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Não
sou delicada como uma louça. Não tenho o hábito de cruzar as pernas como as
moças consideradas socialmente aceitáveis. Nunca em toda a minha existência
cheguei num restaurante pra pedir um prato de salada, e me recuso a ficar duas
horas no salão fazendo as unhas.
Não
sei decoradas falas de grandes antropólogos, filósofos e cientistas políticos, costumo
decorar poemas e números de Dellivery de Fast Food. Eu babo dormindo, e a minha
barriga ronca mais que o normal, e pra completar, definitivamente acordo péssima,
inchada, horrorosa, terrível, desfigurada. Acho academia um saco, e na boa, entre
ter uma bunda malhada e um trio do Bob’s, eu fico com o trio. Uma bunda malhada
vai satisfazer os olhares libidinosos de homens superficiais, o trio do Bob’s
vai me satisfazer.
Acho
fofo quem pega gatinhos abandonados pra cuidar, e de verdade, detesto vê-los
sofrendo e sendo maltratados, mas eu particularmente não simpatizo com gatinhos,
eles são tão carinhosos que é de dar agonia, gatões são mais a minha praia, se
é que me entendem. Penso que os bois, as galinhas e os porquinhos deveriam
poder ter uma vida longa e bonita, mas esqueço que penso isso quando chego num
rodízio de churrasco e me deparo com uma picanha.
Sou
fã da natureza, e mais do que isso a favor da conscientização das pessoas
acerca da importância da preservação do meio ambiente, mas não se enganem, se
ameaçarem cortar com uma serra uma árvore de 200 anos, eu não vou ser aquela
moça massa que fica abraçada na árvore esperando a serra atingi-la, entre eu e
árvore velha, sou eu né.
Quando
busco meu filho na escola e ele me diz que tá morrendo de fome, logo me imagino
na cozinha, ele provando o delicioso prato que preparei e elogiando a comida,
mas só fica na imaginação mesmo, porque imediatamente me dou conta que comigo
como cozinheira não tem como a comida ficar deliciosa, além do trabalho que vai
dar pra preparar, então acabo parando no restaurante mais próximo ou indo a
casa da minha vó, onde sempre tem um almoço legal esperando pela gente.
Sou
uma romântica, do tipo que vê príncipes em sapos e assiste comedia americana emocionada.
Gosto das histórias, dos olhares, das mensagens, dos beijos que de tão
ansiosamente esperados, são inesperados, do sexo invasivo e genuinamente ébrio,
que eleva a linguagem sem necessariamente precisar de uma palavra. Gosto da liberdade
de querer estar presa sem estar presa de fato. Gosto da paixão, do encanto do início,
do despudor do meio, e até da dor do fim, mas temo e sempre temi que o “pra
sempre” seja um saco, real demais, que ele furte a possibilidade de lembrar de
um romance com uma certa fantasia.
Gosto
de gente, das complicadas relações humanas, do gosto amargo da humanidade, mas
tem dias que acordo detestando gente e tudo que vem junto, e prefiro ler
romances, assistir comedias, ouvir canções, escrever crônicas, mas ao fim do
dia concluo que era tudo sobre gente, e me sinto limitada, porque são nesses
dias que sou mais gente.
Tenho
déficit de atenção, nunca sei onde estão minhas chaves, meu relógio, minha
cabeça, minha sanidade, minha capacidade de me interessar por homens que
prestem. Não sou do tipo que abraça, meiguice me dá enjoo. Já fiz terapia e
conclui que ver o mar era mais eficaz, porque o mar é o lugar mais lindo e mais
triste do mundo, e acho de verdade que a minha terapeuta precisava de terapia.
Quanto
mais dirijo, mais detesto dirigir, sou viciada em nicotina, em analgésico, em
antialérgico, em coca cola. Não sou de dizer muita coisa, me sinto confortável
mantendo sempre uma distância segura do resto do mundo, sou ateia desde a primeira
vez que cochilei numa aula de catequese, aos 9 anos.
Não
sou a mulher descolada que assiste futebol e fala palavrões, não sou a
florzinha que diz que ama com os olhos marejados, não sou a exótica que senta
embaixo de uma árvore e fuma um com a galera, não sou a gostosona que para o
trânsito com suas formas cheias e curvas delineadas, e também não sou a que
impressiona com discursos de assuntos em alta.
Já
transei no primeiro encontro, já tive crise de ciúmes, já pré-julguei quem não
merecia, já tive o coração partido e já parti corações. Sou mimada,
individualista e adoro estar certa. Mas se apesar do óbvio, porque tudo isso é
só o óbvio, vocês tentarem gostar de mim e chegarem mais perto, talvez acabem
descobrindo porque uma vez por ano eu releio “O estrangeiro” de Albert Camus,
porque gosto de vestidos e camisas, porque aprecio a solidão, porque todo fim
de ano dirijo pela cidade a noite procurando pelas luzes de natal, ou a razão de
eu ouvir tanto Chico Buarque, de usar o relógio com o mostrador virado pra
parte de baixo do pulso, ou o que me encanta no Teatro, porque tenho tanto medo
de portas abertas e me sinto mais à vontade entre livros, filmes e músicas do
que entre pessoas, porque escrevo.
E
aí, se vocês entenderem tudo isso e superarem o fato de eu preferir eu a uma
árvore velha e esquecer da preciosa existência dos bois quando me deparo com
uma picanha, talvez assim, vocês não precisem mais tentar e acabem realmente
gostando de mim, pois nem mesmo o melhor dramaturgo, roteirista, escritor já
criou um personagem que alcançasse a complexidade de um ser humano, então eu
sou mais que isso, todo mundo é, e tá tudo certo, ninguém tem que fazer
sentido. Tiara Sousa
4 comentários:
Hahahah
Muito Bom!
Obrigada!
Muito maravilhosa! Eu gosto de ti desde quando tu deixava de ir pra aula praprát pra ficar tomando Coca cola com pastel no cch.
Obrigada Jairiane. Também gosto de ti desde aquela vez que me pediu um hidratante emprestado na saída da aula, rs. Obrigada por comentar!
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