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Direitos da imagem: Janela de cima |
Eu
estava terminando uma matéria e ainda tinha que preparar a aula da semana, não
tomo café, então decidi fazer um chocolate quente, que também não é algo que eu
tenha o hábito de tomar em casa, mas é bom se surpreender, ainda que com coisas
pequenas e que soam até como insignificantes. Fiquei ali, tomando aquele
chocolate e pensando em alguma coisa boa pra escrever, mas eu havia tido um
sonho tão estranho na noite passada, era como uma recordação, nele eu era
beijada por um homem do passado, com quem vivi uma dessas histórias românticas
e trágicas, difíceis e dolorosas, tristes e bonitas, das quais a gente nunca
sai inteira, ou nobre como entrou, e há muito não pensava nele desse modo. Não
conseguia me concentrar, alguns sonhos te levam para um lugar melhor e você
desperta penoso da realidade, outros trazem de volta coisas que preferia
esquecer, e que já julgava ter esquecido há tempos, são como visitas
indesejadas. Comecei a olhar em volta, eu tirei a poltrona amarela com detalhes
pretos do meu quarto, e pela primeira vez em um mês senti falta daquele móvel, não
uma falta qualquer, do tipo que se sente de um momento alegre, de um livro ou
de um filme, uma falta maior e inesperada, do tipo que invade cada pensamento e
torna a ansiedade uma intimidade com o tempo. Acho que sentir falta de certas
coisas não é muito saudável, mentalmente saudável, tanta coisa pra sentir
falta, um passado inteiro de sentimentalismo caro, meia dúzia de rapazes
encantadores e tragicomédias pra recordar e tudo que me causa transtorno e
melancolia é um sonho e a droga daquela poltrona onde há anos eu não sentava
nem pra fumar um cigarro.
Terminei
o chocolate, finalmente terminei a matéria, comecei a preparar a aula e dei uma
pausa, lembrei do tal sonho e a lembrança me causou inquietação, peguei a chave
do carro e saí, saí pra chegar a algum lugar, eu não fazia ideia. Quando dei
por mim, estava estacionando na praia, estava sentando na areia, estava esperando
o pôr do sol, esperar pelo nascer do sol é quase poético, quase lírico, quase
alegre, no entanto esperar ele se pôr é como celebrar uma paisagem sabendo que
no fim ela morrerá, é sepultar uma beleza. E por isso, eu sempre lamento quando o sol se
põe, mas não ali, nem naquele dia, o mar ficou comigo e me fez companhia, olhei
para o lado, um rapaz vestia uma camisa listrada e olhava para o mar, e nos
olhos dele não tinha nenhuma paixão, ele notou que eu estava olhando e sorriu,
tentando disfarçar, tentando não disfarçar, pensei em fazer uma feição séria e
virar o rosto, mas não fiz, sorri também, ele estava se sentindo desejado e estava
gostando, quem sou eu pra acabar com o que ele sentia, já acabaram tantas vezes
com o que eu sentia, e eram sentimentos mais nobres, e eu nem sei se me
recuperei. Levantei depressa, antes da situação ficar intima ou constrangedora
ou bela demais que eu não esquecesse no próximo semáforo no caminho de volta.
Sentei num barzinho, pedi uma água de coco, lembrei de um outro tempo, em que
teria pedido vodka com limonada e teria ligado pra alguém me fazer companhia, só
pra eu não sentir a dor do meu silencio. Me senti feliz pelo tempo presente,
por ter aprendido e superado algumas coisas na vida, por ser mais eu agora do
que jamais fora antes. Paguei a água de coco, entrei no carro e parti, não me
partir em pedaços, não pensei nos meus medos, não lembrei dos sorrisos efêmeros
que já foram meus, não lamentei o tempo perdido, não me julguei, nem julguei as
paisagens que já deixei de contemplar, apenas voltei pra casa, arrastei a
poltrona de volta para o meu quarto, sentei nela, acendi um cigarro e terminei
de preparar a minha aula.
Algumas
coisas tem que mudar, tem que sair do lugar e serem substituídas, outras não, tem
que ser iguais para sempre, que nos causar as mesmas sensações e nos
proporcionar o mesmo comodismo, incomodo e necessário, porque o tempo passa,
nós não, nós mudamos e transformamos algumas coisas, mas a essência é sempre a
mesma, naquele dia ou dez anos antes, eu ainda não viraria o rosto para o rapaz
que sorria se sentindo desejado, eu ainda gostaria que ele fosse pra casa
achando que encantou alguém.
Por
fim, terminei o cigarro, terminei a aula, levantei da poltrona e a arrastei de
volta para fora do meu quarto, eu só precisava me despedir, saber se despedir é
tão importante e relevante quanto deixar certas coisas e sentimentos irem.
Finalmente entendi o sonho, era como uma despedida que nunca aconteceu como
deveria, com a missão de eliminar qualquer trauma, ou mágoa, ou medo que essa
história tivesse deixado. Era um beijo de adeus. Espero que ele também esteja
bem, que ele também seja feliz, que também tenha aprendido a se despedir dos
móveis antigos esquecidos pelos cômodos da casa. Tiara Sousa
2 comentários:
Que texto foi esse?!
Arrepios, são as únicas coisas que consigo sentir e descrever agora!! Muito bom...
"estava esperando o pôr do sol, esperar pelo nascer do sol é quase poético, quase lírico, quase alegre, no entanto esperar ele se pôr é como celebrar uma paisagem sabendo que no fim ela morrerá, é sepultar uma beleza"
Acho que sou uma coveira..que ama sepultar sóis por aí!!
abraços!!!
Linda essa frase com que tu encerras esse comentário! Valeu mesmo, sempre, Que bom que arrepiou, que bom que emocionou!
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