sábado, 23 de novembro de 2013

SINTO TANTO

Saí do útero, não sou mais um feto, foi covarde ter retornado pra lá depois de todos esses anos. Quando fui gerada desconhecia tudo, agora é estranho, porque já sei que o mundo é um lugar bonito, mas um lugar bonito nunca é só bonito, nunca é só um lugar, e isso ainda me assusta.
Eu amadureci, meus sentimentos não. Quando sinto sou um recém nascido, sem nenhuma bagagem, exposto a coisas novas, tudo é novo, até o que não é mais. No útero é escuro, e estreito, e pequeno, mas aqui eu sinto tanto, que estar lá parecia mais confortável do que existir no meu próprio corpo, com centímetros vulgares entre o meu coração e a minha boca, eu sinto tanto, que na maioria das vezes esses centímetros desaparecem, e tudo o que eu aprendi desaparece junto.
Sentir é se desconhecer nos próprios hábitos, e olha que sentir pra mim é tão habitual quanto comprar vestidos novos e discos antigos, é mais solitário do que reler os romances de Albert Camus na companhia das lembranças míticas da menina que fui um dia, e que volto a ser todas as vezes que deixo de controlar as minhas emoções, e todas às vezes são vezes demais.
Estou cansada de infringir a minha saúde mental em interseções de tudo, ou de instintivamente tudo, ou de estrategicamente tudo, ou de loucamente tudo, ou de tudo ou nada. Eu necessito tanto de um meio termo, mas o meio termo não arrepia o meu corpo, não acelera os meus batimentos cardíacos, não me causa oscilações de humor, o meio termo é só mais uma das minhas fantasias criativas que não diminuem em nada os meus temores infantis, as minhas expectativas adolescentes, as minhas sensações adultas.
Eu sei bem o que não devo querer, já vivi o suficiente pra saber muito bem o que definitivamente não devo querer, não sou Hamlet nem quando leio Hamlet, comigo não cola essa história de “Ser ou não ser”, essa nunca foi a minha questão. O problema, o grande, infinito, estúpido, incomodo e desconfortável problema é que eu sinto e volto a ser a menina que é beijada pela primeira vez, a garota que é amada pela primeira vez, a mulher que é magoada pela droga da primeira vez, talvez Hamlet não fosse tão complexo se soubesse que pra mim o mais difícil é “Ser”, que essa é a minha questão.
É que ser é existir, e existir é sentir, e sentir é sonhar de corpo aberto, de queixo caído, de coração escancarado e de olhos fechados. Sentir é o mais satisfatório dos orgasmos passeando de mãos dadas com o mais aterrorizante dos pesadelos, é romântico e instável; Sentir é o que há de mais humano no ego agindo desumanamente com o ego, é o ego na favela comendo restos, bebendo lama, cuspindo sangue e simulando dignidade, é humano ao quadrado, é desumano ao cubo, é divisível, porém sempre inexato.
Eu sinto, mas não me conformo, e o inconformismo é um quadro expressionista pintado por um artista plástico contemporâneo, é oco. E eu não me conformo com esse desconforto adolescente que é sentir, mas de que adianta todo esse meu inconformismo quando tudo o que me incomoda, me estraçalha, me invade e me enlouquece me faz sentir tão viva a ponto de sorrir sem precisar simular nada, a ponto de chorar sem precisar de histórias, que não as minhas?
Sinto tanto, que as minhas próprias possibilidades emocionais me assombram, a ponto de eu cultivar a ilusão de que ser um ser humano menos humano seria mais humano comigo, mas não seria, pois é quando eu sinto tanto que eu me sinto viva, pois é quando eu sou um recém nascido sem nenhuma bagagem, exposto a coisas novas, onde tudo é novo, mesmo o que não é mais, que eu sou o melhor que posso ser. Tiara Sousa

4 comentários:

Uma nota disse...

Sinto tanto também, em saber que sempre prefiro sentir como se fosse a primeira vez, pois sentir é sofrer, é também ser e não ser, é ter a coragem de viver, de esquecer.
A lembrança do útero é irrecuperável,mas só em saber que passei por lá já me revigoro, me sinto a pessoa mais amada.
Sempre me assusto quando procuro minha alma e vejo que ela está deitadinha, tranquila e eu na aflição de viver, de tentar sempre ser.

Belo texto....amei!!! abraços!!

Iasmin Carvalho disse...

Muito bom!

Alternativo disse...

Uma nota só, sentir é tu isso e um pouco mais, e sim é assustador, é como conhecer o mundo novamente, e novamente, e novamente. Agradeço o comentário, maravilhoso como sempre!

Alternativo disse...

Obrigada Iasmin Carvalho!