segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O QUE AINDA NÃO FALEI...

Não falei que tive catapora quando criança, que não importa quantos defeitos tenham, os meus amigos ainda são escolhidos a dedo, e portanto as melhores pessoas que já conheci. Não falei que o meu primeiro beijo foi horrível e que nunca recebi uma carta de amor, mas já recebi alguns e-mails românticos, nunca tive a coragem de imprimi-los, nunca tive o desprendimento de apaga-los, e por vezes ainda os releio, não pelo que dizem, nem pelas histórias que passaram (sim, aprendi que tudo passa), os releio apenas pra lembrar de quem eu era quando eles me foram enviados.
Não falei da minha vizinha que casou há alguns anos, eu a vi em sua porta vestida de noiva com a felicidade estampada nos olhos, hoje ela anda de mãos dadas com as suas crianças e nunca mais a vi sorrir, não é assim a história que contam nos contos de fadas, e eu odeio admitir que sempre tive medo de ser como ela, o que por vezes é um sentimento contraditório, pois ser como eu ás vezes não me basta.
Não falei do senhor que vendia bombons na frente do prédio que a minha mãe trabalhava quando eu era criança, que ele ficava ali naquele sol torrencial, já idoso, e que eu sonhava um dia poder mudar a vida dele, que eu sonhava poder mudar muitas das coisas que via, tenho saudade daquela menina que sonhava sonhos assim, mas dela ainda tenho o bastante, mesmo o bastante sendo tão pouco quando a realidade está em toda a parte.
Não falei que na casa da minha avó todos gostam de conversar na cozinha, e que não importa aonde eu vá, ou por onde já passei, que lugares bonitos já conheci, ou ainda irei conhecer, é pra aquela cozinha que volto, sempre volto, sempre quero voltar, é ali que eu encontro a melhor parte de mim.
Não falei dos romances que li e que me devastaram só por serem romances, nem dos contos de Drummond que já tentei fugir. Acho que quando o tempo passa eu passo com o tempo e ninguém tem nada a ver com isso, infelizmente.
Não falei das flores que murcharam, dos amores que não amei, nem de nenhum dos meus caprichos. Não falei que já me apaixonei algumas vezes e já passei por todas aquelas fases pós romances traumáticos, o encantamento, a insanidade, a loucura, o ódio, a mágoa, a tristeza, o estranhamento, o nada, o desejo de que fosse feliz e de que eu fosse feliz.
Não falei que enquanto estranhos se cumprimentam pelas ruas, e meninos de onze anos consomem crack de madrugada nos bairro do subúrbio, e a ganancia está estampada nas manchetes de jornais, e os playboys e as patricinhas estão enchendo a cara nos barzinhos de ar condicionado forte, eu fico aqui, preocupada com a droga da minha dor de cólica, consumida pela minha TPM, pensando em como ser eu mais tarde, ou amanhã pela manhã.
Não falei que nunca disse “Eu te amo” a nenhum dos meus antigos e recentes, e efêmeros, e longevos, e simples e complicados romances, e que esperei a vida inteira pra falar isso a um homem que me olhasse com o mesmo olhar com que o meu avô olhava para a minha avó. Um olhar de encantamento e ternura, e desejo e alegria. Um olhar puro, como hoje em dia se vê pouco por aí. Tiara Sousa

4 comentários:

Uma nota disse...

Alma. Foi a sua alma que consegui ler aqui. Lindo nega....obrigada por sua força e delicadeza nas palavras!! beijos...

Alternativo disse...

Foi essa a intenção, dizer o que nunca foi dito sempre mostra muito de nós... Que bom que gostou e me enxergou nesse texto!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

entrem nesse blog, e fale comigo pra lancar la o seu trabalho: osvaldoosorio.blogspot.com