Um
rapaz que conheço superficialmente disse na minha cara que escrevo bem, mas que
deveria aproveitar meu talento para escrever mais sobre coisas relevantes, eu o
indaguei sobre o que para ele é relevante, ele citou politica, problemas
sociais, pré-conceitos, cultura de massa, mídia, e disse mais uma vez na minha
cara que eu gasto muita palavra bonita pra falar sobre coisas irrelevantes e consequentemente
desimportantes.
O
ocorrido me fez lembrar que outro dia alguém que conheço bem mais que
superficialmente me disse que se contentaria com um resto de amor, achei aquilo
tão triste e tão bonito, em parte porque sempre considerei as maiores belezas,
tristes, em outra porque um resto de amor é tudo que posso oferecer a mim nas
noites em que mesmo ciente da previsão do tempo que diz que não vai chover,
debruço na janela e espero pela chuva, como quem perdeu um membro e aguarda a
sua volta mesmo sabendo que ele não voltará. Acendo um cigarro, cada vez que
ponho as cinzas no meu cinzeiro de concha, penso que quando eu parar de fumar
vou poder sentir o gosto da minha boca e enfim constatar que o amargo dos
beijos sem verdade nunca saíram de lá, talvez seja por isso que nunca deixei de
fumar, só pra não lembrar e só pra não deixar de lembrar que um dia eu já
acreditei nas coisas boas. Termino o cigarro, deixo a janela entreaberta, viro
e de todos os vestidos com os quais me deparo, o que me chama atenção é
exatamente aquele que não consigo doar nem jogar fora, que não consigo usar nem
achar bonito como um dia já achei... Será que isso que é não superar, será que
isso que é superar? Me perco até onde os meus olhos alcançam e me odeio por isso, porque me faz sentir
limitada.
Quanto
ao rapaz, o olhei admirando a sua coragem (confesso), sorri de lado prevendo a
minha coragem (confesso), e disse: - Não faço por mal ou por ignorância, perdoe
se é o que parece, é que a maioria das vezes eu acho mesmo que o meu cinzeiro
cheio de pontas de cigarro, ou a minha descrença nas coisas boas, ou a janela
entreaberta no meu quarto, ou o vestido velho que não consigo doar nem jogar
fora são mais relevantes do que a economia, as estatísticas e a corrupção. Ele
se calou, pareceu pensar sobre o que eu disse, não sei ao certo, minutos depois
retrucou com um ar vitorioso: - É. Mas isso é um tanto egoísta. Eu então disse,
com um ar ainda mais vitorioso: - É, isso é um tanto egoísta, talvez por isso se
identifiquem com o que escrevo, porque a tristeza, a depressão, o
inconformismo, o sentimento de rejeição, a sensação de não se encaixar, os
corações partidos, são egoístas, todos doem como se suas dores fossem as
maiores, e se afundam como se os buracos fossem os mais sombrios, ninguém que
esteja se sentindo miserável sofre mais com a miséria dos outros por ser mais
significante, nem você meu caro, a diferença é que eu publico meu egoísmo todas
as semanas e você não. Depois do que falei, fiquei esperando uma grande
resposta daquele rapaz que não falava mentiras nem verdades absolutas e apenas
manifestava a sua opinião, que cá entre nós, não era de toda a incoerência, mas
ele me olhou com um ar de admiração e rejeição (sim ele conseguiu unir esses
dois extremos num só olhar), e disse com firmeza: - Você é maluca! Depois de
falar isso, ele esboçou uma expressão de dúvida, como se não soubesse se
esperava por um tapa bem dado ou por um beijo romântico, mas eu apenas falei
com um desdém de doer na alma (na dele): - Sou parte maluca, parte alguma coisa
que o censo comum nunca vai aceitar e compreender, e você é parte do censo
comum. Depois virei e saí, me sentindo muito mais importante do que realmente
sou.
Confesso que viro de
um lado para o outro na cama, que me refugio entre a dor que invento pra entreter
meus dias comuns e meus sentimentos pouco confortáveis. É que do lado esquerdo
da cama tudo é viral, do lado direito tudo parece errado, e há um bom tempo que
eu não me completo. Às vezes ando descalça só pra sentir as sobras de outros
tempos no chão gelado, as sobras de outras experiências nos pés expostos, quem
sabe um pouco sobre mim, sabe demais, e a sabedoria pode ornamentar jardins e
pode sepultar levezas, já sepultei todas as minhas. E não venham me dizer que
isso é irrelevante, aquele rapaz pode até não admitir e me chamar de maluca,
mas o fato de ter gente morrendo de fome não nos faz morrer menos de amores. Salve
o egoísmo nosso de cada dia! Aquele que não prejudica ninguém além de nós
mesmos, aquele que nos dá a impressão de que ficar triste só é infinito se for
dentro do nosso peito, aquele que joga na latrina nossa esperança e que arde no
corpo inteiro sem sequer sair da mente. Assinado egoistamente, a parte maluca,
parte incompreensível ao senso comum... Tiara Sousa
6 comentários:
Você é maluca sim, em cada frase, mas também muito relevante, o que quero falar é que a sua loucura é escrever muito, mulher você deveria ter seus escritos lidos pelo mundo todo, essa sua última crônica foi muito boa.
Salve sempre esse egoísmo, de todos e especialmente o seu, se dele vierem textos como esse, parabéns.
Salve!!!
...e confesso também, sou um tanto egoísta!!! hehe...
Maluca nega...texto muito bom!!
Obrigada Marcio, pelo maluca e pelo relevante.
Salve Isabely,, salve sempre sim, obrigada!
Valeu, sempre, sempre Uma nota só!
Postar um comentário