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Imagem retirada do site http://en.tubgit.com |
Nada
como uma cidade depois da meia noite pra gente descobrir um monte de coisas que
estão bem na nossa cara ao longo do dia, mas que não enxergamos porque estamos
atrasados pra escola, pra Universidade, para o trabalho, porque estamos cheios
de compromissos e sonhos e esperanças e frustrações e dores e saudades e desejos
e invenções, porque não nos permitimos nem olhar para o céu ou para os olhos de
um amigo, de um amor, porque estamos sempre muito ocupados com as nossas dores
pra avaliar que viver é um desafio tão intimo quanto coletivo.
Mas
a madrugada te mostra muita coisa... Os postes iluminam as ruas e só as dores
alheias importam, a alegria parece de vidro, mas eu que quebro ao perceber que
não há fantasia alguma além dos prédios altos que ornamentam as proximidades
das orlas. Porque depois da meia noite coisas que fariam tanto sentido durante
o dia de repente não fazem sentido algum. Lembro de chegar a uma casa de shows
na semana passada pra assistir uma noite de canções de Chico Buarque e enquanto
esperava o cantor iniciar a noite e os músicos afinarem os instrumentos,
sentada numa mesa ao fundo com uma amiga, acabei percebendo... O casal ao lado,
sem sentido; O garçom simpático, sem sentido; O tesão explicito do garoto de 20
anos, sem sentido; Os olhares curiosos dos dois homens sentados numa mesa atrás
da nossa, sem sentido. Observar é a melhor e a pior coisa que alguém pode fazer
consigo.
Nada
como uma cidade depois da meia noite pra gente descobrir um monte de coisas que
estão bem na nossa cara ao longo do dia... E eu descobri...
Descobri
que a parte mais salgada do mar é aquela na qual você não consegue chegar,
porque ela é mistério. Descobri que a maior saudade que pode existir é a
saudade da gente mesmo, que as flores só murcham tão rapidamente porque as
maiores belezas moram no efêmero, que a minha vizinha de 77 anos nunca vai
passar dos 20 e que as incertezas são certezas travestidas de medo e moral.
Descobri
que viver é tão difícil quanto excitante, que a gente só se esconde dos olhares
que deveriam nos intimidar mas não nos intimidam, que as reações mais
verdadeiras são aquelas que não transparecem, que as ilusões são as facas que
ficam guardadas no fundo das gavetas do armário de cozinha e que com o tempo
vamos esquecendo de amolar.
Descobri
que eu sempre vou gostar das boas histórias mal contadas, porque só elas vão atiçar
a minha imaginação, descobri que os olhos do meu filho nunca para mim irão
deixar de ser olhos de criança, tenha ele a idade que for. Descobri que eu
sempre vou abrir o guarda-roupa na expectativa de ver aquela camisa velha do
Flamengo que eu não uso nunca, porque ela me lembra de um tempo em que eu
enxergava o mundo melhor.
Descobri
que toda dor, medo, ódio, mágoa é menor, é sempre menor do que um único segundo
de felicidade. Descobri que sempre vou achar que os salões de beleza são um
saco, que sempre vou preferir havaianas a salto alto e achar que os melhores
seres humanos são aqueles essencialmente imperfeitos. Descobri que as
verdadeiras promiscuidades são aquelas feitas em nome da moral e dos bons
costumes, e que a diretora da época do meu ginásio é uma falsa moralista do
caralho.
Descobri
que o moço que passa vendendo frutas todas as manhãs na rua em que mora a minha
avó e que não estudou nas escolas que eu estudei, nem fez as viagens que eu
fiz, nem leu os livros que eu li, nem frequentou as baladas que eu frequentei tem
mais grana do que eu e boa parte dos meus amigos nesse momento e que ele é um
cara tão legal, que ele merecia muito mais.
Descobri
que aquela menina branquinha, cheia de sardas, que estudou comigo na 7ª série e
que ficava zoando o meu cabelo cacheado, dizendo que ele era muito cheio e feio
e que atrapalhava a visão dela na turma e que muitas vezes fazia eu voltar pra
casa triste, não tem atualmente, e nem nunca teve um quinto da minha beleza, da
minha inteligência e da minha sensibilidade, e que ela sempre soube disso.
Descobri que num
mundo de tantos equívocos há paredes a serem pintadas, obras a serem
concluídas, bolos a serem assados, histórias a serem contadas, vidas a
iniciarem. É que o tempo continua seguindo o seu curso imaterial, é que
enquanto a minha vizinha de 77 anos nunca deixar de ter 20 ainda haverá cidades
em que depois da meia noite da pra gente descobrir um monte de coisas que estão
bem na nossa cara ao longo do dia, mas que não enxergamos. Tiara Sousa
4 comentários:
"Descobri que a maior saudade que pode existir é a saudade da gente mesmo", é nega...saudades de um dia voltarmos a ser o que nunca fomos, sendo tudo aquilo que sonhamos, desejando não morrer nesse mar salgado, sem garantia do gosto tão intenso de nossas vidas.
"...que a minha vizinha de 77 anos nunca vai passar dos 20 e que as incertezas são certezas travestidas de medo e moral." Toara Sousa
FODA!
Obrigada Uma nota! Belas palavras e bela conclusão de tudo!
Valeu por comentar Ray Silva, é isso aí, esse também é o meu trecho favorito.
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