Eu
sempre falo que gosto de solidão, é tudo mentira, é que eu não gosto da
mediocridade de um espaço cheio de pessoas vazias, e às vezes estou extremamente
vazia, a ponto de me achar boa demais pra contar estrelas acompanhada.
Porque
prefiro ficar em casa num sábado à noite, enquanto as pessoas da minha idade
saem para as baladas, para os bares, para as festas, eu penso que tenho um
mundo particular, que vivo numa constante ilusão, alimentando a minha fantasia
em meio a livros, filmes, discos, internet e TV, e que um dia posso me
arrepender de não estar fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos
interessante. Então, finalmente é sábado á noite, e eu desolada pela ideia de
estar deixando a vida passar, me arrumo, ponho o que a geração anos 80 chama de
uma roupa descolada, numa tentativa esperançosa de quando sair fazer coisas não
fúteis com gente de fato interessante.
A
noite começa com uma Coca-Cola, uma garrafa de água, dois cigarros mentolados, duas
tentativas de amizade com conhecidas de amigas, de amigas minhas, que em
minutos de conversa só sabem falar de como tal cara é gatinho, de como o outro
é galinha, de como o som é dez, sendo que ele é no máximo sete, enfim... eu
ando meio sem saco pra ser normal, então acho tudo um saco, e achar tudo um
saco é ser cem vezes mais triste do que o resto do mundo, além de impedir o
inicio natural de amizades.
Mas
a noite só está começando, eu ainda irei dançar oito vezes com quatro rapazes
diferentes. O primeiro desiste logo na primeira dança, porque tem baixa autoestima
e quando percebe que eu não bebo, logo conclui ser mínima a chance de acontecer
sexo no fim da noite, e como isso é tudo o que ele quer, distancia-se de mim
com mais de mil; O segundo é encantador para os meus padrões, tem uma cara de
tonto e um jeito boêmio, vamos dançar algumas vezes e começar a conversar, e
ele vai perceber que eu sou mais inteligente do que ele, e isso vai
incomodá-lo, então vai passar uma mulher com dez centímetros a mais de bunda do
que eu, e com quarenta por cento do quociente de inteligência inferior ao meu,
e ele literalmente vai correr atrás dela; O terceiro, que nem me considera
assim tão bonita e atraente, ao perceber que dois já dançaram comigo e que não
aconteceu nada, supõe que eu seja difícil, e por se achar demais vai querer
mostrar a si mesmo que consegue, mas eu tenho meus momentos de futilidade, então
mesmo percebendo a situação, vou aceitar dançar com ele, por que ele é lindo para
todos os padrões, só que ele se acha demais, ele se acha tanto, mas tanto, que
ele não me deixa falar, que ele acha que eu tenho a obrigação de escutar todas
as bobagens que ele diz e ainda ficar louca por ele, mas eu já deixei de ter
dezessete anos há um bom tempo, e o meu momento fútil tem limite, então eu direi
que vou ao banheiro e fugirei do cara mais gato da balada, com a convicção de
que ele também é o mais idiota; O quarto é aquele que aparece no fim da noite, enquanto
ele se aproxima, penso que ele não me acha nada demais, porque senão teria me
convidado pra dançar antes, mas já que ele não ficou com ninguém, e observou
que eu não fiquei com ninguém, ele me convida pra dançar, como eu sou educada e
numa hora dessas a minha amiga muito menos seletiva, e menos chata, e menos
romântica, e menos sensível já vai ter me deixado sozinha e vai estar beijando
um cara há horas, vou dançar com ele, e ele até que é fofo, e tem um bom papo,
e uma boa aparência, e é até meio inseguro, o que significa que eu posso estar
enganada e ele pode não ter se aproximado antes por não saber como, e aí, talvez
nos beijemos, e talvez troquemos contatos, e muito provavelmente ele tente
transar comigo na mesma noite, mas tudo bem, afinal ele é hetero, jovem e tem
hormônios, começa a ficar tudo mal quando ele insisti exaustivamente, como se a
minha recusa fosse eu fazendo o tipo mocinha, ou como se eu apenas tentasse
prolongar uma situação, e ao perceber que dentro do seu mundo rápido não cabem as
minhas ilusões, e que dentro do meu mundo lento não cabem noites sem sentido
que não sejam sentimentais, eu vou sair da balada sozinha, sem novos amores,
sem novas promessas, sem novos amigos, e vou achar um desperdício de tempo ter
saído de casa. Não que eu não tivesse me divertido nem um pouco, mas é que me
divertiria muito mais no meu mundo particular.
E
antevendo tudo isso, sei que se eu for, eu vou chegar em casa meio que completamente
deprimida, não só por ter passado a
noite fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante, mas principalmente
por saber que no exato momento em que entrar em casa, terei a percepção exata
de que é demasiadamente difícil conhecer pessoas realmente interessantes nesses
horários e lugares, porque assim como eu, elas devem preferir ficar em casa num
sábado á noite, numa constante ilusão, alimentando a fantasia em meio a livros,
filmes, discos, internet e TV, porque assim como eu, muitas vezes elas devem pensar
que um dia podem se arrepender de não
estar fazendo coisas fúteis com gente mais ou menos interessante, porque assim
como eu, muitas vezes elas devem ficar desoladas pela ideia de estar deixando a
vida passar.
Então
irei desistir de sair, me despirei do que a geração anos 80 chama de uma roupa
descolada, vestirei a camisola, colocarei o óculos e aguardarei alguém me ligar
pra perguntar porque mais uma vez eu irei preferir ficar em casa num sábado á
noite, só para eu poder responder que é porque gosto de solidão, mas eu e
muitos sabem, quem não sabe, fica sabendo agora, é tudo mentira, é que eu não
gosto é da mediocridade de um espaço cheio de pessoas vazias, e às vezes estou
extremamente vazia, a ponto de me achar boa demais pra contar estrelas
acompanhada. Tiara Sousa
5 comentários:
Amei esse texto...muito bom mesmo nega!!!
Porque na solidão é cabível a melhor das conversas, os mais intensos suspiros, o maior dos ódios e o preferido amor!
Evoé!!!
Putz, fiquei impressionada com a tua interpretação, tu conseguistes descrever numa frase o que eu passei 1.052 palavras escrevendo. É isso mesmo, é exatamente sobre isso que eu falava. Muito obrigada pelo genial comentário.
OMG, que perfeito. Tu escreve mto bem, mulher.
Uma balada dá e tira as esperanças que vc tem de conhecer alguém interessante, e depois dela a solidão parece pior pq parece que se esgotam as alternativas de lugares pra conhecer pessoas interessantes (ainda que só mais ou menos).
Eu sempre fico mto empolga da antes e até meio triste depois uma balada. Que coisa, né? Eu achava que isso acontecia só comigo.
Obrigada Iasmin!!! É isso mesmo, não é só com você que isso acontece, é com muitos de nós, as pessoas verdadeiramente interessantes estão por aí e mais dia, menos dia, nós as encontramos, até lá ainda vamos chegar em casa várias vezes, meio que completamente deprimidas, mas é aí, exatamente nesses momentos que nos tornamos mais interessantes, louco isso né?
Mais louco é o jeito que tu sintetizou nesse texto bárbaro hahahaha
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