sábado, 16 de novembro de 2013

NEGRA – O Conto de fadas que ninguém contou

- Eu nunca fui a princesa. - Nunca trajei os vestidos glamorosos e cheios de brilho. - Meu príncipe nunca chegou. - O final feliz nunca foi pra mim. - Nenhuma fada visitou o meu conto, porque ninguém o contou.
Entre tantos entretantos, cresci, sem participar dos contos de fadas da minha infância, sem me enxergar nas mocinhas das novelas, sem arrasar os corações nos bailes dos filmes que me faziam delirar. Cresci, no equivoco de não povoar a imaginação de ninguém, nem a minha. Eu só me enxergava nas mulheres seminuas nos desfiles das escolas de samba, nas jogadoras de futebol e de basquete e em manifestações artísticas, populares e culturais, que mesmo com extrema importância e beleza, não deveriam ser as minhas únicas melhores opções, mas o mundo afirmava que eram, porque o mundo também cresceu e crescia sem me ver nas histórias das suas infâncias, e nem da minha.
Entre tantos entretantos, cresci, sem nunca protagonizar as histórias dos autores renomados, ou sendo no mínimo a que enxugava o chão da sala e esquentava a barriga no fogão e no máximo tratada como categoria alegórica e superficial, ou na melhor das hipóteses sendo um artigo de resgate cultural ou um signo de esclarecimento histórico-social. Eu estava por todos os lados, nas ruas, nas praças, nas praias, nas escolas, nos lazeres, nos empregos, portanto não haviam possibilidades reais de eu não povoar todos os lados da imaginação dos autores, eu apenas permanecia arraigada a um universo subterrâneo  de exclusão, e nunca coloria as ilustrações e as imagens, e nunca preenchia as linhas e as falas, mas existia, inspirava, acomodava e incomodava tanto quanto as outras, as que se tornavam publicações e exibições e que invadiam as fantasias do mundo.
Embasada pelo que li, vi e vivi, mas sobretudo pelo que não pude ler, nem ver, nem viver, desmascarei os interesses e a estupidez de manter as sociedades na ignorância, e compreendi que as histórias que tanto contavam, e que não me incluíam, alienavam mais do que instruíam, furtavam mais do que entrertiam, figuravam mais do que protagonizavam, eram ilusões comedidas e medidas, e que no fundo, eu, que tanto as quis, nunca as realmente precisei.
Nos contos que não pude ler, nas coisas que não pude assistir, aqueles em que todos, de todos os modos, e preferências, e gêneros, e condições, e classes, e cores, e faces, e corpos, e lugares, e alma, e sedes, e fomes, e etnias povoam, percebi que era meu direito ser tudo o que desejasse, fazer parte de todas as histórias, então, não desfilei seminua em escolas de samba, nem joguei futebol ou basquete, nada escrachadamente contra, apenas nunca foi o que eu queria, e eu não o faria apenas pra ser maquiagem pra estatística sugestiva que impulsiona um povo aos pedaços pra uma ignorância inteira, elevada a desumanidades, intolerâncias, preconceitos e interesses, e que afirmavam que essas eram as minhas únicas melhores opções.
E evidenciando todo o meu respeito e apreço a todas as etnias, pois embora orgulhosamente e predominantemente Negra, sou antes de tudo, miscigenada, parte de um povo, de uma cultura e de uma família miscigenados, é que hoje mando, por tudo que me foi aos tantos furtado e aos poucos revelado, a Cinderela para o Espaço, a Rapunzel á merda, a Bela Adormecida pra puta que pariu, a Pequena Sereia ir tomar naquele lugar e a Branca de Neve ir se foder, porque entre inúmeros, difíceis, pesados, dolorosos, injustos, tantos entretantos, eu sempre fui a princesa, o final feliz sempre foi pra mim, eu sempre trajei os vestidos glamorosos e cheios de brilho, o meu príncipe chega, e todas as fadas me visitam, e eu só levei um tempo pra descobrir isso, porque ninguém, absolutamente ninguém contou. Tiara Sousa


7 comentários:

Uma nota disse...

Você sabe que eu nem gosto de usar certas expressões, mas nega TU É FODA!!...que texto foi esse?!
De fato, que se dane os rótulos, as medidas, as manias de impor o que 'querem' que seja o perfeito. Somos reis e rainhas,de princesas já chega, essa nomenclatura é pouco para quem luta, quem ama, quem sonha, quem sofre, quem faz acontecer. Somos o mundo circulando em nossos vasos sanguíneos, somos todos coloridos.!! abraços....Evoé NEGRA!!

Iasmin Carvalho disse...

"A Bela Adormecida pra puta que pariu"
Kkkkkkk... parabéns, otimo texto.
Eu nunca tive essa percepção qnt aos contos de fada, mas é uma coisa a gnt (do lado de cá das histórias) sente inconscientemente. De uns tempos pra cá já fizeram uma Cinderela negra, uma outra princesa nada feminina (aquela Valente, acho que é esse o nome). Mas a reação de mtas pessoas ainda é estranheza pq a imagem de 'princesa' foi estigmatizado num padrão que ninguém consegue alcançar e vai envenenando a mente das gurias desde cedo, pq todas querem ser princesas (e alguns guris tbm, com todo respeito).
Não sei, vai ver por isso minha princesa favorita sempre foi Pocahontas (pq eu pareço com ela kkkk sqn).

Alternativo disse...

Uma nota só, é isso mesmo, somos todos coloridos,minha consciência é multicores. Rsrsrs, e de fato compreendeu bem o texto, tudo o que eu quis dizer no fundo foi que a maioria das mulheres não se encaixam nesse padrão das princesas, mas que mesmo assim somos fodas.

Alternativo disse...

Iasmin Carvalho, no fundo não apenas as negras, mas todas que não se encaixam nesse padrão absurdo impregnado em nós desde cedo já sentiram vontade de mandar essas princesas para esses lugares, rsrs.
Eu abordei um dos lados da realidade, a etnia Negra, mas poderia ter abordado diversas realidades, porque no fundo alcançar certos padrões é impossível e desnecessário. Você entendeu tudo garota esperta, parabéns, obrigada por comentar, volte sempre!!!

ErlonAndrade disse...

Precisamos nos valorizar e não esperar dos outros.

Alternativo disse...

Concordo Erlon, a mensagem implícita nesse texto é exatamente essa. Obrigada por participar!

Mirla Cecilia disse...

Fodastico!