domingo, 23 de março de 2014

ASSUNTOS RELEVANTES ou SALVE O EGOÍSMO NOSSO DE CADA DIA!

Um rapaz que conheço superficialmente disse na minha cara que escrevo bem, mas que deveria aproveitar meu talento para escrever mais sobre coisas relevantes, eu o indaguei sobre o que para ele é relevante, ele citou politica, problemas sociais, pré-conceitos, cultura de massa, mídia, e disse mais uma vez na minha cara que eu gasto muita palavra bonita pra falar sobre coisas irrelevantes e consequentemente desimportantes.
O ocorrido me fez lembrar que outro dia alguém que conheço bem mais que superficialmente me disse que se contentaria com um resto de amor, achei aquilo tão triste e tão bonito, em parte porque sempre considerei as maiores belezas, tristes, em outra porque um resto de amor é tudo que posso oferecer a mim nas noites em que mesmo ciente da previsão do tempo que diz que não vai chover, debruço na janela e espero pela chuva, como quem perdeu um membro e aguarda a sua volta mesmo sabendo que ele não voltará. Acendo um cigarro, cada vez que ponho as cinzas no meu cinzeiro de concha, penso que quando eu parar de fumar vou poder sentir o gosto da minha boca e enfim constatar que o amargo dos beijos sem verdade nunca saíram de lá, talvez seja por isso que nunca deixei de fumar, só pra não lembrar e só pra não deixar de lembrar que um dia eu já acreditei nas coisas boas. Termino o cigarro, deixo a janela entreaberta, viro e de todos os vestidos com os quais me deparo, o que me chama atenção é exatamente aquele que não consigo doar nem jogar fora, que não consigo usar nem achar bonito como um dia já achei... Será que isso que é não superar, será que isso que é superar? Me perco até onde os meus olhos  alcançam e me odeio por isso, porque me faz sentir limitada.
Quanto ao rapaz, o olhei admirando a sua coragem (confesso), sorri de lado prevendo a minha coragem (confesso), e disse: - Não faço por mal ou por ignorância, perdoe se é o que parece, é que a maioria das vezes eu acho mesmo que o meu cinzeiro cheio de pontas de cigarro, ou a minha descrença nas coisas boas, ou a janela entreaberta no meu quarto, ou o vestido velho que não consigo doar nem jogar fora são mais relevantes do que a economia, as estatísticas e a corrupção. Ele se calou, pareceu pensar sobre o que eu disse, não sei ao certo, minutos depois retrucou com um ar vitorioso: - É. Mas isso é um tanto egoísta. Eu então disse, com um ar ainda mais vitorioso: - É, isso é um tanto egoísta, talvez por isso se identifiquem com o que escrevo, porque a tristeza, a depressão, o inconformismo, o sentimento de rejeição, a sensação de não se encaixar, os corações partidos, são egoístas, todos doem como se suas dores fossem as maiores, e se afundam como se os buracos fossem os mais sombrios, ninguém que esteja se sentindo miserável sofre mais com a miséria dos outros por ser mais significante, nem você meu caro, a diferença é que eu publico meu egoísmo todas as semanas e você não. Depois do que falei, fiquei esperando uma grande resposta daquele rapaz que não falava mentiras nem verdades absolutas e apenas manifestava a sua opinião, que cá entre nós, não era de toda a incoerência, mas ele me olhou com um ar de admiração e rejeição (sim ele conseguiu unir esses dois extremos num só olhar), e disse com firmeza: - Você é maluca! Depois de falar isso, ele esboçou uma expressão de dúvida, como se não soubesse se esperava por um tapa bem dado ou por um beijo romântico, mas eu apenas falei com um desdém de doer na alma (na dele): - Sou parte maluca, parte alguma coisa que o censo comum nunca vai aceitar e compreender, e você é parte do censo comum. Depois virei e saí, me sentindo muito mais importante do que realmente sou.
Confesso que viro de um lado para o outro na cama, que me refugio entre a dor que invento pra entreter meus dias comuns e meus sentimentos pouco confortáveis. É que do lado esquerdo da cama tudo é viral, do lado direito tudo parece errado, e há um bom tempo que eu não me completo. Às vezes ando descalça só pra sentir as sobras de outros tempos no chão gelado, as sobras de outras experiências nos pés expostos, quem sabe um pouco sobre mim, sabe demais, e a sabedoria pode ornamentar jardins e pode sepultar levezas, já sepultei todas as minhas. E não venham me dizer que isso é irrelevante, aquele rapaz pode até não admitir e me chamar de maluca, mas o fato de ter gente morrendo de fome não nos faz morrer menos de amores. Salve o egoísmo nosso de cada dia! Aquele que não prejudica ninguém além de nós mesmos, aquele que nos dá a impressão de que ficar triste só é infinito se for dentro do nosso peito, aquele que joga na latrina nossa esperança e que arde no corpo inteiro sem sequer sair da mente. Assinado egoistamente, a parte maluca, parte incompreensível ao senso comum... Tiara Sousa

6 comentários:

Unknown disse...

Você é maluca sim, em cada frase, mas também muito relevante, o que quero falar é que a sua loucura é escrever muito, mulher você deveria ter seus escritos lidos pelo mundo todo, essa sua última crônica foi muito boa.

Isabelly Sá disse...

Salve sempre esse egoísmo, de todos e especialmente o seu, se dele vierem textos como esse, parabéns.

Uma nota disse...

Salve!!!
...e confesso também, sou um tanto egoísta!!! hehe...
Maluca nega...texto muito bom!!

Alternativo disse...

Obrigada Marcio, pelo maluca e pelo relevante.

Alternativo disse...

Salve Isabely,, salve sempre sim, obrigada!

Alternativo disse...

Valeu, sempre, sempre Uma nota só!