Saí
do útero, não sou mais um feto, foi covarde ter retornado pra lá depois de
todos esses anos. Quando fui gerada desconhecia tudo, agora é estranho, porque
já sei que o mundo é um lugar bonito, mas um lugar bonito nunca é só bonito,
nunca é só um lugar, e isso ainda me assusta.
Eu
amadureci, meus sentimentos não. Quando sinto sou um recém nascido, sem nenhuma
bagagem, exposto a coisas novas, tudo é novo, até o que não é mais. No útero é
escuro, e estreito, e pequeno, mas aqui eu sinto tanto, que estar lá parecia
mais confortável do que existir no meu próprio corpo, com centímetros vulgares
entre o meu coração e a minha boca, eu sinto tanto, que na maioria das vezes
esses centímetros desaparecem, e tudo o que eu aprendi desaparece junto.
Sentir
é se desconhecer nos próprios hábitos, e olha que sentir pra mim é tão habitual
quanto comprar vestidos novos e discos antigos, é mais solitário do que reler
os romances de Albert Camus na companhia das lembranças míticas da menina que
fui um dia, e que volto a ser todas as vezes que deixo de controlar as minhas
emoções, e todas às vezes são vezes demais.
Estou
cansada de infringir a minha saúde mental em interseções de tudo, ou de instintivamente
tudo, ou de estrategicamente tudo, ou de loucamente tudo, ou de tudo ou nada. Eu
necessito tanto de um meio termo, mas o meio termo não arrepia o meu corpo, não
acelera os meus batimentos cardíacos, não me causa oscilações de humor, o meio
termo é só mais uma das minhas fantasias criativas que não diminuem em nada os
meus temores infantis, as minhas expectativas adolescentes, as minhas sensações
adultas.
Eu
sei bem o que não devo querer, já vivi o suficiente pra saber muito bem o que definitivamente
não devo querer, não sou Hamlet nem quando leio Hamlet, comigo não cola essa
história de “Ser ou não ser”, essa nunca foi a minha questão. O problema, o
grande, infinito, estúpido, incomodo e desconfortável problema é que eu sinto e
volto a ser a menina que é beijada pela primeira vez, a garota que é amada pela
primeira vez, a mulher que é magoada pela droga da primeira vez, talvez Hamlet
não fosse tão complexo se soubesse que pra mim o mais difícil é “Ser”, que essa
é a minha questão.
É
que ser é existir, e existir é sentir, e sentir é sonhar de corpo aberto, de queixo
caído, de coração escancarado e de olhos fechados. Sentir é o mais satisfatório
dos orgasmos passeando de mãos dadas com o mais aterrorizante dos pesadelos, é
romântico e instável; Sentir é o que há de mais humano no ego agindo
desumanamente com o ego, é o ego na favela comendo restos, bebendo lama,
cuspindo sangue e simulando dignidade, é humano ao quadrado, é desumano ao cubo,
é divisível, porém sempre inexato.
Eu
sinto, mas não me conformo, e o inconformismo é um quadro expressionista
pintado por um artista plástico contemporâneo, é oco. E eu não me conformo com
esse desconforto adolescente que é sentir, mas de que adianta todo esse meu
inconformismo quando tudo o que me incomoda, me estraçalha, me invade e me
enlouquece me faz sentir tão viva a ponto de sorrir sem precisar simular nada,
a ponto de chorar sem precisar de histórias, que não as minhas?
Sinto
tanto, que as minhas próprias possibilidades emocionais me assombram, a ponto
de eu cultivar a ilusão de que ser um ser humano menos humano seria mais humano
comigo, mas não seria, pois é quando eu sinto tanto que eu me sinto viva, pois
é quando eu sou um recém nascido sem nenhuma bagagem, exposto a coisas novas,
onde tudo é novo, mesmo o que não é mais, que eu sou o melhor que posso ser. Tiara
Sousa
4 comentários:
Sinto tanto também, em saber que sempre prefiro sentir como se fosse a primeira vez, pois sentir é sofrer, é também ser e não ser, é ter a coragem de viver, de esquecer.
A lembrança do útero é irrecuperável,mas só em saber que passei por lá já me revigoro, me sinto a pessoa mais amada.
Sempre me assusto quando procuro minha alma e vejo que ela está deitadinha, tranquila e eu na aflição de viver, de tentar sempre ser.
Belo texto....amei!!! abraços!!
Muito bom!
Uma nota só, sentir é tu isso e um pouco mais, e sim é assustador, é como conhecer o mundo novamente, e novamente, e novamente. Agradeço o comentário, maravilhoso como sempre!
Obrigada Iasmin Carvalho!
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