domingo, 7 de setembro de 2014

BLUES DA ILUSÂO

Cresci entre marxistas, poetas, jornalistas, escritores, artistas, apreciadores da boa música e da boa literatura, e a minha família materna, gente comum, que escuta as rádios populares, assiste ao programa do Silvio Santos e faz Churrasco nas datas comemorativas.
Enquanto todas as crianças, influenciadas pelos discursos capitalistas queriam ser, ou eram levadas a pensar que queriam ser médicos, advogados, economistas ou qualquer coisa com status e grana no final do mês, eu quis ser muitas coisas... Na Alfabetização queria ser cantora de rock, depois quis ser hippie, depois Antropóloga (e na época eu nem sabia o que significava isso, só achava a palavra muito bonita). Já na adolescência eu quis ser artista plástica, depois pensei em ser letrista, depois queria ser Chico Buarque (como era ingênua, ninguém pode ser Chico Buarque), depois minha mãe atrasou a mensalidade da minha escola por problemas financeiros e então pela primeira vez eu pensei como todo mundo, quis ser médica, ou advogada, ou economista, ou qualquer coisa com status e grana no final do mês, só pra não passar por essas tais dificuldades.
Até que um dia peguei meus inúmeros cadernos, agendas e diários de uma vida inteira, pensei no porque de eu escrever tanto, era porque escrevendo eu era tudo isso, tudo o que queria ser, até eu mesma. Então depois de tantos poemas e textos e matérias e colunas e até algumas peças, eu finalmente consegui ser tudo o que quis ser, agora só me sobrou o mundo real, virei cronista. Mas confesso que fora desses cadernos, documentos de Word, letras de canções e diálogos românticos me sinto uma estranha no ninho, ou melhor, uma estranha sem ninho, ser ou fazer parte desse mundo é muito difícil pra algumas pessoas, pessoas que como eu preferem os finais felizes, onde tudo sempre termina como nos sonhos, pois na realidade só as pessoas que realmente o conhecem e gostam de você esperam que você seja você, o resto do mundo só quer que você seja simpático, educado, atencioso e descomplicado.
Então outro dia, na festa de aniversário da simpática amiga da minha amiga, olhei em volta, aquela gente legal e desencanada, que curtia diversos estilos de música e dizia boa noite com uma naturalidade ímpar, e falava do cotidiano com uma superficialidade cativante, e eu ali, no meio daquilo tudo sem saber o que falar, ou como sentar, ou como cumprimentar, ou como existir. Pela primeira vez em muito tempo, quis ser simpática, descomplicada e igual. Daí perguntei as minhas amigas como ser assim, e elas me ensinaram um sorriso estranho e amarelo e bobo e brilhante e tosco e programado, disseram que sempre dá certo, que todo mundo acredita mesmo quando olha aquele sorriso que a gente tá bem, achando tudo lindo e que pensa igual aos outros. Foram doze tentativas até eu conseguir dar um sorriso parecido, o problema é que junto com o sorriso veio também um tique nervoso, como um tremor na face, de quem tenta se encaixar, mas psicologicamente é lembrado o quão difícil é.
Agora, só pra variar eu virei a piada do mês entre os meus amigos com essa tal cara simpática, eu podia desanimar, fazer como sempre fiz e voltar correndo pro mundo da ilusão, onde eu sou a moça simpática, que curte blues e cita Nietzsche e ama os gatinhos desamparados, ao invés de ser a moça insociável, que curte reggae e cita Didi Mocó e sempre acaba se apaixonando pelos gatões desamparados, eu devia me convencer que essa tal realidade não é coisa pra quem carrega a poesia dos românticos e a esperança do povão dentro do mesmo peito. Mas não, não desanimo, por que no meio de todas as coisas que eu pensei em fazer e em ser, e que escrevendo transformei em fantasia, nenhuma é mais bonita do que a realidade de ver as pessoas que gosto e que gostam de mim sorrindo verdadeiramente da minha artificial cara de simpática. Eu dou o tal sorriso falso acompanhado do tique nervoso, eles sorriem e se divertem de verdade, e vendo o sorriso deles eu sorrio novamente, mas dessa vez um genuíno sorriso.
Acho que finalmente entendi porque a minha família materna, que escuta as rádios populares, assiste ao programa do Silvio Santos e faz Churrasco nas datas comemorativas sempre pareceu ser mais feliz do que os marxistas, poetas, jornalistas, escritores, artistas, apreciadores da boa música e da boa literatura; é porque antes de qualquer coisa, eles aprenderam a selecionar os mais simples e singelos e alegres e puros momentos da realidade, que por vezes é tão massacrante e dispendiosa, mas que em outras tem umas coisas assim tão bonitas, como as coisas da ilusão. Tiara Sousa

2 comentários:

Uma nota disse...

Seja feliz em ser você mesma,se você fosse Chico, talvez fosse artificial demais e sendo você, és a grande poetisa que conheço!!
Mais uma vez arrasou!!! beijosss

Alternativo disse...

Obrigada moça! Feliz com o comentário!