Sejam bem vindos ao Alternativo, um lugar de cronicas e contos. Levando até vocês uma dose de cultura, diversão e entretenimento. Os textos são atualizados todos os domingos. E aí o que estão esperando pra começar a frequentar esse sedutor mundo virtual?
sábado, 30 de agosto de 2014
domingo, 24 de agosto de 2014
POLTRONA FORA DO LUGAR
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Direitos da imagem: Janela de cima |
Eu
estava terminando uma matéria e ainda tinha que preparar a aula da semana, não
tomo café, então decidi fazer um chocolate quente, que também não é algo que eu
tenha o hábito de tomar em casa, mas é bom se surpreender, ainda que com coisas
pequenas e que soam até como insignificantes. Fiquei ali, tomando aquele
chocolate e pensando em alguma coisa boa pra escrever, mas eu havia tido um
sonho tão estranho na noite passada, era como uma recordação, nele eu era
beijada por um homem do passado, com quem vivi uma dessas histórias românticas
e trágicas, difíceis e dolorosas, tristes e bonitas, das quais a gente nunca
sai inteira, ou nobre como entrou, e há muito não pensava nele desse modo. Não
conseguia me concentrar, alguns sonhos te levam para um lugar melhor e você
desperta penoso da realidade, outros trazem de volta coisas que preferia
esquecer, e que já julgava ter esquecido há tempos, são como visitas
indesejadas. Comecei a olhar em volta, eu tirei a poltrona amarela com detalhes
pretos do meu quarto, e pela primeira vez em um mês senti falta daquele móvel, não
uma falta qualquer, do tipo que se sente de um momento alegre, de um livro ou
de um filme, uma falta maior e inesperada, do tipo que invade cada pensamento e
torna a ansiedade uma intimidade com o tempo. Acho que sentir falta de certas
coisas não é muito saudável, mentalmente saudável, tanta coisa pra sentir
falta, um passado inteiro de sentimentalismo caro, meia dúzia de rapazes
encantadores e tragicomédias pra recordar e tudo que me causa transtorno e
melancolia é um sonho e a droga daquela poltrona onde há anos eu não sentava
nem pra fumar um cigarro.
Terminei
o chocolate, finalmente terminei a matéria, comecei a preparar a aula e dei uma
pausa, lembrei do tal sonho e a lembrança me causou inquietação, peguei a chave
do carro e saí, saí pra chegar a algum lugar, eu não fazia ideia. Quando dei
por mim, estava estacionando na praia, estava sentando na areia, estava esperando
o pôr do sol, esperar pelo nascer do sol é quase poético, quase lírico, quase
alegre, no entanto esperar ele se pôr é como celebrar uma paisagem sabendo que
no fim ela morrerá, é sepultar uma beleza. E por isso, eu sempre lamento quando o sol se
põe, mas não ali, nem naquele dia, o mar ficou comigo e me fez companhia, olhei
para o lado, um rapaz vestia uma camisa listrada e olhava para o mar, e nos
olhos dele não tinha nenhuma paixão, ele notou que eu estava olhando e sorriu,
tentando disfarçar, tentando não disfarçar, pensei em fazer uma feição séria e
virar o rosto, mas não fiz, sorri também, ele estava se sentindo desejado e estava
gostando, quem sou eu pra acabar com o que ele sentia, já acabaram tantas vezes
com o que eu sentia, e eram sentimentos mais nobres, e eu nem sei se me
recuperei. Levantei depressa, antes da situação ficar intima ou constrangedora
ou bela demais que eu não esquecesse no próximo semáforo no caminho de volta.
Sentei num barzinho, pedi uma água de coco, lembrei de um outro tempo, em que
teria pedido vodka com limonada e teria ligado pra alguém me fazer companhia, só
pra eu não sentir a dor do meu silencio. Me senti feliz pelo tempo presente,
por ter aprendido e superado algumas coisas na vida, por ser mais eu agora do
que jamais fora antes. Paguei a água de coco, entrei no carro e parti, não me
partir em pedaços, não pensei nos meus medos, não lembrei dos sorrisos efêmeros
que já foram meus, não lamentei o tempo perdido, não me julguei, nem julguei as
paisagens que já deixei de contemplar, apenas voltei pra casa, arrastei a
poltrona de volta para o meu quarto, sentei nela, acendi um cigarro e terminei
de preparar a minha aula.
Algumas
coisas tem que mudar, tem que sair do lugar e serem substituídas, outras não, tem
que ser iguais para sempre, que nos causar as mesmas sensações e nos
proporcionar o mesmo comodismo, incomodo e necessário, porque o tempo passa,
nós não, nós mudamos e transformamos algumas coisas, mas a essência é sempre a
mesma, naquele dia ou dez anos antes, eu ainda não viraria o rosto para o rapaz
que sorria se sentindo desejado, eu ainda gostaria que ele fosse pra casa
achando que encantou alguém.
Por
fim, terminei o cigarro, terminei a aula, levantei da poltrona e a arrastei de
volta para fora do meu quarto, eu só precisava me despedir, saber se despedir é
tão importante e relevante quanto deixar certas coisas e sentimentos irem.
Finalmente entendi o sonho, era como uma despedida que nunca aconteceu como
deveria, com a missão de eliminar qualquer trauma, ou mágoa, ou medo que essa
história tivesse deixado. Era um beijo de adeus. Espero que ele também esteja
bem, que ele também seja feliz, que também tenha aprendido a se despedir dos
móveis antigos esquecidos pelos cômodos da casa. Tiara Sousa
domingo, 17 de agosto de 2014
ESTÚPIDO CÚPIDO
A todos os leitores que enviaram mensagens e e-mails ou falaram da ausência de novos textos, peço que perdoem essa autora, que por problemas pessoais perdeu a inspiração por uns meses e aviso que o Blog Alternativo está de volta! Mais romântico, mais ousado e mais sínico, se é que me entendem. Aproveitem!
No começo era assim, ele me olhava com aquela cara desconfiada, de quem não sabia como ficar sério, eu o olhava com aquela cara safada, de mulher apaixonada, de quem tava doida pra dar, e como era o começo, era bonito, e tudo de incompatível acabava se encaixando e encantando, de um jeito ou de outro.
Mas
o tempo passou, e se o tempo fosse um deus, seria o deus da realidade, aquele
que torna o desnecessário, fundamental, e o fundamental, irrelevante. E então,
o sexo deixou de ser novidade, ainda era muito bom, mas já tava longe de ser
tudo, o meu guarda roupas intimo deixou de surpreendê-lo, assim como a minha
língua e as minhas mãos curiosas e desacatadas, então ele passou a me ver como
eu realmente era, alguém que precisava de mais que alimentos, água e ar pra
sobreviver, de mais que roupas coloridas e livros de poetas mortos pra se
alegrar, de mais que beijos mornos e cotidianos frustrantes e óbvios pra se
inspirar. Só a minha cara de mulher apaixonada continuava a mesma, logo numa
altura daquelas, em que ele já tinha percebido que eu não era pra ele, que eu
tinha um passado, maus modos, péssimos hábitos e que a minha única lingerie
vermelha tava ficando velha.
Era
inevitável, ele foi ficando cada vez mais ciumento e inseguro, passou a vida
inteira escutando do pai e tios e primos e amigos idiotas e machistas que
mulheres como eu não eram confiáveis, então por fim, ele me enviou um SMS
marcando um encontro, ninguém com a cabeça no lugar e que me conheça
minimamente marca nada comigo por SMS, todo mundo sabe que eu não sou boa com
tecnologias e que acho fria esse tipo de comunicação. Foi só eu ler aquela
mensagem, tão inapropriadamente impessoal pra saber que ele pretendia terminar
comigo naquele jantar.
Respondi
por SMS: - Ok, nos vemos lá, até! E então comecei a pensar no que poderia fazer
pra que ele desistisse. Fui até uma dessas lojas que só vendem roupas que eu
não usaria e comprei um vestido brega e angelical, combinei sapato e bolsa,
coisa que nunca faço, penteei o cabelo, fiz as unhas, passei batom, coisas que
nunca faço, e fui ao encontro dele.
Enquanto
ia até o tal restaurante, pensei no que iria dizer, ia dizer que não tinha como
apagar os babacas encantadores por quem já fui apaixonada, nem os porres que
tomei ao som de Wando nos botecos da cidade, mas que eles eram passado, que
pretendia escrever coisas mais sérias, ir ao salão de beleza de vez em quando,
usar pen drive ao invés de CDs, cruzar as pernas como fazem as boas moças,
comer salada, me vestir melhor, pentear o cabelo e deixar que ele tomasse a
iniciativa ao invés de me jogar em cima dele sempre que desse na telha. E assim
fui por todo o caminho, ensaiando as minhas falas, compondo a minha personagem.
Quando
finalmente cheguei ao restaurante, ele já estava sentado, lindo, sério,
encantador, sexy como sempre. Percebi nos olhos dele a surpresa e o
encantamento ao me ver fantasiada de mulher comportada e requintada, com aquela
roupa e cabelo e maquiagem e unhas e sorriso. Beijei o rosto dele, e disse que
iria até o banheiro e que por enquanto ele poderia ir escolhendo os nossos
pratos, ele ficou ainda mais surpreso, num dia normal eu jamais deixaria um
homem escolher a minha comida.
Na
volta do banheiro, olhei bem pra ele, minha nossa, pensei, não posso perder um
homem desse. Ele parecia mudo, perdido em pensamentos, supus estar estático
diante da dúvida do que fazer ao me ver tão diferente, tão empenhada em me encaixar
no ideal dele de mulher. Ficamos lá, ele perdido entre a vontade de fugir e de
ficar, eu perdida entre a minha produção e os olhos dele. O garçom trouxe os
pratos, nós jantamos, ele disse que eu estava linda e que tinha algo pra me
falar, mas que já não sabia se queria ou se devia, eu pensei em atropelar tudo
e dizer o que eu tinha ensaiado, mas não consegui dizer nada, porque ele tocou
o meu antebraço e eu senti arrepios em lugares que nem sabia que existiam.
Terminamos
o jantar, saímos do restaurante, eu sorri pra ele e ele sorriu de volta e nem
mil SMSs diriam mais que os nossos sorrisos disseram naquele momento, então ele
me beijou, e por segundos eu consegui ver sentido no mundo inteiro, coisa que
pouco havia acontecido. Me convidou pra dormir na casa dele, eu aceitei como de
costume, chegando lá esperei que ele tomasse a iniciativa, como quem espera uma
carta de alguém que já se foi, e tive uma das melhores noites da minha vida,
não tinha mais a novidade, nem a surpresa, mas ainda tinha ele, e eu tava mesmo
apaixonada.
Pela
manhã, acordei cedo, preparei o café da manhã, nunca acordo cedo, nunca tomo
café da manhã, mas eu tava tentando mesmo mudar, depois tomei banho, coloquei o
vestido da noite anterior, já que eu não tinha outra roupa lá, me mirei no
espelho, quase não me reconheci... Quem era aquela mulher do outro lado? Por
que eu me sentia tão vazia e solitária se tinha conseguido exatamente o que eu
queria? Minutos depois ele acordou, tomamos o café, e ele falou a verdade,
disse que na noite anterior pretendia terminar o que tínhamos, mas que pôde ver
que eu estava mudando e que ainda tínhamos chances, e que estava apaixonado por
mim, e que gostava de quem eu estava me tornando, e que estava muito feliz com
isso.
Eu
olhei em volta, e olhei pra ele, lindo como sempre, depois olhei pra mim
naquela roupa, e falei, quase sem pensar: - Desculpa, eu não sou essa mulher,
nunca fui e não importa o quanto eu me esforce, nunca serei. Peguei a bolsa na
mesa, beijei a testa dele, e saí, com uma dor emocional tão grande que parecia
que o meu corpo inteiro ia quebrar, saí, antes que ele me dissesse com todas as
palavras e vírgulas e pontos que se eu não era a mulher que ele precisava, eu
não era pra ele.
Passou
algum tempo sem que eu o visse, até outro dia, quando nos encontramos na sala
de espera de um dentista, ele estava com a nova namorada, ela se vestia bem,
era linda, magra e artificial como uma dessas modelos de capa de revista,
combinava bolsa e sapatos, usava maquiagem e tinha os cabelos mais lindos que
já vi, cruzava as pernas e parecia uma dessas moças que nunca tomaram um porre
na vida e que vão a igreja todos os domingos, acho que por um instante, breve e
estúpido, desejei ser como ela. Ele me cumprimentou, me olhou da cabeça aos pés
com desejo, como quem olha uma coisa que já foi dele, como quem guarda as
recordações no lugar certo (debaixo da calça), eu não, eu guardo no coração. Depois
nos apresentou, disse, essa é a minha namorada, referindo-se a ela, e depois
disse, essa é uma velha amiga, referindo-se a mim. Saí de lá me sentindo o “cocô
do cavalo do bandido”.
Quando cheguei em
casa, lembrei porque não tinha dado certo, é porque eu já sou tudo o que
consigo ser, e ser comum me entedia, e o meu passado é parte fundamental de quem
eu sou, e acho salão de beleza um saco, e que tudo fora isso me soa
aprisionável, e eu aprecio a liberdade como os pássaros às suas asas. Depois
pensei... Dane-se! Eu sou mais eu que qualquer projeto de “santa na rua, puta
na cama” que tem por aí, e deve mesmo ter algum cara encantador pra gostar de
mim do jeito que eu sou, um que se um dia acabar por qualquer motivo, lembre de
nós com carinho e fome, e tenha culhões pra me apresentar pra atual namorada como
alguém por quem foi apaixonado um dia. E se esse cara não existir... Foda-se!
Ainda tenho meus cigarros e uns trinta DVDs de comédias românticas americanas
pra me fazerem companhia, além de saber uns palavrões bem legais pra dizer pra
esse estúpido cúpido do século XXI. Tiara Sousa
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