, a mensagem implícita nesse texto é exatamente essa. Obrigada por participar!
Fodastico!
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