sábado, 30 de agosto de 2014

PORQUE QUANDO CHAMAM UM PRETO DE MACACO, “DÓI, DÓI MUITO”...

(Aranha, goleiro do Santos, deixou o gramado indignado com parte dos torcedores do Grêmio que o chamaram de macaco. Durante o jogo, o goleiro chegou a parar a partida e avisar o árbitro. Mas não deu em nada. “Estava no gol e começaram com palavras racistas. Me chamaram de preto fedido, seu preto. Depois fizeram coro de macaco. Pedi para o câmera filmar os torcedores, mas não filmaram. Fico puto de acontecer essas coisas aqui. Dói, dói muito”, lamentou o goleiro.) Notícia do Correio do Estado

Tinha outro texto pra postar aqui nessa semana, mas mudei de ideia, porque quando chamam um preto de macaco, “dói, dói muito”. Me utilizo das palavras do goleiro Aranha, do Santos, que no jogo da quinta-feira foi xingado por alguns gremistas de macaco, me utilizo delas porque são breves e simplificam tudo, e porque quando dói, dói nele e dói em mim, e dói no negro bonito que eu vi no reggae anteontem, e no advogado negro que estava namorando a minha amiga, e no menino negro que vende bombom no sinal, e no meu filho de dez anos que entende e sabe tão pouco da vida, mas agora já sabe que dói, e ele nem precisava saber tão cedo, e dói na minha mãe e na minha avó, que mesmo de peles tão claras carregam a minha pele escura no peito. Tinha outro texto pra essa semana, mas quando gritam que um preto é macaco, não há um preto que não se doa, ainda que esse preto esteja do lado e no coro ignorante de quem tá gritando. E “dói, dói muito”.
Ah mas é futebol, e podem dizer que qualquer xingamento é válido, e que o macaco, aquele animal fofo que todos conhecem e gostam é só mais um, que se ofender ou fazer um escarcéu é coisa demais pra uma palavrinha dita e redita no calor de uma partida. Mas é que, na boa sabe, desculpa a todos que acham isso coisa pouca pra tanto bafafá, mas é que esse povo preto, esse povo escuro, esse povo já sofreu demais, esse povo já lutou demais, esse povo já rezou demais diante da imagem do loiro de olhos azuis que chamam de Jesus, pra regredir logo agora, pra serem obrigados a verem esses mesmos xingamentos que doeram neles a vida inteira doerem também nas suas crianças. E quanto a esse animal, o macaco, convenhamos, representa bem mais que apenas um animal. Ele é em muitas teorias o principio do homem, o homem ainda não evoluído e intelectualizado, que ri e come banana e pula de galho em galho, ah e é preto, em sua maioria de espécie, disso eu até tinha esquecido, porque se fosse só a cor pra relacionar, talvez eu tivesse postado o outro texto, e talvez nem doesse, mas dói, dói muito.
O que desejo a alguns dos torcedores gremistas que orquestraram essas ofensas racistas ao goleiro é muito menos do que o meu povo negro sofreu, não lhes desejo a dor das chicotadas, nem que sejam presos a correntes de ferro, nem amarrados a troncos de árvores, nem obrigados a trabalhar muito e em péssimas condições sem receber por isso, nem que sejam reduzidos a escória social, nem mesmo que sejam tratados como animais e vendidos como produtos, ou que durmam no chão duro e comam lavagens, não de maneira alguma, isso eu não desejo a ninguém. O que desejo é apenas justiça, que sirvam de exemplo pra esse futebol ainda tão racista e essa sociedade ainda tão hipócrita, e compreendam que a dor do goleiro Aranha, nunca será somente dele, que ele tem um povo, independente de time, de cidade, de país, de tipo físico, de classe, de atributos, e pasmem só, da cor da pele, porque nem é preciso ser preto pra saber que dói, dói muito.
Admito, eu já chamei juiz de futebol de “filho da puta”, desculpem por isso, mas é que no calor do jogo ás vezes me escapa um xingamento ou outro, não que isso justifique o meu ato impróprio, mas a diferença é que milhões de “filhos da puta” não foram escravizados por mais de 400 anos, nem obrigados a trabalhar quatorze a dezesseis horas por dia, nem castigados das mais cruéis maneiras, nem receberam trapos de roupa e uma alimentação de péssima qualidade, nem passaram as noites nas senzalas acorrentados como animais selvagens, senão doeria, doeria muito, e eu, nem no calor da emoção, falaria dessa maneira.
Peço que perdoem se extrapolo nos discursos e manifestos contra o racismo nesse texto, mas é meus caros leitores, que quando chamam um preto de macaco, “dói, dói muito” e dói em todos os pretos..., e brancos, e índios, e miscigenados com intelecto, ética, sonho, luta, suor, sentimentos, dignidade, necessidade e humanidade. E vai doer até o dia em que eu não precisar mais substituir o texto já programado pra ser publicado na semana porque chamaram mais um preto de macaco, e doeu. Tiara Sousa

6 comentários:

Carlos M Faustino disse...

podemos ser iguais mas a cor nunca muda Negro vai ser sempre NRGRO

Alternativo disse...

É Carlos, Negro vai ser sempre Negro. E que bom, pois não são os negros que tem que deixar de ser negros, é o preconceito que tem que deixar de se sobressair sobre os seres humanos, cada vez mais desumanos em suas ignorâncias.

Alternativo disse...

Olá pessoal! Fui questionada na Fan Page do Blog Alternativo por ter usado o termo PRETO ao invés de NEGRO no título dessa postagem, então para esclarecer qualquer dúvida ou desconforto aí vai a minha resposta ao questionamento do rapaz Wesllen Frazão Jr.: (Agradeço a intenção de elucidar “negro”, uma vez que fomos educados a crer que o termo “preto” menospreza tal etnia. Mas devo afirmar-lhe que o uso do termo PRETO foi proposital, uma vez que defendo o uso deste termo para essa etnia. Sim PRETO é cor, BRANCO é cor, assim como o significado de NEGRO é escravo, e a palavra MULATO deriva de mula. No Brasil, a classe baixa, em sua maioria infelizmente ainda composta por pretos/negros/mulatos foi levada a crer que a palavra preto menosprezava e diminuía as pessoas. Nos Estados Unidos, acontece o contrário eles rejeitam o termo “niger”(negro) por significar escravo e preferem usar o termo “black”(preto) como sinal de respeito. Eu creio que cada um deve usar o termo que preferir, eu usei preto, pois acho a cor preta linda, a etnia preta linda, e feio mesmo é quem se aproveitou de pessoas humildes que não tiveram a oportunidade de debater e conhecer os termos a usar essa palavra de maneira pejorativa. Estou certa de que teve a melhor das intenções, e que como tantos você não teve a oportunidade de conhecer a fundo a história e os termos, espero que tenha apreciado o texto desta preta, que se preferir, pode chamar negra. Atenciosamente Tiara Sousa.) Obrigada a todos! Pelas muitas visualizações e curtidas!

Alternativo disse...

Obrigada a todos os amigos do Face, da Fan page do Blog Alternativo, de outras redes sociais, aos fiéis leitores e aos que não conheço mas que também são leitores do Alternativo, por terem feito desse post o texto campeão de visualizações e curtidas da história do Blog. Espero que tais palavras contribuam para que o sussurro de dor desse goleiro seja mais expressivo do que os gritos de injúria dos preconceituosos...

regina carrera disse...

Oi Tiara, você me fez ter orgulho de ser brasileira, mulher, blogueira e vou te dizer: Dói sim, dói muito saber que vivemos essa droga de preconceito. Muito obrigada por suas palavras que me encheram de orgulho! Muito sucesso.

Alternativo disse...

Regina Carrera, eu que agradeço as suas palavras, vejo que compreendeu muito bem o texto e que assim como eu e que como tantos soube sentir essa dor. Seja bem vinda ao Blog Alternativo e volte sempre!