Não
falei que tive catapora quando criança, que não importa quantos defeitos tenham,
os meus amigos ainda são escolhidos a dedo, e portanto as melhores pessoas que
já conheci. Não falei que o meu primeiro beijo foi horrível e que nunca recebi
uma carta de amor, mas já recebi alguns e-mails românticos, nunca tive a
coragem de imprimi-los, nunca tive o desprendimento de apaga-los, e por vezes
ainda os releio, não pelo que dizem, nem pelas histórias que passaram (sim,
aprendi que tudo passa), os releio apenas pra lembrar de quem eu era quando
eles me foram enviados.
Não
falei da minha vizinha que casou há alguns anos, eu a vi em sua porta vestida
de noiva com a felicidade estampada nos olhos, hoje ela anda de mãos dadas com as
suas crianças e nunca mais a vi sorrir, não é assim a história que contam nos
contos de fadas, e eu odeio admitir que sempre tive medo de ser como ela, o que
por vezes é um sentimento contraditório, pois ser como eu ás vezes não me
basta.
Não
falei do senhor que vendia bombons na frente do prédio que a minha mãe trabalhava
quando eu era criança, que ele ficava ali naquele sol torrencial, já idoso, e
que eu sonhava um dia poder mudar a vida dele, que eu sonhava poder mudar muitas
das coisas que via, tenho saudade daquela menina que sonhava sonhos assim, mas
dela ainda tenho o bastante, mesmo o bastante sendo tão pouco quando a
realidade está em toda a parte.
Não
falei que na casa da minha avó todos gostam de conversar na cozinha, e que não
importa aonde eu vá, ou por onde já passei, que lugares bonitos já conheci, ou
ainda irei conhecer, é pra aquela cozinha que volto, sempre volto, sempre quero
voltar, é ali que eu encontro a melhor parte de mim.
Não
falei dos romances que li e que me devastaram só por serem romances, nem dos
contos de Drummond que já tentei fugir. Acho que quando o tempo passa eu passo
com o tempo e ninguém tem nada a ver com isso, infelizmente.
Não
falei das flores que murcharam, dos amores que não amei, nem de nenhum dos meus
caprichos. Não falei que já me apaixonei algumas vezes e já passei por todas
aquelas fases pós romances traumáticos, o encantamento, a insanidade, a
loucura, o ódio, a mágoa, a tristeza, o estranhamento, o nada, o desejo de que
fosse feliz e de que eu fosse feliz.
Não
falei que enquanto estranhos se cumprimentam pelas ruas, e meninos de onze anos
consomem crack de madrugada nos bairro do subúrbio, e a ganancia está estampada
nas manchetes de jornais, e os playboys e as patricinhas estão enchendo a cara
nos barzinhos de ar condicionado forte, eu fico aqui, preocupada com a droga da
minha dor de cólica, consumida pela minha TPM, pensando em como ser eu mais
tarde, ou amanhã pela manhã.
Não
falei que nunca disse “Eu te amo” a nenhum dos meus antigos e recentes, e efêmeros,
e longevos, e simples e complicados romances, e que esperei a vida inteira pra
falar isso a um homem que me olhasse com o mesmo olhar com que o meu avô olhava
para a minha avó. Um olhar de encantamento e ternura, e desejo e alegria. Um
olhar puro, como hoje em dia se vê pouco por aí. Tiara Sousa
4 comentários:
Alma. Foi a sua alma que consegui ler aqui. Lindo nega....obrigada por sua força e delicadeza nas palavras!! beijos...
Foi essa a intenção, dizer o que nunca foi dito sempre mostra muito de nós... Que bom que gostou e me enxergou nesse texto!
entrem nesse blog, e fale comigo pra lancar la o seu trabalho: osvaldoosorio.blogspot.com
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